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Cada Coisa em Seu Lugar STAB - Mar/Abr 2003

Estamos iniciando este texto logo após ficar sabendo que uma unidade industrial, a qual está implantando uma nova fábrica de açúcar, optou pela instalação de tachos em bateladas para a massa A com relação S/V 1:1 (1,0 m2/hl). A justificativa técnica informada é que isto permitiria, no futuro, a utilização de vapor V2 para o seu aquecimento.

Esta notícia provoca em nós uma terrível sensação de incompetência, pois não conseguirmos transmitir para os técnicos envolvidos certos conceitos físicos que explicariam a inutilidade daquela exagerada superfície de aquecimento. Em nossa opinião, estes metros quadrados a mais de tubulação teriam muito melhor efeito em outro setor da usina. Vamos procurar estabelecer alguns conceitos para tentar, mais uma vez, convencer tecnicamente os nossos colegas.

Há cerca de 15 anos atrás mais ou menos, recebemos a visita de técnicos de uma empresa espanhola, que pretendiam trazer para o Brasil um sistema de circulação forçada para tachos a vácuo utilizando ar comprimido. Se não nos falha a memória, o sistema chamava-se AIRGUT.

Neste sistema proposto, a circulação da massa cozida era artificialmente aumentada pela introdução de ar comprimido por meio de distribuidores estrategicamente instalados sob o feixe tubular do tacho. Este sistema evitava a necessidade de circulador mecânico, mas como tudo tem seu preço, criava problemas posteriores para a eliminação do ar no respectivo condensador. Além disso, ar não costuma ser um bom condutor de calor, dificultando a troca térmica.

Até onde sabemos o sistema AIRGUT não prosperou nas usinas do mundo todo, mas a sua concepção serve de exemplo para entendermos o mecanismo da circulação natural da massa cozida que ocorre nos tachos a vácuo.

No tubo central temos apenas a massa cozida, com uma densidade que pode variar desde 1,3 até 1,5 t/m3. No interior do feixe tubular temos uma mistura de massa cozida com bolhas de vapor. Acontece que cada uma das bolhas de vapor, e ainda mais porque estão sob vácuo, tem uma densidade mais de mil vezes menor do que a densidade da massa cozida. Esta diferença de densidade promove a circulação natural da massa cozida, com sua intensidade maior ou menor dependendo da quantidade de bolhas de vapor produzidas.

Mas porque os espanhóis pensaram em colocar ar dentro do tacho, se a bolhas de vapor já estavam lá naturalmente? A resposta é simples. A quantidade de bolhas de vapor começou a diminuir safra após safra. Mas porque? Para economizar vapor de processo. As usinas da Europa passaram a produzir xarope com brix cada vez mais elevado, chegando até a 75%, e em alguns casos até a 78%. E uma das maneiras disponíveis para se economizar vapor de processo é justamente procurar aumentar o brix do xarope na evaporação. Xarope com brix muito alto pode eventualmente provocar falso grão, o que pode ser evitado com um sistema de automação adequado, o que hoje em dia é perfeitamente factível tanto do ponto de vista técnico como econômico.

Podemos fazer alguns cálculos simples para avaliar a quantidade de bolhas de vapor produzidas. Se vamos transformar 100 t de xarope com 60% de brix em massa cozida com 92% de brix, será necessário evaporar cerca de 35 t de água. Porém, para produzir a mesma quantidade de massa cozida a partir de xarope com 72% de brix, será necessário evaporar cerca de 22 t de água, ou seja, 37% a menos de bolhas de vapor e portanto muito menor possibilidade de se criar circulação natural.

Temos um cliente que se queixou de que os circuladores mecânicos não reduziram o seu tempo de cozimento na massa A. Verificamos que estava alimentando os tachos com xarope a 55% de brix. Nestas condições, a quantidade de bolhas formadas é tão grande, provocando uma circulação natural de tal magnitude, que qualquer sistema de circulação forçada seria incapaz de competir.

