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Contratação de Potência Elétrica - Edital LRCAP 2025 STAB - Jan/Fev/Mar 2025

Recentemente temos tido no Sistema Elétrico Brasileiro (SEB) um grande aumento das fontes de energia renovável intermitente, a eólica e a fotovoltaica (FV). A FV inclusive apresentando aumento muito representativo, com a China desovando estoques imensos de placas a um custo muito baixo.

A geração com fonte intermitente instalada com mínimo custo, ou seja, sem os sistemas de armazenamento que são indispensáveis para se modular a entrega de energia ao longo do dia, pode e tem causado sérios riscos na confiabilidade no Sistema Interligado Nacional (SIN). Para poder garantir a confiabilidade do SIN, o Operador Nacional do Sistema (ONS) tem reduzido o despacho das fontes intermitentes, procedimento que está sendo conhecido como “curtailment”, o qual inclusive provocou uma série de demandas judiciais da parte dos geradores de energia eólica e FV.

A “rampa de geração” no final de cada dia que tem sido registrada na operação do ONS, quando a geração de energia solar diminui bruscamente (vide texto da Revista STAB da edição julho/agosto/setembro de 2024 - Descarbonização > Transição Energética), já tem atingido a faixa de 35 GW com as ondas de calor recentes.

Esta situação criada pelas fontes intermitentes levou à necessidade de contratação de potência elétrica para o SIN, através do Edital do Leilão 02/2025 da ANEEL - Licitação para Contratação de Potência Elétrica a partir das fontes Termelétrica e Hidrelétrica. As fontes termelétricas podem ser de biomassa ou de gás natural (GN).

No âmbito do Conselho Técnico Consultivo da COGEN temos tentado, há tempos, convencer os técnicos da EPE - Empresa de Pesquisa Energética de que a energia excedente proveniente da cana de açúcar tem por característica a sazonalidade.

Uma fonte sazonal é muito melhor do que fontes intermitentes, mas não pode ser considerada como uma fonte permanente, como é o caso do GN ou do cavaco de madeira. A utilização mais eficiente e mais eficaz do bagaço de cana vai sempre ocorrer durante o período de safra, de abril até novembro no CS e de agosto até março no NE (vide texto da Revista STAB da edição julho/agosto/setembro de 2022 - Natureza das Fontes de Energia Renovável - Serviços Ancilares).

Esta batalha infelizmente perdemos, o Edital do LRCAP 2025 indica que a potência fornecida a partir de biomassas deverá ter fornecimento garantido durante onze meses do ano, podendo ser programado um mês para os serviços de manutenção regulamentares.

Sempre insistimos também com a EPE que apenas uma parcela do bagaço usado para exportação de energia elétrica deveria ter CVU (Custo Variável Unitário, expresso em R$/MWh) igual a zero, ou seja, a parcela do bagaço que gera vapor motriz usado em turbinas com ciclos de contrapressão e, portanto, em sistemas de cogeração. Como na usina a demanda de energia térmica para o processamento da cana é muito maior do que a demanda de energia mecânica e/ou elétrica, esta parcela do bagaço usada em cogeração deve ser utilizada de forma mandatória para poder atender às demandas do processo. Portanto é coerente termos CVU igual a zero para o bagaço usado em sistemas de cogeração.

Mas nas usinas existe uma parcela considerável de bagaço excedente, geralmente na faixa de 25% do total, já que a cana é superavitária em relação à energia necessária para o seu processamento (vide texto da Revista STAB da edição outubro/novembro/dezembro de 2024 - Perspectivas da Bioenergia no Brasil - Máxima Cogeração nas Usinas de Cana).

A parcela do bagaço excedente, que é usado em ciclos de geração pura com turbinas de condensação, não deveria ter CVU igual a zero, pois para a sua utilização são demandados mais investimentos em sistemas e equipamentos sofisticados, bem como existem custos adicionais diversos relativos ao manuseio, à estocagem e à inevitável degradação do PCI do bagaço quando armazenado.

Esta batalha felizmente ganhamos, pois como o Edital do LRCAP 2025 exige o despacho de potência firme durante onze meses do ano, os participantes do leilão vão poder participar com um valor de CVU adequado para o bagaço de cana e para outros tipos de biomassa, como o cavaco de madeira por exemplo.

O eventual fornecimento de potência elétrica, durante os oito meses da safra, não deverá naturalmente afetar o ritmo de processamento de cana. Desta maneira, uma folga de capacidade das caldeiras na faixa de 20% a 25% será necessária. E estas caldeiras deverão estar dimensionadas para entregar vapor motriz com temperatura adequada mesmo operando capacidade muito abaixo do MCR (Maximum Continuous Rating).

Os turbo geradores (TG’s) mais indicados serão aqueles com turbinas a vapor de condensação equipados com extração controlada de vapor de processo com grande faixa de capacidade, para poder operar com mínima condensação na faixa de 10%-15% nos períodos em que a usina não estiver despachada, mesmo processando cana na sua máxima capacidade.

O TG de condensação deverá estar sempre na condição “quente” para poder entregar potência no mínimo intervalo de tempo quando a usina for despachada pelo ONS. Neste mesmo pequeno intervalo de tempo, combustível adicional para as caldeiras deverá ser fornecido para garantir o aumento necessário de produção de vapor motriz, visando não causar distúrbios na capacidade do sistema de processamento da cana.

Durante a safrinha e a entressafra o desafio será a operação da caldeira de forma estável mesmo com baixo MCR, já que normalmente as usinas não dispõem de caldeiras com baixa capacidade para operação exclusiva nestes períodos.

Durante estes períodos é provável que a temperatura do vapor motriz diminua, provocando um aumento no consumo específico de vapor para a geração de energia elétrica. Por outro lado, caldeiras de grande capacidade operando com baixa carga provocam o aumento da energia parasita para a exportação da potência firme.

Todos estes aspectos, incluindo manuseio, estocagem e degradação do combustível, além de vários outros, deverão ser levados em conta durante a determinação do valor do CVU para participação do Leilão de Potência.

Antes de finalizarmos, importante lembrar que as usinas que estiverem próximas de gasodutos poderiam também avaliar um CVU usando GN. Os gases de combustão da turbina a gás em ciclo aberto, basicamente uma turbina de avião estacionária que rapidamente entra em carga, durante a safra poderiam ser usados para entregar energia térmica para o processo ou para a secagem de biomassa.

Do ponto de vista de máximas eficiência e eficácia o ideal teria sido convencermos os técnicos da EPE de que a cana deve fornecer potência para o SIN apenas durante a safra, durante o período seco.

Não conseguimos. Mas o LRCAP 2025 é o que temos para hoje. Vamos então calcular o nosso CVU esperando que seja competitivo e rentável.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br