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Difusor X Moenda STAB - Jul/Ago 2014

Discutir qual dos dois sistemas é melhor é o mesmo que ter um argentino e um brasileiro discutindo qual é o melhor jogador: Maradona ou Pelé? Nunca vão chegar a um acordo! Os técnicos açucareiros são mais ou menos assim, há os apaixonados por difusor e há os apaixonados por moenda, não tem acordo!

Estamos desenvolvendo um projeto greenfield no exterior e a pergunta inevitável do investidor não tardou a surgir: devo usar difusor ou moenda?

Para este caso específico recomendamos moenda. Mas neste mesmo espaço, no texto de Julho/Agosto de 2001, portanto há exatamente 13 anos, a nossa recomendação foi difusor. Como justificar esta incoerência?

O fato é que muitas coisas mudaram no nosso setor nestes últimos anos. Talvez o primeiro difusor que operou com sucesso no Brasil foi aquele instalado na Destilaria Galo Bravo, localizada em Ribeirão Preto, no período do Pro-Álcool. Foi um sucesso, fomos visitá-lo logo que pudemos. O equipamento tinha basicamente quatro vantagens insuperáveis quando comparado com as moendas: maior extração, menor custo de manutenção, menor consumo de energia e menor necessidade de tratamento de caldo.

Estas quatro vantagens na prática viraram mitos que se mantem até hoje, como se nestes 30 anos as condições para comparação fossem exatamente as mesmas daquela época. Mas a realidade atual não é a mesma, muitas condições mudaram.

O objetivo deste texto é discutir de uma forma qualitativa estes mitos para que cada técnico possa fazer as suas comparações quantitativas para as condições específicas do seu projeto e possa assim responder para um investidor qual seria a sua escolha.

Mito #1: “O difusor proporciona maior extração do que a moenda”

Os australianos costumam afirmar que conseguem altos níveis de capacidade e de extração com apenas quatro ternos de moenda. É verdade, mas os ternos são equipados com um rolo alimentador e dois rolos de pressão fazendo com que na prática cada terno tenha seis rolos. Desta maneira, quando queremos comparar um conjunto de moendas australianas com moendas de quatro rolos o parâmetro que adotamos é o processamento específico de fibra por volume instalado de rolos, ou seja, t fibra / m³ rolo / hora.

A África do Sul é sem dúvida o país com a maior experiência na operação de difusores. Como na prática o que ocorre é um processo de lixiviação (lavagem da cana preparada) o parâmetro adotado para comparar o desempenho de difusores é o processamento específico de fibra por superfície de tela perfurada para a percolação do caldo, ou seja, m² tela / t fibra / hora. Naturalmente para as moendas de desaguamento e de secagem do bagaço do difusor continua válida a comparação do parágrafo anterior.

Na África do Sul os difusores apresentam extração acima de 98% com uma capacidade instalada recomendada na faixa de 10 a 12 m²/tf.h, valores compatíveis com o volume de rolos das moendas que lá apresentam alta extração, já que operam com rotação bem mais baixa do que na Austrália e no Brasil.

No Brasil temos visto instalações de difusores com capacidade específica na faixa de 8 a 9 m²/tf.h, provavelmente para que o investimento seja compatível com moendas de capacidade similar, já que no Brasil as moendas processam muito mais t fibra / m³ rolo / hora do que na África do Sul. Talvez por esta razão não temos visto no Brasil difusores com extração acima de 98%, sendo que na prática a extração é similar à das moendas brasileiras. Importante mencionar que na África do Sul a cana processada tem menor percentagem de impurezas vegetais e minerais, ou seja, o difusor é mais sensível do que a moenda quando processando cana crua colhida mecanicamente com alto teor de impurezas.

Mito #2: “O difusor proporciona menor custo de manutenção”

Podemos dividir a usina em duas partes: a boca e o estômago. A boca é a composta pelos equipamentos para extração do caldo e pelas caldeiras. O estômago é composto pelos equipamentos para produção de açúcar e de etanol.

A maior parte das impurezas contidas na cana crua mecanizada fica retida no bagaço no caso do difusor ou fica retida no caldo no caso da moenda. As impurezas retidas no bagaço são enviadas para as caldeiras que por consequência tem o seu custo de operação (limpezas) e de manutenção maior do que quando queimam bagaço de moenda, incluindo o sistema de tratamento de água dos lavadores de gases. Desta maneira, a comparação correta deveria ser feita para toda a boca da usina, e não apenas para os equipamentos de extração. Admitindo que o sistema de preparação de cana seja similar, temos que comparar a manutenção do difusor e suas caldeiras com quatro ternos de moenda (já que dois são necessários para desaguamento e secagem do bagaço do difusor) e suas caldeiras. Em nossa opinião o prejuízo que as impurezas causam à usina é muito maior quando enviadas para as caldeiras do que quando enviadas para aquecedores de caldo e decantadores. Temos visto exemplos desta situação na prática.

