Redução de Bagacilho no Processo
Os filtros rotativos a vácuo são equipamentos que fazem parte de sistemas que foram desenvolvidos em uma época na qual a cana processada era geralmente queimada e cortada manualmente, ou seja, cana trazendo pouca impureza mineral e vegetal.
Para estas condições tínhamos naqueles tempos alguns parâmetros clássicos, tais como a necessidade de bagacilho%cana de 0,8% para o filtro a vácuo, o qual produzia torta%cana ao redor de 2,5 % a 3,0%, com uma superfície de filtração instalada na faixa de 0,5 m2/t de cana.
Na última década principalmente dois aspectos fundamentais da indústria mudaram de forma sensível. A qualidade da cana piorou muito, com um nível de impureza que produz hoje em dia 5,0% a 6,0% de torta%cana, causando desta maneira perdas muito maiores de açúcar na torta e necessitando de superfície de filtração instalada na faixa de 1,0 m2/t de cana. E surgiram duas novas tecnologias visando substituir o filtro rotativo a vácuo, a centrífuga horizontal (decanter) e o filtro prensa, as quais por hipótese utilizam pouco ou nenhum bagacilho na filtração do lodo e trazem como apelo principal a produção de torta com baixa umidade.
O objetivo deste texto é discutir esta nova realidade e as eventuais possibilidades de passarmos a operar com nenhum ou pelo menos com o mínimo de bagacilho no processo.
Qualquer que seja o sistema de filtração adotado, o objetivo sempre será separar o máximo de açúcar que está contido no lodo para retorna-lo ao processo. Independente da tecnologia, o correto condicionamento do lodo que vai ser filtrado é o primeiro passo para o sucesso. O condicionamento consiste basicamente na diluição e/ou adição de auxiliares de filtração específicos, que usualmente podem ser bagacilho, leite de cal e floculantes, visando aumentar a porosidade da torta e assim aumentar a eficiência de separação do açúcar, ou lavagem da torta. A lavagem pode ocorrer por deslocamento ou por difusão do caldo contido na torta. O deslocamento ocorre quando a água de lavagem do processo “empurra” o caldo para fora e fica retida na torta. A difusão ocorre quando a água de lavagem dilui o caldo contido na torta, sendo um processo menos eficiente do que o deslocamento.
O filtro a vácuo é desenhado para garantir a lavagem por deslocamento e normalmente utiliza somente bagacilho no condicionamento do lodo. Como a abertura nas telas é relativamente grande, na prática o bagacilho é na realidade o elemento filtrante, razão pela qual é recomendada a quantidade de 0,8% sobre cana com granulometria adequada que garanta uma boa porosidade na torta.
Embora o filtro a vácuo utilize menos água do que as outras duas tecnologias, paradoxalmente ele entrega torta com umidade alta, na faixa de pelo menos 80%. Esta torta com alta umidade é decorrente do uso intensivo de bagacilho. Testes de laboratório, nos quais bagaço fresco foi imerso em água, permitiram determinar o aumento de massa do bagaço. Verificou-se que 1 kg de bagaço fresco, com 48% de umidade, imerso em água, conseguiu absorver 2,15 kg adicionais de água, ou seja, atingiu uma umidade de 83,5%. Desta maneira, o filtro a vácuo estará sempre associado a uma torta com alta umidade e com maiores perdas, já que naturalmente vai haver difusão do caldo na água retida pelo material fibroso do bagacilho.
É importante ressaltar também que, numa usina típica com bagaço%cana de 27,5%, a massa de 0,8% de bagacilho%cana corresponde a aproximadamente 3,0% do combustível disponível. Nada desprezível para quem opera uma unidade de cogeração.
Por outro lado, mesmo quando o filtro a vácuo é bem operado, é natural esperar que alguma quantidade de bagacilho vá se deslocar para o caldo filtrado, principalmente partículas finas de fibra. Esta fibra volta para o processo, causando diversos efeitos adversos, os quais devem ser sempre evitados.
O primeiro efeito adverso é na clarificação, a qual é basicamente um processo que ocorre por diferença de densidade entre as partículas em suspensão e o meio. A literatura reporta partículas fibrosas com densidade na faixa de 1530 kg/m3 e outras partículas como solo (areia, argila) ou flocos com densidade na faixa de 2650 kg/m3, indicando claramente a maior dificuldade na sedimentação das primeiras.
O segundo efeito adverso é na qualidade do açúcar produzido, pois como a separação na clarificação será sempre parcial, o material fibroso que segue à frente no processo ocasiona aumentos na formação de cor do xarope e ocasiona a produção de açúcar com baixa filtrabilidade, resultante da inclusão de partículas muito finas nos cristais.
