A Fábrica de Água
Ouvi pela primeira vez esta expressão quando, recém formado, ingressei no Grupo Atalla. Como logo nos primeiros dias já tinham me mandado pegar amostra de caldo no picador de cana, pensei que fosse outra brincadeira. Mas neste caso era para valer, os engenheiros estavam discutindo a recuperação de condensado de boa qualidade e a baixo custo.
Naquela época, 1974, estava sendo planejada a instalação das primeiras caldeiras com pressão de 64 bar da indústria açucareira no Brasil. E a garantia de suprimento de condensado de qualidade adequada para estas caldeiras era um dos objetivos do projeto.
Hoje em dia várias caldeiras de 42 bar já estão em operação ou em montagem, e várias caldeiras de 64 bar estão também em fase de implantação. Cada projeto tem sua particularidade, mas em geral vai haver geração simultânea de vapor a pressão de 21 bar e a pressões mais elevadas.
É muito difícil recuperar de forma separada o condensado de vapor de escape que vem das caldeiras novas e das caldeiras já existentes. Nas tubulações todo o vapor de escape se mistura, e portanto o ideal seria termos uma única qualidade de condensado que pudesse atender a todas as caldeiras. Entretanto, as exigências de qualidade, e portanto o custo correspondente, variam muito com a pressão das caldeiras.
Por outro lado, dependendo da proporção de produção de álcool da usina, ainda se usa vapor de escape para o aquecimento de colunas de destilação e, em alguns casos, até para outros fins. Pode existir ainda uma parcela razoável de vapor de escape que se mistura ao vapor vegetal V1 através de estações redutoras, para adequar eventuais desbalanceamentos no processo.
Devemos ter em mente que o condensado mais caro é aquele que se perde, seja por expansão (flash), seja por aquecimento em borbotagem nas colunas de destilação, seja por válvulas redutoras de vapor. Para evitar estas perdas, temos que procurar dispor de fontes frias para condensar 100% de vapor de escape e retorná-lo sem perdas ao desaerador.
Sem dúvida a melhor fonte fria que existe é a energia necessária para a evaporação do caldo decantado. Quando porém parte do caldo misto ou o caldo filtrado são enviados diretamente para a fermentação, pode faltar parte desta fonte fria. Nestas condições é interessante a implantação da fábrica de água (na verdade, fábrica de condensado), que consiste em criar uma fonte fria artificial pela evaporação de água. Ou seja, um evaporador que condensa vapor de escape e produz vapor V1 para aquecimentos diversos a partir de água filtrada ou de condensado de vapor vegetal.
Temos visto ultimamente que os preços de sistemas para produção de água desmineralizada com capacidade na faixa de 75 t/h estão na faixa de R$ 350.000,00 a R$ 500.000,00, dependendo das características da água bruta e das condições de automação do sistema.
Um evaporador para produzir esta quantidade de condensado está com preço na faixa de R$ 400.000,00. É verdade que o custo de implantação do evaporador é comparativamente mais elevado, mas o custo operacional do sistema de desmineralização é maior, e este custo operacional fica para sempre.
A recuperação quase que completa do condensado de escape, com a fábrica de água, exige alguns cuidados especiais.
Os pré evaporadores que condensam o vapor de escape devem ter sistema de purgador eletrônico, para evitar perdas por flash. Mas devem ter também um sistema de purgador convencional em paralelo para operar nas partidas e paradas do equipamento, quando o risco de contaminação poderia ser maior devido à pressão do caldo poder ser maior do que a pressão do vapor de escape. Por esta mesma razão, não se pode usar vapor de escape em nenhum tipo de aquecimento do processo.
Para se usar vapor V1 na destilação, é necessário adequar as válvulas de controle de vapor e os respectivos borbotores das colunas para as novas condições de vapor. É preciso adequar também a capacidade dos refervedores das colunas de desidratação, para poder operar com vapor a temperatura mais baixa sem perder produção de álcool anidro.
Para se evitar que as flutuações de pressão do vapor V1, ocasionadas pela operação intermitente dos tachos em bateladas, provoquem problemas e perdas nos sistemas de destilação, é preciso separar a tubulação de vapor de aquecimento dos tachos. Nesta tubulação separada é preciso instalar uma válvula de controle que garanta a pressão do vapor V1 a montante desta válvula, mesmo que o operador do tacho abra muitas válvulas de uma só vez. Na prática, esta válvula funciona como se fosse uma válvula de alívio de pressão. Se, com a operação desta válvula a produção de açúcar diminuir, não tem outro jeito: é preciso aumentar a capacidade do setor de cozimento com mais tachos ou com circuladores mecânicos nos existentes.
O evaporador da fábrica de água deve ser calculado com folga, para que no dia a dia se possa praticamente eliminar a abertura da válvula redutora de vapor de escape para vapor V1. É melhor ter excesso de produção de V1 e jogar para atmosfera eventualmente este vapor do que perder o condensado do vapor de escape que se misturaria ao V1.
Deve ser naturalmente estudado algum aproveitamento de calor para aquecer a água filtrada a ser evaporada, da mesma maneira que se faria para pré aquecer a água desmineralizada.
Com estas providências será possível instalar uma estação de desmineralização de muito menor capacidade, e cujo custo operacional será baixo. A esta estação deve estar acoplado um tanque pulmão com capacidade de 2 a 3 h de produção de vapor para partidas e paradas da usina. Lembrar que a fábrica de água também será muito útil nas partidas e paradas da usina, quando não há caldo disponível, produzindo bom condensado logo no início da operação.
De qualquer maneira os evaporadores da fábrica de água devem estar previstos para operar com caldo, caso no futuro aumente a produção de açúcar e todo o caldo, mais o caldo filtrado, passe a ser enviado para a evaporação.
Vale a pena fazer um estudo detalhado em cada projeto, para verificar a viabilidade técnica e econômica da fábrica de água.