Mas vamos voltar aos critérios de projeto dos tachos a vácuo. Não existe almoço de graça. A maior relação S/V, além de naturalmente encarecer o equipamento, apresenta uma desvantagem que consideramos a mais grave: aumenta o volume do pé de cozimento. Maior volume de pé vai significar menor produção líquida de massa cozida e menor esgotamento da mesma, até o fim da vida útil do equipamento.

Para se minimizar este inconveniente, existe o recurso da utilização de tubos com menor diâmetro. Mas eles vão provocar maior perda de carga e maior dificuldade na circulação natural quando a massa estiver sendo apertada.

E por falar em aperto de massa, é no final do cozimento que a grande relação S/V mostra-se totalmente incoerente. Se queremos apertar a massa, vamos alimentar o tacho com pouco xarope ou mel. Nestas condições, a quantidade de água evaporada será pequena. Se vamos evaporar pouca água, haverá pouca formação de bolhas e por conseqüência uma circulação natural pobre. Não adianta termos uma grande superfície de troca.

Mas e se pretendemos usar vapor V2 com 105 ºC em vez de vapor V1 com 115 ºC? Podemos voltar a alguns cálculos simples. Com um vapor V1 a 115 ºC, o espaço vapor sob vácuo com temperatura ao redor de 65 ºC e elevação média do ponto de ebulição na massa cozida próximo de 20 ºC, temos uma diferença de temperatura de 30 ºC entre o vapor de aquecimento e a massa cozida. Com um vapor V2 a 105 ºC, temos uma diferença de temperatura de 20 ºC entre o vapor de aquecimento e a massa cozida. Portanto, uma capacidade de troca térmica 33% menor para um dado tacho com uma certa superfície de troca térmica.

Para resolver este problema e voltar a ter a mesma capacidade de produção temos dois caminhos. O primeiro caminho consiste em evaporar a mesma quantidade de água, e para isso aumentar a relação S/V dos usuais 0,75 para 1,0 (coincidentemente, um aumento de 33%).

O segundo caminho, mais correto sem dúvida, consiste em reduzir a quantidade de água a ser evaporada. Conseguimos reduzir a quantidade de água a ser evaporada em 33% passando o brix do xarope dos usuais 60% para 70%. Quanto mais alto, melhor para a produtividade do tacho e para o balanço de vapor da usina.

Como o xarope com brix alto vai produzir poucas bolhas e portanto provocar uma circulação natural deficiente, a solução técnica correta é a adoção de circuladores mecânicos ou de tachos contínuos.

Em nosso meio é difundida a idéia de que tachos contínuos não necessitam de circuladores mecânicos porque tem relação S/V 1:1. Não é verdade. É principalmente porque eles operam com um baixo nível de massa cozida, cerca de 300 a 400 mm acima do feixe tubular. Esta condição garante uma boa capacidade de troca térmica porque é pequena a elevação do ponto de ebulição devido à baixa altura hidrostática da massa.

Já os tachos em bateladas podem operar no final do cozimento com o nível de massa cozida de 1500 a 1800 mm acima do feixe tubular, e em alguns casos até a 2000 mm. A elevação do ponto de ebulição será muito mais significativa, reduzindo muito a capacidade de troca térmica. É interessante lembrar que um tacho com relação S/V de 1:1 e volume de pé de 50% (o que já é um exagero), tem no início do cozimento uma relação S/V de 2:1, o que é totalmente desnecessário nesta fase do cozimento, com o brix da massa cozida ainda baixo.

Pelo exposto acima, a nós parece muito mais coerente instalar esta superfície de troca térmica adicional na evaporação, para obter um xarope com brix mais elevado, e não nos tachos a vácuo.

Assim, acreditamos que seja razoável aconselhar nossos amigos espanhóis de que lugar de ar comprimido é no flotador. E nossos amigos brasileiros de que lugar de superfície de troca térmica é preferencialmente na evaporação. Será um dinheiro melhor empregado. Tachos com alta relação S/V são necessários somente na refinaria, que certamente virá quando a Europa deixar de exportar açúcar subsidiado. E neste momento, um bom balanço de vapor nas nossas usinas será indispensável. Um xarope com brix mais alto vai tornar as coisas muito mais fáceis para se atingir um baixo consumo de vapor de processo.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br