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Vinhaça: Concentração X Redução do Volume STAB - Jul/Ago 2015

Em abril passado o Sr. Eduardo Braga, Ministro do MME (Ministério de Minas e Energia), esteve no Senado Federal e apresentou de forma franca um gráfico oficial que mostra claramente um déficit crescente de combustíveis do Ciclo Otto previsto para os próximos oito anos. Foi a primeira vez que o governo reconheceu publicamente a existência de um buraco na oferta que, no curto prazo, só poderá ser resolvido com a importação de gasolina.

Esta conjuntura mostra que novos investimentos para produção de etanol combustível deverão ocorrer assim que terminar esta degradante crise política e econômica promovida por este mesmo governo.

Novos projetos para produção de etanol de cana certamente demandarão soluções de engenharia que utilizem o mínimo de água, que produzam o mínimo de vinhaça e que tenham adequada eficiência energética.

Nós desenvolvemos em anos recentes vários projetos para a implantação de concentradores de vinhaça que tipicamente utilizam vapor V1 e dispõem de 5 efeitos de evaporadores do tipo filme descendente.

O objetivo deste texto é fazer uma provocação. Em um novo projeto de destilaria autônoma não seria mais adequado procurarmos antes reduzir o volume de vinhaça para em seguida decidirmos se compensa implantar um sistema de concentração de vinhaça caso seja conveniente reduzir ainda mais o seu volume?

Para reduzirmos o volume de vinhaça é necessário operar com vinho centrifugado que tenha maior teor alcoólico. Por exemplo, passarmos de 9% a 10% para 15% a 16% v/v. Já existe comprovação prática de que é possível operar nesta faixa mais alta com xarope, mas desde que a temperatura na fermentação não ultrapasse 28 ºC. Com mel esgotado esta faixa se reduz para 13% a 14% v/v.

Vamos considerar como referência para comparações um caso base de projeto típico de destilaria autônoma de cana. Uma planta com moendas em média processando 350 t/h de cana e produzindo 720 m3/d de etanol hidratado. Caldo concentrado em um efeito para obter vinho com 9,5% v/v, destilaria atmosférica operando com consumo específico de 2,3 t/m³ de vapor V1 com borbotagem. O consumo de vapor de escape (VE) foi estimado em 36% (360 kg/tc) e o volume de vinhaça foi estimado em 10,5:1 (volume vinhaça/etanol), sendo a flegmaça separada para outros usos na planta.

Vamos agora comparar duas alternativas para reduzirmos o volume de vinhaça deste caso base.

A primeira alternativa é instalarmos um concentrador de vinhaça conforme mencionado acima para obtermos um volume de vinhaça de 6,6:1, ou seja, reduzir cerca de 1/3 do volume de vinhaça evaporando aproximadamente 130 t/h de água. Nesta condição o consumo de VE aumenta para 45% (450 kg/tc).

A segunda alternativa é instalarmos um concentrador de caldo com 3 efeitos para obter vinho com 15,5% v/v e desta maneira atingirmos o mesmo volume de vinhaça de 6,6:1. Nesta alternativa não instalamos o concentrador de vinhaça, mas em compensação temos que instalar um sistema de água gelada (chiller) para garantir a temperatura máxima de 28 ºC nos fermentadores.

A energia primária para produzirmos água gelada pode ser térmica (chiller por absorção) ou elétrica (chiller por compressão). Do ponto de vista energético o chiller por absorção (CA) é menos eficiente do que o chiller por compressão (CC), e por esta razão o CA é preferencialmente utilizado quando existem fontes de calor que estejam sendo desperdiçadas na planta.

Voltando agora à segunda alternativa, vamos considerar inicialmente um CA utilizando vapor V2 como fonte térmica. Não vamos considerar aqui o uso de outras fontes de calor mais pobres eventualmente disponíveis, para garantir que a comparação do ponto de vista energético seja feita com as mesmas premissas do caso base.

Temos que dissipar 250 kWh térmicos por m³ de etanol produzido e um CA de simples estágio vai consumir vapor no ritmo de 0,575 t/m³, aproximadamente 17,5 t/h de V2. Por outro lado, vinho com 15,5% v/v reduz o consumo na destilação para 1,9 t/m³ de vapor V1 com borbotagem. Nesta condição o consumo de VE passa para 40% (400 kg/tc), maior do que no caso base, mas menor do que na primeira alternativa.

