Superfície X Volume
Estivemos recentemente participando de um levantamento dos equipamentos existentes em uma usina, e o engenheiro responsável informou que eles tinham um decantador “semi-rápido”. Trata-se de uma denominação sem um significado técnico preciso, mais ou menos como dizer que uma mulher estaria “semi-grávida”.
Não sabemos exatamente porque, mas infelizmente o decantador sem bandejas (trayless clarifier em Inglês) quando foi introduzido no Brasil recebeu a denominação em Português de “decantador rápido”.
Assim, se o decantador sem bandejas é “rápido”, o decantador convencional com bandejas ficou “lento” e qualquer projeto intermediário pode ser “semi-rápido” (ou “semi-lento”, depende da perspectiva).
Ou seja, trata-se de descrições genéricas para efeito de marketing que não definem claramente as características e a capacidade do equipamento em questão.
Mas o técnico que conhece sistemas de decantação não liga para estas denominações, vai direto ao parâmetro que realmente importa para a operação eficiente do equipamento: a Taxa de Decantação (TD).
As operações unitárias para a produção de água filtrada na estação de tratamento de água (ETA) são similares às operações para a produção de caldo de cana clarificado.
Na ETA temos os floculadores que recebem a água bruta e os produtos químicos adequados, para a formação dos flóculos mais encorpados na medida do possível. Em seguida temos os decantadores, que podem apresentar várias formas construtivas, mas que geralmente são equipamentos sem bandejas intermediárias no percurso de sedimentação dos flóculos. E finalmente temos os filtros, geralmente de leito de areia, que tem a finalidade de remover o material sobrenadante (flóculos que eventualmente não sedimentaram).
Embora sejam sistemas similares, existe uma grande diferença na maneira como os técnicos de cada setor definem a capacidade dos decantadores. Os técnicos do setor canavieiro usam o tempo de residência (TR). Os técnicos do setor de tratamento de água usam a TD.
A TD é expressa em m3/m2.h, ou seja, o volume de líquido aplicado por unidade de superfície disponível para a sedimentação dos flóculos. O TR desta maneira vai estar associado à altura disponível para a sedimentação. Taxas de decantação típicas em ETA estão na faixa 4,0 m3/m2.h, dependendo das características da água bruta que se deseja tratar.
Na ETA o tempo de residência não é um fator importante do ponto de vista de deterioração do produto. Mas tempo de residência maior significa equipamento maior e custos mais elevados. Assim, os decantadores de ETA são projetados com a mínima altura necessária para garantir a perfeita separação dos flóculos. No caso do caldo de cana o TR é um fator relevante porque queremos evitar a inversão da sacarose, e quanto menor este tempo melhor, desde que a clarificação esteja adequada.
Os decantadores sem bandejas para caldo de cana, cuja concepção de projeto se assemelha muito à dos decantadores de ETA, permitem a operação sem os fluxos cruzados dos decantadores convencionais com várias bandejas, pois são projetados com a premissa de se obter sempre fluxo o mais “vertical” possível.
Porém, até pela sua semelhança com os decantadores de ETA, os decantadores sem bandejas para caldo devem ser avaliados em primeiro lugar pela sua TD, e em segundo lugar pelo seu TR.
Em resumo, Superfície (TD) é mais importante que Volume (TR)!!
Para projetar decantadores sem bandeja temos usado TD máxima de 3,0 m3/m2.h, valor menor do aquele adotado na ETA, mas que faz sentido em função da maior densidade do caldo quando comparada com a densidade da água. Em seguida o TR requerido pelo cliente pode ser ajustado variando-se a altura do decantador. Podemos ter TR desde 40 min até 1,5 h, dependendo do processo (açúcar VHP, açúcar cristal, etanol, etc.).
Portanto, um bom projeto de decantador sem bandejas é aquele que oferece a menor TD e o menor peso para um dado TR, com fluxos do caldo eminentemente verticais e sem “pontos mortos” quando analisados com o auxilio de softwares dedicados (CFD).
Definido o melhor projeto de decantador nunca é demais lembrar que a parte mais importante da operação de clarificação ocorre na verdade fora do decantador. Trata-se da floculação. Sem uma boa floculação não há separação eficaz, pois não há diferença significativa de densidade entre os flóculos e o meio, tão necessária como nos ensina a Lei de Stokes.
Para se obter uma floculação adequada é indispensável ter temperatura e pH corretos e constantes e dosagem adequada de floculantes. A temperatura constante na faixa de 105 C a 108 C é indispensável para se obter uma correta remoção do ar no tanque de flash. O pH constante na faixa de 6,8 a 7,2 também é indispensável, para garantir que os fenômenos físico-químicos associados ao processo de floculação ocorram de forma estável e adequada. Já a adição controlada de floculante deve ser feita preferencialmente por meio de bomba dosadora com rotação variável através de conversor de frequência. Cuidado especial deve ser tomado na preparação do floculante, usando-se água de boa qualidade e tempo suficiente para diluição, sem agitação excessiva.
Após a adição de floculante é necessário dispor de uma câmara de floculação, onde se faz a homogeneização da mistura entre o caldo e a solução de floculante. Esta homogeneização deve ser feita de forma suave, sem entrada de ar e sem agitação intensa que poderia causar dispersão dos flóculos já formados.
O uso de decantadores sem bandejas para caldo já está consolidado. Resta consolidar uma solução para o material sobrenadante, já que por razões óbvias (contaminação) não podemos adotar a solução da ETA, os filtros de areia.
As possibilidades são a peneira estática, a peneira rotativa e o turbo filtro. A peneira estática tem baixo custo de instalação, mas insuperáveis problemas de limpeza adequada. A peneira rotativa tem sido uma solução razoável, desde que o tambor já seja construído em tela inox com a abertura desejada. O turbo filtro é sem dúvida a solução mais adequada do ponto de vista técnico.