Ciclos de Cogeração
O que é cogeração? Até onde sabemos, não existe uma definição técnica oficial para a palavra cogeração.
Procurado na literatura encontramos “Produção simultânea de energia elétrica ou mecânica e de energia térmica (desde que utilizável) num sistema simples de conversão de energia”.
Poderia ser também “Produção combinada de potência – elétrica e/ou mecânica – e de calor, úteis, a partir de uma única fonte primária”.
Em inglês o povo chama plantas deste tipo de “CHP”, que são as iniciais de “combined heat and power”.
Vemos, em todos os casos, que a cogeração implica necessariamente em usarmos, a partir de uma única fonte primária, energia mecânica e energia térmica. A energia mecânica pode ser representada por um eixo girando, e a energia térmica pode ser representada pela produção de calor ou de frio.
Existem nas aplicações industriais diversos ciclos diferentes usados em plantas de cogeração.
O ciclo a vapor é nosso velho conhecido. Geramos vapor a alta pressão a partir de um combustível (bagaço e palha no nosso caso), vapor este que aciona uma turbina produzindo energia mecânica, e utilizamos o vapor de escape da turbina como fonte de calor para o processo.
O ciclo a gás utiliza, por exemplo, gás natural para acionar uma turbina do tipo aeronáutica, produzindo energia mecânica. Os gases de combustão, ainda muito quentes, são enviados para uma caldeira de recuperação de calor, que produz vapor a baixa pressão para o processo.
O ciclo combinado é uma variante otimizada dos ciclos anteriores. Os gases de combustão da turbina a gás são usados para gerar vapor de pressão mais elevada, o qual é enviado para uma turbina de contrapressão, e temos assim um ciclo a vapor na seqüência do primeiro ciclo. Estamos assim “combinando” dois ciclos de cogeração, que poderiam ser usados individualmente.
O ciclo a diesel usa, por exemplo, óleo diesel em um motor de combustão interna, produzindo energia mecânica, e os gases de combustão podem ser enviados para uma caldeira de recuperação ou para um chiller por absorção.
A escolha do ciclo mais adequado é basicamente função da relação entre a energia mecânica (M) e a energia térmica (T) requeridas na planta.
O ciclo a diesel é mais indicado quando esta relação M/T está entre 0,80 e 2,40. O ciclo combinado entre 0,60 e 1,50. O ciclo a gás entre 0,30 e 0,80. O ciclo de condensação, que utiliza turbinas a vapor de condensação em conjunto com turbinas a vapor de contrapressão, é indicado para a relação M/T entre 0,4 e 1,5.
O ciclo a vapor é recomendado quando esta relação M/T está entre 0,10 e 0,30, ou seja, quando usamos na planta muito mais energia térmica do que energia mecânica. Este é justamente o caso das usinas que processam cana de açúcar.
Para a preparação da cana e a extração do caldo usamos aproximadamente 15 kW.h/tc. Nos demais acionamentos (bombas, transportadores, compressores, exaustores, etc.) um valor similar, chegando assim a um total 30 kW.h/tc.
Admitindo um consumo de vapor no processo de 45% (450 kg/tc) temos um calor de condensação de aproximadamente 243 Mcal/tc, que corresponde a 282 kW.h/tc. Temos assim uma relação M/T de 0,11 aproximadamente, a qual é a ideal para o ciclo a vapor.
Ocorre que o bagaço produzido pela cana, sem levar em conta a palha, consegue produzir aproximadamente 55% de vapor sobre a cana, e assim teríamos 10% de vapor sendo usado em turbina de condensação.
O ciclo de condensação pura, a rigor, não pode ser considerado como um ciclo de cogeração, pois aproveitamos apenas a energia mecânica e a energia térmica é totalmente dissipada nas torres de resfriamento. A eficiência deste ciclo anda ao redor de 30%, chegando no máximo a 35%. Cerca de 70% da energia contida na fonte primária não é aproveitada. Ao contrário, gastamos muita energia mecânica em bombas e em torres de resfriamento, que é parte da assim chamada “energia parasita”.
Desta maneira, do ponto de vista do aproveitamento global da energia, pode valer a pena gastar mais energia térmica na planta para reduzirmos o volume de vinhaça, por exemplo. Pode ser que a energia elétrica gerada a menos na usina seja compensada de sobra nos sistemas de distribuição de vinhaça. Se uma grande parte da vinhaça está sendo distribuída por maio de caminhões, a energia correspondente ao óleo diesel utilizado tem que ser levada em conta.
Uma discussão interessante que vemos frequentemente é a comparação do aumento de geração de energia em uma turbina de condensação quando comparada com uma turbina de contrapressão. Para vapor na faixa de 65 bar, os consumos são de aproximadamente 3,8 kg/kW.h e 5,6 kg/kW.h nas turbinas, respectivamente. Portanto, a turbina de contrapressão gera 30% menos energia. Ocorre que a turbina de contrapressão devolve para a caldeira condensados com temperatura de 125º C aproximadamente, mas a turbina de condensação produz condensados a 50º C mais ou menos. A energia necessária para aquecer este condensado mais frio nem sempre é contabilizada, mas trata-se de um valor considerável.
Durante a safra, é possível estudar esquemas para aquecer este condensado desde 50º C até 105 ºC usando vapores vegetais (V3, V2 e V1). Basta projetar a evaporação considerando as respectivas sangrias, e assim teremos o melhor aproveitamento energético possível. Trocas de calor com outras fontes, como condensados e vinhaça, também podem ser consideradas.
Durante a entressafra, não há vapor vegetal disponível (a menos que a planta esteja por exemplo refinando açúcar ou desidratando etanol), e neste caso este condensado deve ser aquecido por meio de tomadas de vapor (que não deixam de ser também “sangrias”) da própria turbina de condensação. Desta maneira, a turbina de condensação prevista para trabalhar na entressafra deve ser especificada com estas tomadas, conforme já discutimos neste espaço anteriormente.
Procuramos com este texto despertar o interesse em outros ciclos de cogeração porque é bem possível que, no futuro, a nossa indústria caminhe para ciclos diferentes do nosso tradicional ciclo a vapor.
A utilização da palha de forma mais intensiva está cada vez mais próxima, e palha não tem caldo, infelizmente. Não necessita de energia térmica para ser utilizada, e assim estamos usando a mesma em um ciclo de condensação pura que, como vimos, é de baixíssima eficiência. Quando estiver disponível para uso comercial a tecnologia para a gaseificação da biomassa, o bagaço excedente e a palha poderão ser utilizados em ciclos combinados, com turbinas a gás.
A utilização de gás metano proveniente da digestão anaeróbica da vinhaça, desde que se queira maximizar a produção de energia elétrica, poderá ser feita com motores de combustão interna, típicos do ciclo a diesel. Os gases de combustão poderão ser usados para produzir, por exemplo, água gelada para o resfriamento da própria fermentação.
Portanto, é preciso estar atentos às diferentes configurações de CHP’s existentes em outros ramos da indústria, pois se a tecnologia estiver disponível para os nossos combustíveis e se o governo tomar as devidas providências para conectar a gente na rede de distribuição, o nosso setor será sem dúvida um fator ainda mais importante na matriz energética do país.