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Plano Diretor Industrial de Usinas Greenfield STAB - Jan/Fev/Mar 2022

Alguns dias antes de iniciarmos este texto, recebemos um puxão de orelhas do nosso amigo João Santana, comentando que os jovens engenheiros das usinas ficariam muito agradecidos com a inclusão de fluxogramas e de figuras na Revista STAB. Explicamos a ele que quando enviamos os primeiros textos, ainda no ano de 1995, muitas vezes sugerimos a inclusão de figuras, mas naquela época fomos orientados a evitá-las para facilitar a diagramação das revistas impressas. Com a inevitável digitalização da Revista STAB, a inclusão de fluxogramas e de figuras deverá propiciar uma melhor compreensão dos textos.

Este preâmbulo, por coincidência, se aplica ao tema desta edição, que pretende discutir novos fundamentos para a definição do plano diretor industrial das unidades de processamento de cana que serão projetadas pelos jovens engenheiros do nosso setor mencionados pelo João. Neste caso, por certo algumas figuras típicas seriam muito adequadas, mas impraticáveis neste curto espaço disponível.

O tema em questão foi escolhido porque no início de 2022, depois de um bom tempo, foi anunciada a implantação de um projeto de usina greenfield no MS. Na década entre 2004 e 2014, desenvolvemos o plano diretor industrial de muitos projetos similares, utilizando as premissas e os critérios vigentes naquela época. Porém, premidos pelos Clientes para reduzir investimentos, instalamos operações unitárias do processo que poderiam estar melhor localizadas para a eventualidade de novos produtos, deixando de prever espaços indispensáveis para o futuro.

Para um jovem engenheiro que vai desenvolver um plano diretor a partir de 2022, na nossa opinião pelo menos três novos produtos devem ser considerados no planejamento da expansão da usina: Etanol de milho, Biogás e/ou Biometano e Etanol 2G.

A produção de etanol de milho, com eventuais subprodutos tipo premium, já está consolidada no Brasil. Na mesma semana que recebemos a mensagem do João Santana, tomamos conhecimento de um documento emitido por uma associação americana criticando duramente o etanol de milho produzido lá. Naturalmente há muitos interesses envolvidos, mas é indiscutível que nos EUA o processamento do milho é suportado por combustível fóssil. Já aqui no Brasil podemos produzi-lo utilizando biomassa como combustível em ciclos termodinâmicos de cogeração. Em quando a biomassa em questão é o bagaço de cana, podemos adotar um ciclo completo de cogeração, talvez com um pequeno percentual de geração de energia elétrica com condensação sob vácuo com o único objetivo de atender as variações de consumo de energia no processo sem utilizar rebaixamento de vapor motriz. Acreditamos que progressivamente as culturas da cana de açúcar e do milho, em vez de concorrentes, poderão ser complementares no Brasil.

A produção de biogás, e por consequência de biometano, está numa fase mais incipiente, porém com um futuro promissor, já que estudos recentes demonstraram que no Brasil entre 60% a 65% do potencial de produção de biogás encontra-se concentrado no setor de processamento de cana. Atualmente a utilização do biometano para substituir o diesel na frota é mais rentável do que a utilização do biogás para exportação de energia elétrica, mas esta situação pode ser eventualmente alterada com a chegada dos leilões para venda de potência para o sistema elétrico. É importante considerar que no futuro também o biogás poderia ser utilizado em sistemas de cogeração.

A produção de etanol 2G ainda é mais restrita em função de questões relevantes a respeito de tecnologia e de acesso a mercados mais específicos, mas não deveria ser descartada totalmente como uma hipótese futura nos estudos do plano diretor. Produção de etanol de milho e de biogás podem ser consideradas como atividades complementares. Já a produção de etanol 2G a partir de bagaço cria uma concorrência pelo combustível para o etanol de milho, a menos que passe a ser técnica e economicamente viável a utilização de palha enfardada.

Na prática, um projeto de usina greenfield muito provavelmente vai iniciar a sua operação sem nenhum dos três processos acima mencionados, já que o menor investimento inicial corresponde sempre à produção exclusiva de etanol e de energia elétrica para exportação. Mas mesmo assim, o estudo do plano diretor industrial deve prever espaços livres adequados, tanto para a expansão da capacidade de processamento de cana como para a eventual instalação dos processos mencionados. Este será sempre o dilema dos jovens engenheiros. Projetar plantas compactas que minimizam os custos de operação e de manutenção, mas ao mesmo tempo com um conceito “radial” que permita, mesmo com a usina em operação, a ampliação e a instalação de novos processos.

Alguns critérios de projeto são mais ou menos universais e independentes das premissas citadas acima. Os ventos predominantes devem preferencialmente varrer antes todas as instalações de armazenamento de produtos acabados e de processo, e por último as instalações que produzem muitos particulados (como a recepção de cana) e/ou odores indesejáveis (como os tanques para vinhaça). Terrenos muito planos são inadequados para a drenagem pluvial e de efluentes, mas os muito inclinados obrigam a criação de diversos níveis para os vários setores do processo, aumentando os custos e dificultando o acesso. Declividade média entre 2% e 4% costuma funcionar bem. De uma maneira geral, as “áreas limpas” devem estar recebendo os ventos predominantes nos pontos mais altos do terreno, e as “áreas sujas” ao contrário. O plano diretor deve prever o mínimo transporte de produtos intermediários e finais do processo, e também dos insumos diversos, tais como vapor, energia elétrica, água para resfriamento, ar comprimido, etc. Deve prever os acessos adequados (portarias) que geralmente podem variar de um até quatro, ou alguma combinação entre eles, para cana e palha, para materiais e insumos, para produtos acabados e para colaboradores e visitantes, considerando sempre o mínimo de circulação interna na planta.

