Aproveitamento de Calor na Clarificação
Quando chegamos a uma usina e queremos avaliar, rapidamente apenas por intuição, se a operação está estável e adequada, existem indícios típicos que podem nos ajudar.
Um dos indícios é o “ruído” da operação. Usinas com aquele ruído baixo e constante, sem sons de válvulas de vapor se abrindo repentinamente, por exemplo, devem muito provavelmente estar com operação estável.
Outro indício muito relevante é o vapor do balão de flash dos clarificadores. Usinas com um flash vigoroso na clarificação muito provavelmente estão operando com um balanço energético bem ajustado. Usinas com um flash fraco ou, mais grave, sem flash, estão operando de forma inadequada.
Temos assim uma situação interessante: quanto melhor for o flash melhor será a clarificação e mais ajustado estará o balanço de vapor. Mas por outro lado, quanto maior o flash maior será o calor perdido para a atmosfera. Como poderíamos aproveitar este calor?
Para avaliarmos um sistema de troca de calor começamos pela avaliação da fonte quente e da fonte fria. Vamos considerar naturalmente uma usina que esteja sendo preparada para máxima venda de energia elétrica, na qual um balanço energético adequado é indispensável.
Começando pela fonte quente e admitindo que o caldo misto seja 110% da cana e que seja entregue no balão de flash com 105 C no mínimo, podemos estimar um flash de pelo menos 2% sobre a cana. Com caldo mais quente este valor poderia chegar a 3% sobre a cana. Podemos considerar um valor médio de 2,5% sobre a cana.
As fontes frias disponíveis são basicamente caldos (primário ou misto) e água que devem ser aquecidos no processo.
Vamos, em princípio, descartar qualquer tipo de caldo por dois motivos. O mais importante, a dificuldade de proporcionar esquemas eficazes de limpeza, no lado caldo, que seriam indispensáveis neste tipo de equipamentos. Por outro lado, os esquemas de aquecimento de caldo estão muito bem consolidados nas usinas, e não nos parece razoável alterá-los.
Procurando por água limpa e fria, encontramos a água desmineralizada para reposição na alimentação da caldeira, que tem temperatura entre 25 C e 30 C, e encontramos o condensado da turbina de condensação, que tem temperatura entre 45 C e 50 C.
Caldeiras de alta pressão trabalham com purga na faixa de 3% a 5% e as perdas de condensado de vapor de escape são normalmente estimadas entre 2% e 3%. Podemos admitir assim uma reposição de água de caldeira na faixa de 6% sobre o vapor produzido.
Usinas com sistemas de co-geração de energia elétrica geram tipicamente 54% de vapor de alta pressão sobre a cana e tem processos projetados para consumir cerca de 40% de vapor de escape sobre a cana. Portanto, a turbina de condensação entrega aproximadamente 14% de condensado sobre a cana.
Para cada grau Celsius de elevação de temperatura das fontes frias acima precisamos condensar cerca de 0,2% de vapor de flash (cálculo aproximado, o balanço de entalpia deve ser feito para cada caso em função da temperatura final da fonte quente).
Podemos então comparar a fonte quente e as fontes frias, sempre em % sobre cana.
A fonte quente produz mais ou menos 2,5% de vapor de flash sobre a cana.
A fonte fria representada pela água de reposição, para ter sua temperatura elevada desde 30 C até 105 C (temperatura de operação mínima no desaerador) vai necessitar para cada 100 kg de cana processada de aproximadamente:
54 x 0,06 x (105 – 30) x 0,002 = 0,49 kg de vapor de flash ou 0,5% sobre a cana.
A fonte fria representada pelo condensado da turbina de condensação, para ter a sua temperatura elevada desde 50 C até 105 C vai necessitar para cada 100 kg de cana processada de aproximadamente:
14 x (105 – 50) x 0,002 = 1,54 kg de vapor de flash ou 1,5% sobre a cana.
Verificamos assim que o calor perdido no flash dos clarificadores coincide mais ou menos com o calor necessário para aquecermos a água de reposição das caldeiras e o condensado da turbina de condensação.
É uma boa noticia, pois trata-se de fontes frias limpas que não exigem limpezas periódicas. Por outro lado, não necessitamos de equipamentos de reserva, pois no caso de limpeza no lado do vapor de flash do trocador de calor, podemos perfeitamente operar durante pequenos períodos de tempo sem o aproveitamento do calor.
Do ponto de vista de arranjo físico da instalação não existem problemas de difícil solução, pois o trocador de calor pode ficar próximo ao sistema de clarificação e as tubulações da fonte fria podem ser instaladas sem grandes dificuldades. Isto porque tais tubulações terão diâmetro relativamente pequeno e não terão quesitos específicos das tubulações de processo como, por exemplo, necessidade de trechos curtos e de inexistência de pontos mortos.
Os trocadores de calor para receber o vapor de flash podem ser do tipo casco/tubo ou do tipo a placas. Para trocadores tipo casco/tubo é recomendável que o vapor circule por dentro dos tubos para facilitar limpezas. O vapor de flash não deixa de ser um vapor vegetal, podendo assim conter arrastes que vão provocar necessidade de limpezas periódicas. Para tocadores a placas devem ser previstos sistemas de limpeza CIP para permitir limpeza sem abertura do equipamento.
Para ambos os tipos de trocador devem ser tomados cuidados especiais no sentido de garantir a remoção do ar contido no vapor de flash, já que a remoção do ar é um dos requisitos para se garantir boa clarificação. A quantidade de ar a ser removida pode ser estimada, por exemplo, em função da capacidade de absorção de ar pelo caldo à temperatura ambiente.
Cuidados especiais também devem ser tomados com relação ao balão de flash, que deixa de ser um tanque atmosférico e passa a ser considerado como um vaso de pressão, pois pode na prática haver restrição para a saída do vapor de flash. Devem ser instaladas válvulas de alívio e de segurança, bem como sistemas automáticos para detectar a eventual falta de fontes frias para condensar o vapor de flash. Para usinas que possuem um grande número de clarificadores, o ideal é instalar apenas um tanque de flash para atender a todos os clarificadores, esquema que já existe em algumas usinas.
E como subproduto do aproveitamento deste calor, teremos cerca de 2,5% de condensado sobre a cana. Este condensado pode, por exemplo, ser usado como água de embebição, melhorando assim o balanço hídrico da usina.
Por último, mas não menos importante, um esquema similar pode ser usado para se recuperar o calor do vapor de flash do desaerador da caldeira. Basta instalar um trocador pelo qual pode passar a água demineralizada fria de reposição da caldeira antes da mesma entrar na cabeça do desaerador. Além do ganho térmico, o condensado resultante será água tratada para a caldeira.
CRISTIANA
Escrevendo este texto recebi a notícia da morte prematura da engenheira Cristiana Crepaldi Santos. A Cristiana me ajudou a escrever o texto “A temperatura do vapor” (edição de Maio/Junho de 2006), quando procuramos mostrar que não mais valia apenas manter a temperatura do vapor motriz em 480 C. Fica aqui a nossa homenagem a ela, cuja garra deixa saudades.