Outro aspecto importante é que nos anos 80 e 90 havia uma diferença tecnológica enorme entre os difusores e as moendas daquela época. Os ternos de moendas eram fabricados com materiais inadequados que colapsavam frequentemente, apresentavam muitos vazamentos e alto consumo de lubrificantes. O acionamento era feito por turbinas a vapor e a transmissão por engrenagens abertas com luvas e palitos, sem falar nos rodetes. A confiabilidade era baixa e o custo de manutenção certamente mais elevado, inclusive porque naquela época a cana era mais limpa e assim o bagaço do difusor causava menos prejuízos às caldeiras.

Portanto o que era verdade no passado pode não ser hoje, é preciso conversar sobre custos de manutenção reais com quem opera os dois sistemas antes de uma conclusão definitiva.

Mito #3: “O difusor proporciona menor consumo de energia”

Como a cana tem cerca de 70% de água, a energia total consumida no seu processamento geralmente é dividida em 10 a 15% de energia mecânica (elétrica) e em 85 a 90% de energia térmica (calor).

Processamento de cana com difusor consome mais calor, pela maior necessidade de embebição, pela necessidade de manter a cana aquecida durante uma hora e pela  consequente maior dificuldade na regeneração de calor. Processamento de cana com moenda consome mais energia elétrica.

Se considerarmos apenas a possibilidade de exportar energia elétrica, como tem sido feito até hoje, os efeitos acima mais ou menos se compensam. Já fizemos inúmeros estudos que atestam este fato na prática, ou seja, com difusor ou com moenda exportamos praticamente a mesma energia elétrica (kW.h/tc).

Mas é importante lembrar que no futuro calor deverá valer mais do que energia elétrica, já que vai haver a tendência de implantarmos exclusivamente sistemas de cogeração sem utilização de turbinas de condensação. Estas possibilidades valem, por exemplo, quando anexarmos uma planta de etanol de milho ou uma planta de etanol 2G a uma planta de processamento de cana. Nestes casos, com moenda sempre haverá possibilidade de gerar mais vapor de processo excedente para outros processos ou gerar mais bagaço excedente para produção de etanol 2G.

Mito #4: “O difusor proporciona menor necessidade de tratamento de caldo”

No caso de produção exclusiva de etanol o difusor sem dúvida vai necessitar de menos decantação e de menos filtração, já que grande parte das impurezas fica retida no bagaço. Há técnicos que advogam a eliminação da filtração e em alguns casos inclusive da decantação. Na nossa experiência temos visto que esta prática resulta em maior frequência na limpeza da evaporação e em baixa eficiência de separação nas centrífugas de leite de levedura, as quais são afetadas pelas impurezas que acabam chegando até elas.

Mas tanto para a produção de etanol como de açúcar o difusor vai necessitar de mais capacidade de evaporação, decorrente da maior necessidade de embebição. É preciso comparar os dois efeitos opostos.

Para a produção de açúcar, outro aspecto importante é que xarope produzido com difusor apresenta cor cerca de duas vezes maior  do que xarope produzido com moenda. Portanto para produzir açúcar branco direto de baixa cor serão necessários mais equipamentos como flotadores, centrífugas para duplo processamento de magma, diluidores de magma, etc., acarretando maior consumo de produtos químicos e de vapor de processo.

Deixando agora os mitos de lado, é importante mencionar uma outra situação típica em projetos greenfield, e que facilitou a nossa escolha neste caso específico, que é a rampa de implantação do canavial (de 3 a 4 anos) e a incerteza sobre o potencial agronômico final da região pioneira onde a usina será implantada. Nestes casos é muito vantajosa a solução tipicamente brasileira de começar com quatro ternos com baixa rotação e alta embebição (já que a caldeira está folgada nas primeiras safras), obtendo uma boa extração e garantindo uma inigualável flexibilidade. Embora seja uma vantagem de certa maneira intangível, esta flexibilidade é fundamental, permitindo instalar ternos adicionais à medida que o canavial cresce e com bitolas adequadas para o efetivo potencial agronômico da região.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br