Na vida real, em algumas oportunidades pudemos “selecionar” os terrenos, em outras fomos “escalados” para usar da melhor maneira possível um único terreno disponível. Mas as premissas acima sempre serão válidas.

Do ponto de vista dos equipamentos e das instalações, podemos discorrer sobre premissas que acreditamos devam ser seguidas e que, em função da realidade da época, nem sempre foram adotadas naquela década entre 2004 e 2014.

Começando pela extração de caldo, seja com moenda ou com difusor, é preciso definir quantas linhas haverá em função do potencial de capacidade agronômica da nova unidade. Se puder operar com apenas uma linha de extração, não deixar espaço para a segunda. Se puder operar com duas linhas de extração, não deixar espaço para a terceira. É mais confiável operar poucos equipamentos de grande capacidade do que muitos equipamentos de menor capacidade. A probabilidade de paradas aumenta com a quantidade de equipamentos em operação, mesmo considerando que haverá manutenção adequada.

Continuando com o tratamento de caldo, lembrar que máxima produção de açúcar e de energia elétrica para exportação são aspectos conflitantes do processo, devendo a sacarose estar o menor tempo possível submetida a altas temperaturas, conforme texto da Revista STAB da edição julho/agosto de 2019 - Degradação de Açúcar na Evaporação. O projeto do sistema de evaporação deve considerar este aspecto e todo o vapor de escape (VE) produzido deve ser condensado exclusivamente no primeiro efeito deste sistema, o qual deve estar próximo da CGT (Central de Geração Térmica) onde a maior parte do VE é produzida. Lembrar que eventualmente a torta de filtro poderá ser utilizada para a produção de biogás no futuro, e assim o seu transporte interno e estocagem devem ser previstos.

Na fábrica de açúcar considerar módulos de cozimento contínuo com duas massas, que poderiam ser replicados em ampliações futuras. Com a grande produção de etanol, muito provavelmente a utilização de três massas não será recomendável. Lembrar que centrífugas contínuas de massa B podem operar sem supervisão de operadores, o que cria mais liberdade para a definição dos arranjos físicos. Os secadores de açúcar deveriam ser modulados em conformidade com a máxima capacidade dos módulos de cozimento contínuo.

No setor de produção de etanol, considerar um menor número de fermentadores de grande porte, inclusive com a perspectiva de que poderão operar em paralelo no futuro se houver grande aumento de capacidade, e com a inclusão de tanques intermediários para estabilizar a alimentação das centrífugas de levedura. Considerar que as peneiras moleculares utilizadas para a desidratação do etanol de cana também serão utilizadas para o etanol de milho, lembrando que sua operação se estenderá pela safrinha e pela entressafra. O sistema de armazenamento e de carregamento de etanol de cana e de milho poderá ser comum. Lembrar que a vinhaça poderá ser utilizada para a produção de biogás, com a eventual recuperação de calor para o processo durante o seu bombeamento.

Para a produção de vapor motriz, considerar que as caldeiras poderão eventualmente queimar, além do bagaço, vinhaça concentrada (conforme texto da Revista STAB da edição julho/agosto/setembro de 2020 - Vinhaça: Biodigestão x Incineração em Caldeiras BFB), palha com baixa umidade ou lignina, devendo haver espaço adequado no pátio de combustíveis. Por outro lado, lembrar que provavelmente não será necessário prever espaço para a ETALG, pois as caldeiras deverão ter precipitador eletrostático, conforme texto da Revista STAB da edição março/abril de 2019 - Multiciclone x Precipitador, com a remoção de cinzas secas, que talvez não mais sejam misturadas com a torta de filtro. Será fundamental modular a capacidade das caldeiras, de grande capacidade para operação exclusiva durante a safra de cana, e de menor capacidade para operação durante a safra, safrinha e entressafra. Lembrar que se houver no futuro geração de energia elétrica a partir de biogás com utilização de turbinas, poderá ser instalada uma caldeira de recuperação para a produção de vapor de processo, conforme texto da Revista STAB da edição julho/agosto/setembro de 2021 - Cogeração nas Usinas com Biogás. Também é recomendável prever espaço físico para a eventual instalação de secadores de bagaço, utilizando calor residual dos processos diversos.

Para a geração de energia elétrica, os turbogeradores também deverão ser bem modulados para a operação na safrinha e na entressafra. Para maximizar a eficiência do ciclo termodinâmico, deverá ser instalada a capacidade mínima indispensável de turbinas com condensação sob vácuo, apenas suficiente para modular as variações de consumo de vapor motriz e de vapor de processo sem a abertura das válvulas condicionadoras de vapor. As torres de água de resfriamento dedicadas podem ficar próximas à CGT, já que com pouca condensação sob vácuo suas dimensões serão menores.

Para a produção de etanol de milho, prever espaço para armazenamento de matéria prima e dos subprodutos correspondentes (DDGS, óleo, etc.).

Para a produção do biogás, considerar que além da vinhaça poderá haver contribuição de DQO proveniente dos processos de cana e de milho, com a necessidade de uma adequada coleta dos mesmos. No caso de utilização de lagoas para biodigestão, espaço físico adequado deverá ser previsto, conforme texto da Revista STAB da edição maio/junho de 2016 - Produção de Biogás: Lagoa x Reator. No caso de produção de biometano para a frota, prever espaço para armazenamento do produto e para o posto de combustíveis correspondente.

Para a produção de etanol 2G, considerar espaço para eventual armazenamento de palha enfardada e do produto final, que provavelmente será carregado de forma independente.

Adequar todas estas possibilidades de forma racional e econômica é um desafio enorme para os jovens engenheiros, mas nada como um bom desafio para encontrarmos boas soluções. Boa sorte!

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br