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Produção de Biogás: Lagoa X Reator STAB - Mai/Jun 2016

Oito anos depois de discorrermos neste espaço sobre produção de energia elétrica a partir de vinhaça, na edição de Maio de 2008, um fato novo nos induziu a voltarmos ao tema.

No último leilão A-5 da ANEEL em Abril passado a Usina Bonfim, localizada em Guariba, SP, logrou vender energia elétrica a partir da produção de biogás, sendo que o projeto em questão prevê uma potência instalada na faixa de 20 MW. Não é pouca coisa!

A Resolução ANP no 8 datada de 30/01/2015 define o biometano como sendo um biocombustível gasoso constituído essencialmente de metano, derivado da purificação do biogás. O biometano é o combustível indicado para a substituição parcial do óleo diesel nas frotas das usinas, cujo retorno econômico hoje em dia apresenta-se mais promissor do que a venda de energia elétrica para a rede.

Na produção de etanol de cana a vinhaça resultante é um efluente líquido caracterizado basicamente pela sua carga orgânica (DQO) e pelo seu teor de potássio, sendo este último um elemento que praticamente não participa das reações físico químicas durante o processamento da cana de açúcar.

A vinhaça tem DQO na faixa de 20 a 25 kg/m3, quando proveniente da fermentação com caldo, e de 50 a 60 kg/m3, quando proveniente da fermentação de caldo e/ou mel esgotado resultante da fabricação de açúcar.

Se submetermos a vinhaça a um tratamento de digestão anaeróbica, conseguimos uma remoção de DQO da ordem de 85%. O potássio não participa das reações, assim o potássio que entra é o potássio que sai do digestor. Como o teor de potássio não se altera e a DQO na saída ainda é alta para disposição do efluente na natureza, este tratamento não pode se viabilizar como um sistema de controle de poluição. Portanto, no Brasil o tratamento somente é viável se a economia em óleo diesel ou a venda de energia elétrica pagar os investimentos e os custos operacionais.

A digestão anaeróbica é proporcionada por bactérias adequadamente selecionadas e adaptadas ao efluente e ao meio reinante no interior do digestor. A maior parte da DQO é convertida e o lodo resultante da reação (cerca de 1,5% a 2,5% do influente) deve ser removido do reator e adequadamente disposto como qualquer outro resíduo.

Hoje no Brasil são ofertados basicamente dois tipos de sistemas para digestão anaeróbica: lagoas e reatores. Em ambos os casos o desafio do projetista do sistema é inicialmente procurar homogeneizar o meio ao máximo, para proporcionar que as bactérias entrem em contato com a matéria orgânica, que é a sua fonte de sobrevivência, e em seguida tratar de separar adequadamente o biogás produzido das bactérias, as quais devem permanecer no meio.

As lagoas anaeróbicas apresentam profundidade na faixa de 4 a 8 m e devem ser revestidas com membrana à base de PAD e também cobertas pelo mesmo material para a contenção do biogás. São instalações que exigem grandes volumes, pois a sua taxa de aplicação (TA) típica encontra-se na faixa de 2 a 3 kg DQO/m3/dia. Utilizam bactérias mesofílicas, operando com temperatura ao redor de 36oC.

Os reatores com alta TA como, por exemplo, o tipo IC (Internal Circulation) ou equivalentes, também utilizam bactérias mesofílicas e operam com temperatura de 36oC, sendo desenhados considerando-se como premissa uma TA de 25 a 30 kg DQO/m3/dia. Assim os seus volumes se reduzem drasticamente, principalmente pelo recurso da utilização do próprio biogás gerado para a homogeneização do meio.

A escolha entre usar lagoa ou reator passa, como de costume, pela análise dos custos de investimentos (capex) e dos custos operacionais (opex). Normalmente reatores pequenos são comparativamente mais caros do que as lagoas, mas à medida que os volumes de DQO a ser convertido aumentam, existe uma inflexão nas curvas e as lagoas passam a ser mais caras.

Quando a produção de biogás é projetada para instalações de avicultura ou de suinocultura, por exemplo, a lagoa costuma ser a solução mais indicada porque a mesma ainda tem dimensões relativamente pequenas.

Quando a produção de biogás é projetada para instalações industriais de grande porte, o reator passa a ser a solução mais indicada, pois os problemas decorrentes das enormes dimensões das lagoas passam a inviabilizar tecnicamente esta alternativa.