A centrífuga horizontal (decanter) é uma tecnologia que tem sido proposta pelos fabricantes tradicionais para substituir o filtro a vácuo. O decanter opera sem nenhum bagacilho, porém utiliza mais água para diluição do lodo e pode necessitar de um melhor condicionamento do lodo por meio de leite de cal e de floculante. Em geral admite-se que a operação do decanter pode ser melhor controlada do que a do filtro a vácuo, produz torta com menor umidade (já que não usa bagacilho) e apresenta perdas na torta similares às do filtro a vácuo. O grande entrave para a adoção desta tecnologia é o custo de capital, já que os investimentos são altos. Temos informação de que há decanters operando bem na Índia, país que processa cana muito limpa, aspecto fundamental para não provocar custos enormes de manutenção quando existem sólidos abrasivos no lodo.
O filtro prensa é uma tecnologia que tem sido adotada com sucesso no Brasil e em alguns países da América Latina, embora existam também alguns poucos equipamentos instalados na África e na Austrália. O filtro prensa também pode operar sem nenhum bagacilho, porém também utiliza mais água e necessita de um bom condicionamento do lodo por meio de leite de cal e/ou floculante. Esta água adicional é necessária principalmente para a lavagem da tela, e geralmente é possível reciclar esta água de lavagem no processo diminuindo assim o consumo total de água da usina. Embora possa operar sem bagacilho, evitando os fatores adversos acima, o filtro prensa apresenta um custo operacional mais elevado em função dos insumos necessários no condicionamento do lodo. Entretanto, entrega uma torta com menor umidade, e muito provavelmente este custo operacional mais elevado na indústria é compensado no transporte da torta.
Como o filtro prensa tem um custo de capital mais baixo do que o filtro a vácuo e pode operar sem bagacilho, a sua utilização do ponto de vista do processo é a mais recomendada, desde que fosse possível separar com mais eficiência o bagacilho já no sistema de extração de caldo.
Esta possibilidade de procurar remover o máximo de bagacilho fino já no setor de extração de caldo veio à mente porque foi solicitado um estudo específico por um cliente há cerca de seis anos em um Projeto Conceitual para aumento de capacidade de moagem. Neste caso específico a extração era por meio de difusor, o qual produz muito menos lodo do que a moenda. A ideia do cliente era instalar turbo filtros, similares aos usados na filtração de caldo clarificado, para tratar caldo misto após a peneira rotativa e antes do aquecimento do caldo.
Sabemos que com extração por meio de difusor o volume de lodo produzido na clarificação é cerca de um terço quando comparado com moenda, já que a maior parte das impurezas insolúveis fica retida no bagaço e é enviada para a caldeira, até chegar ao sistema de tratamento de água do lavador de gases.
Mas quando a extração é feita por moendas, as quais equipam a maioria das usinas no Brasil, há uma grande quantidade de bagacilho que não é separada nas peneiras rotativas e segue junto com o caldo.
As peneiras rotativas tem tipicamente tela com abertura de 0,5 mm e processam caldo misto ou caldo primário e secundário separadamente, dependendo do mix de produção açúcar / etanol.
O caldo primário após passar pela peneira rotativa carrega consigo muito material inorgânico (areia, argila) e parte do bagacilho relativo a apenas um estágio de extração que passam pela tela da peneira.
Já o caldo secundário, num tandem típico de seis ternos, carrega consigo menos material inorgânico e uma parte maior de bagacilho relativo a quatro estágios de extração que passam pela tela da peneira.
Admitindo que o processo opere com filtro prensa, sem necessidade de bagacilho, faz sentido sobrecarregarmos o caldo secundário com o bagacilho oriundo de mais quatro estágios de extração?
Admitindo que a maior parte do material inorgânico seja retida no primeiro e segundo ternos, o caldo do terceiro terno tem muito bagacilho, oriundo de quatro estágios de extração, mas tem menos material abrasivo. Em outras palavras, o caldo do começo do tandem deve ter proporcionalmente mais material inorgânico abrasivo em suspensão e o caldo do final do tandem deve ter proporcionalmente mais material fibroso em suspensão.
Neste caso, faz sentido passarmos o caldo do terceiro terno por um turbo filtro antes do mesmo ser usado na embebição do segundo terno, enviando o bagacilho separado para o Donnelly do terceiro terno?
O objetivo desta operação seria evitar que o bagacilho oriundo de quatro ternos e, portanto, a maior parte do mesmo, seja misturada com as parcelas de caldo que são destinadas ao processo, reduzindo sensivelmente desta maneira a carga nas peneiras rotativas, as quais eventualmente poderiam ser equipadas com telas de menor abertura, sempre com o intuito de eliminar ao máximo o bagacilho no processo.
Resta ouvir a opinião dos nossos colegas especialistas em moendas. Neste esquema de separação de bagacilho aqui proposto, quais seriam as expectativas com respeito à extração e à capacidade do tandem?
Do ponto de vista do processo provavelmente vale a pena manter o bagacilho coletado nos últimos quatro ternos “separado” sem misturá-lo com o caldo secundário. Do ponto de vista da moenda as desvantagens seriam maiores ou menores do que as vantagens?
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