Admitindo que exista nesta planta um turbo gerador de condensação, em relação ao caso base vamos deixar de condensar sob vácuo 14 t/h de vapor (350 x (0,40 - 0,36)), o que significa deixar de gerar 1.300 kW (14/3,7 - 14/5,7), sendo 3,7 kg/kWh e 5,7 kg/kWh os consumos específicos respectivos adotados do turbo gerador na condensação e na contrapressão.

Entretanto, na primeira alternativa deixamos de condensar sob vácuo 31,5 t/h de vapor (350 x (0,45 - 0,36)), o que significa deixar de gerar 2.900 kW.

Portanto, do ponto de vista da eficiência energética da planta, mesmo com CA a segunda alternativa é superior à primeira, já que conseguimos gerar 1.600 kW adicionais.

Por outro lado, se no lugar de CA usarmos CC na segunda alternativa, o CC vai necessitar de uma potência elétrica na faixa de 1.200 kW. Porém, como o consumo de vapor na destilação é reduzido, nesta condição o consumo de VE passa para 34% (340 kg/tc), menor do que no caso base. Assim, em relação ao caso base, podemos condensar sob vácuo 7,0 t/h adicionais de vapor (350 x (0,36 - 0,34)), o que significa gerar cerca de 650 kW adicionais. Mesmo sem levar em conta que a potência elétrica nas torres de resfriamento é menor com CC do que com CA, ainda assim conseguimos com a redução de consumo de VE gerar mais de 50% da potência elétrica do CC, demonstrando que o sistema com CC poderia ser adotado se tivermos capacidade disponível no sistema de condensação do turbo gerador.

A viabilidade técnica e econômica do CA pode ser melhorada se tivermos a possibilidade de aproveitamento de outras fontes de calor (condensados, vinhaça, etc.) ou se utilizarmos o vapor em um equipamento com duplo estágio. O consumo de V2 no CA neste último caso seria reduzido em cerca de 40% (0,345 t/m³).

Importante lembrar que quando instalamos chillers as torres de resfriamento do sistema de fermentação devem estar dimensionadas para retirar a carga térmica endógena da fermentação e mais a energia entregue ao sistema através do chiller. Desta maneira as torres terão que suportar uma carga térmica que é o dobro da convencional. Isto não quer dizer que dobramos o custo das torres, pois com o chiller vamos trabalhar nas torres com um diferencial de temperatura de 8 ºC a 10 ºC no lugar de 2 ºC a 3 ºC que usamos na fermentação convencional. A carga térmica das torres dobra, mas a carga hidráulica se mantém.

Já nas torres de resfriamento do sistema de fermentação vai ocorrer uma redução de 18% na carga térmica, fruto do menor consumo de vapor no sistema de destilação.

Com relação ao investimento inicial, um CA de simples estágio e com a potência necessária para atender à segunda alternativa acima deve custar instalado cerca de R$ 6 milhões, inclusive com torres de resfriamento e demais acessórios periféricos. Mesmo considerando o investimento adicional na concentração do caldo, o valor total do investimento deve ficar menor do que o investimento no concentrador de vinhaça com 5 efeitos. O investimento inicial com CC seria ainda menor do que com CA.

Há outras vantagens menos tangíveis, embora certas, quando utilizamos chiller. É mais fácil re-utilizar no processo o condensado de caldo do que o condensado de vinhaça. Operar a fermentação com temperatura baixa e, muito mais importante, com temperatura realmente sob nosso controle, reduz contaminações e aumenta a eficiência fermentativa. Todos os equipamentos da fermentação e da centrifugação de levedura vão operar com 130 t/h a menos de água, reduzindo o consumo de energia e as perdas inerentes ao processo.

No caso de plantas produzindo açúcar e etanol, ou que não tenham turbo gerador de condensação, as possibilidades de uso do chiller teriam que ser estudadas caso a caso em função do mix de produção açúcar/etanol.

Concluindo, parece-nos lógico que teríamos que pensar na eventual instalação de concentrador de vinhaça somente depois que esgotarmos todas as possibilidades de reduzir o seu volume no processo de produção de etanol.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br