Regeneração de Calor: Aquecimento X Secagem
Cada vez mais a humanidade necessita buscar a máxima eficiência energética para garantir a sustentabilidade do nosso planeta. O mesmo princípio vale para o setor agroindustrial no qual atuamos.
A eficiência dos ciclos termodinâmicos que utilizamos nos processos das usinas depende fundamentalmente da máxima conversão específica do combustível em vapor e do mínimo consumo de vapor de processo por tonelada de cana processada.
Considerando que já estejam otimizados os consumos específicos em cada operação unitária (por exemplo, o consumo de vapor na destilação), existem basicamente dois truques para reduzirmos o consumo de vapor de processo. O primeiro é utilizar o máximo possível de sangria de vapor vegetal da evaporação. O segundo é maximizar a recuperação de calor, ou seja, evitar perdas de energia para a atmosfera que ocorrem através de torres de resfriamento, de flash de vapor e de efluentes aquecidos, líquidos e gasosos.
A recuperação desta energia que está sendo perdida é a operação unitária que usualmente denominamos de regeneração de calor, a qual sempre depende da existência de fontes quentes e de fontes frias.
A quantidade de energia disponível nas fontes quentes e frias e a temperatura destas fontes determinam se o processo de regeneração de calor estudado poderá ser técnica e economicamente exequível. Quanto mais alta for a temperatura da fonte quente e mais baixa for a temperatura da fonte fria, mais barata e viável poderá ser a instalação de processo de regeneração de calor.
As fontes quentes disponíveis com temperatura acima de 80ºC podem ser caldo quente para a fermentação, flash de vapor vegetal, condensados de vapor vegetal, vinhaça, flegmaça e água quente do lavador de gases.
As fontes frias disponíveis com temperatura baixa podem ser caldo misto, água tratada para caldeira e ar para combustão e para secagem de açúcar.
De uma forma geral, nas usinas de cana temos mais energia recuperável nas fontes quentes do que a energia requerida pelas fontes frias, respeitando as diferenças de temperatura para a troca de calor.
Tomando como exemplo simplificado uma destilaria autônoma processando 500 t/h de cana, para aquecer 525 t/h de caldo misto de 35ºC até 75ºC necessitamos de aproximadamente 80 MJ/h.
Se quisermos utilizar tubulações de plástico mais baratas para distribuir 425 t/h de vinhaça, precisamos reduzir a sua temperatura de 90ºC até 50ºC, necessitando assim “perder” aproximadamente 70 MJ/h, quase 90% da energia necessária para aquecer o caldo misto.
Mas ainda fica sobrando muito calor no caldo tratado a ser resfriado e nos condensados de vapor vegetal. E se a extração de caldo for por meio de difusor a situação fica ainda mais complicada, pois o caldo misto já deixa o equipamento com temperatura 75ºC.
Quando existe produção de açúcar a comparação muda um pouco, há menos caldo a ser resfriado e mais condensado de vapor vegetal. Mas a situação costuma ser sempre a mesma, muitas fontes quentes, poucas fontes frias.
Desta maneira se queremos aumentar a eficiência energética será indispensável procurar no processo por o que chamamos de “caixas de gelo”, fontes frias que poderiam aproveitar o calor sobrante com aumento da eficiência energética global do processo agroindustrial.
A nossa procura por caixas de gelo nos leva, pelo menos, a duas possibilidades.
A primeira possibilidade busca por redução do consumo de vapor de processo, procurando operar a fermentação com temperatura efetivamente controlada e eventualmente em níveis abaixo dos valores praticados atualmente. Para atingir este objetivo necessitamos produzir água gelada por meio de chillers, cuja energia primária pode ser térmica ou elétrica, ou até uma combinação das duas. Esta caixa de gelo nós já discutimos com mais detalhes na edição da Revista STAB de Julho/Agosto de 2015, lembrando que neste caso a redução de volume de vinhaça permite reduzir o consumo de energia no setor agrícola.
A segunda possibilidade busca por maior conversão específica do combustível em vapor, procurando operar com umidade mais baixa no bagaço, já que o nosso combustível tem normalmente 50% de água.
Este tipo de caixa de gelo é representada por secadores de biomassa que utilizam energia térmica residual com temperatura entre 80ºC e 90ºC, muito utilizados na agroindústria da Europa, onde a energia térmica costuma ser cara.
A capacidade de uma fonte quente qualquer para secar bagaço depende sempre da temperatura ambiente e da umidade relativa do ar, variando ao longo do dia e ao longo dos meses. No caso de processamento de cana no Brasil felizmente não precisamos operar justamente durante os meses de verão quando a umidade relativa é muito alta.
Tomando agora como exemplo um estudo elaborado para uma usina processando 875 t/h de cana com difusor e com uma sobra de 200 t/h de condensado vegetal a 90ºC, verificamos que seria possível evaporar até 13 t/h de água do bagaço. A umidade média do bagaço deixando o difusor poderia ser reduzida de 52,5% para 49,5%, o que ocasiona uma redução 6,0% da massa de combustível. Mas como o poder calorífico do combustível aumenta em 8,6%, a mesma moagem anual de cana proporciona a produção de 2,0% a mais de vapor motriz com alta pressão e alta temperatura, sem contar os ganhos de capacidade da caldeira que provavelmente ocorrerão com a mesma queimando combustível mais seco. Neste caso em particular o aumento potencial de venda de energia elétrica foi estimado em 2,5 kWh/tc.
Ao contrário da primeira caixa de gelo mencionada acima, esta não traz vantagens para a redução de consumo de energia no setor agrícola, mas em compensação traz vantagens na geração de energia elétrica, pois o calor recuperado da fonte quente vai direto “na veia”, ou seja, melhora a primeira operação unitária fundamental que é a conversão de combustível em vapor motriz.
Chegamos então à questão proposta no título deste texto. Uma fonte quente disponível traz melhores resultados se for usada para aquecer correntes do processo ou para secar combustível? A resposta vai depender de cada condição específica, como responderia todo engenheiro.
Se estivermos limitados na capacidade de produção de vapor, o aquecimento de correntes do processo será mais recomendada, com a finalidade de reduzir o consumo de vapor de processo, o qual define a capacidade de moagem.
Se estivermos limitados na disponibilidade de combustível, a secagem de bagaço será mais recomendada, com a finalidade de garantir a capacidade de moagem e eventualmente aumentar o potencial de venda de energia elétrica.
Mas é importante lembrar que correntes de processo para serem aquecidas são limitadas, já baixar a umidade do bagaço para 45% a 48% é uma operação cuja fonte fria estaria garantida de antemão.
Naturalmente secar biomassa custa mais caro que aquecer correntes do processo, mas tudo é questão do retorno do investimento. Nem sempre as soluções mais baratas são as mais rentáveis.
Por outro lado, estudos conceituais específicos devem ser desenvolvidos, já que a produção relativa entre açúcar e etanol, bem como a capacidade e os contratos existentes de venda de energia elétrica, são fatores que pesam para um lado ou outro da escolha.