Podemos fazer algumas comparações considerando como exemplo a venda de energia a partir de biogás no leilão mencionado acima. Para uma potência firme de 20 MW com motores de combustão interna necessitamos processar aproximadamente 500 t/d de DQO.

No caso de reatores e considerando uma TA conservadora de 25 kg DQO/m3/dia teríamos, por exemplo, a instalação de quatro reatores com diâmetro de 15 m e altura de 30 m, um total de 20.000 m3.

No caso de lagoas e considerando uma TA de 2,5 kg DQO/m3/dia necessitaríamos um volume total de aproximadamente 200.000 m3. Há técnicos que sugerem alturas de até 10 m, mas não são usuais em função das dificuldades de limpeza e dos custos de escavação e de contenção. Adotando uma altura média de 6 m necessitamos de uma área total de aproximadamente 33.300 m2. Para melhorar a distribuição do influente na lagoa, é recomendável projetar uma forma retangular, por exemplo com proporção de 1:3 entre largura e comprimento. Chegamos a uma lagoa de 105 m x 316 m, ou três lagoas de 60 m x 185 m.

As lagoas, além de apresentarem menor investimento no caso de pequenas capacidades, oferecem ainda outras vantagens. São instalações que aceitam melhor as variações de DQO no influente, manejando melhor eventuais picos na TA. Necessitam de menor cuidado com relação à retenção do lodo no seu interior. São relativamente fáceis de operar e o seu grande volume garante um natural estoque pulmão de biogás. Podem eventualmente receber materiais sólidos, gordurosos e outros tipos de substrato, dependendo das necessidades de limpeza periódica.

Entretanto, quando as lagoas passam a ter dimensões exageradas como as do exemplo acima, as desvantagens da solução passam a ser maiores do que as vantagens.

Um primeiro problema seria o tempo de partida do sistema no início da safra, naturalmente muito mais longo.

As lagoas normalmente são revestidas com membrana de PAD com espessura de 1,5 mm para evitar qualquer contaminação do solo. O mesmo material é usado para o seu recobrimento, o qual obriga a operação com pressões baixas na faixa de 15 até 50 Pa (1,5 a 5,0 mm.c.a.). Como a pressão é muito baixa, o biogás deve ser retirado da lagoa por meio de exaustores dedicados para esta finalidade. Embora a pressão seja baixa, o perímetro é muito grande e assim os vazamentos de biogás para a atmosfera são inevitáveis.

As coberturas das lagoas grandes estarão mais sujeitas aos efeitos das intempéries. Devem ser instalados lastros sobre a cobertura para evitar que ventos fortes desloquem a cobertura da sua posição. Devem ser instalados flutuadores sob a cobertura para o caso de uma chuva torrencial na entressafra, de maneira a permitir que água da chuva possa ser drenada para as laterais.

A membrana de PAD é a mais barata, mas também mais suscetível à ação de fatores externos tais como aves por exemplo. Um vazamento provocado por um pouso ou bicada provavelmente nunca será detectado. Materiais mais resistentes como poliéster reforçado poderiam ser adotados, mas neste caso o custo passa a ficar proibitivo.

Deve ser instalado um sistema interno na lagoa para uma distribuição uniforme do influente, já que grandes volumes dificultam a homogeneização do meio e podem criar caminhos preferenciais, reduzindo a taxa de conversão de DQO. Este sistema de tubulações dificilmente poderá ser inspecionado regularmente.

No caso do exaustor de biogás falhar um sistema de válvulas de segurança deve aliviar a pressão rapidamente, já que a membrana não suporta pressão elevada. São válvulas caras em função do baixo diferencial de pressão envolvido. Caso as válvulas sejam atuadas estaremos lançando na atmosfera um produto com até 70% de metano, que é explosivo. Os custos de seguro certamente serão mais elevados, pois na realidade existe um volume enorme de combustível sob a membrana, o risco de explosão é real.

Concluímos assim que a crença geral de que lagoa é mais barata do que reator pode valer para pequenas capacidades de conversão de DQO. Para grandes capacidades um estudo detalhado deve ser desenvolvido comparando as duas alternativas tecnológicas. Temos inclusive o testemunho de técnicos de outro setor da agroindústria que começaram tal estudo achando que a lagoa seria a solução, mas acabaram instalando um reator.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br