Transmissão Hidrostática
Um cliente solicitou recentemente um parecer sobre o uso de transmissão hidrostática na moenda de um projeto conceitual para uma nova planta para produção de etanol.
Há cerca de 10 anos, na safra de 2002, entrou em operação no Brasil a primeira moenda utilizando transmissão hidrostática, naquela época um equipamento quase que totalmente importado. No ano seguinte, durante o primeiro governo do PT, o valor do dólar disparou e os equipamentos importados ficaram com a sua competitividade seriamente comprometida.
Hoje em dia os fabricantes informam que já há vários componentes da transmissão hidrostática sendo fabricados no Brasil e o preço do dólar caiu muito. São fatos relevantes no que diz respeito a esta tecnologia, a qual merece ser discutida com mais detalhe.
Embora tecnicamente o correto seja falar em transmissão hidrostática, a denominação usada no mercado para este equipamento é “motor hidráulico”. Mas na verdade é uma transmissão, já que o acionador principal continua sendo um motor elétrico (ou uma turbina a vapor, em casos muito especiais de linhas de moendas já existentes).
Motores hidráulicos foram inicialmente introduzidos nas usinas de açúcar no Brasil no final da década de 80, principalmente em acionamentos de transportadores de cana e de bagaço. Naquela época, os motores hidráulicos competiam com os variadores eletros-magnéticos, que eram pouco eficientes e davam muita manutenção. Com o advento dos motores elétricos com conversores de frequência, e o seu posterior barateamento devido ao aumento de escala de produção, estes últimos passaram a ser preferidos em acionamentos de baixa potência.
Para acionar equipamentos que exigem grande torque, como as moendas de cana, os motores hidráulicos já são usados em diversos outros países, como Austrália, Índia, Colômbia, México, etc. No Brasil demoraram a chegar, provavelmente devido à sua origem importada.
Em termos gerais, entende-se por transmissão hidrostática como sendo uma série de transformações de diversas formas de energia, usando óleo sob alta pressão, para obter como resultado final um torque e uma velocidade angular variáveis, que possam ser aproveitados em alguma aplicação industrial.
Desta maneira, um motor elétrico assíncrono transforma energia elétrica em energia mecânica para acionar uma bomba hidráulica de deslocamento positivo e de vazão variável, a qual por sua vez transforma esta energia em energia cinética que proporciona o fluxo de um fluido. Este fluxo, no caso presente de “óleo hidráulico”, ao encontrar a oposição do mecanismo a ser movido, proporciona uma pressão hidráulica que o motor hidráulico transforma em torque e velocidade angular (energia mecânica).
No caso de moendas para cana, a transmissão hidrostática pode ser aplicada de acordo com várias alternativas possíveis.
As bombas hidráulicas são geralmente acionadas por motor elétrico. No caso de motor elétrico, naturalmente a central de geração de energia elétrica deve estar preparada para atender a esta demanda adicional de energia elétrica. No caso de turbina a vapor, uma mesma turbina pode eventualmente acionar várias bombas, e assim vários ternos de moenda.
Os motores hidráulicos podem ser instalados de várias formas. A forma mais usual da transmissão hidrostática é a instalação direta em cada um dos eixos da moenda. Esta alternativa evita completamente a necessidade de rodetes e do conjunto palito/luvas. Nesta forma, quando o torque é muito elevado, vários motores podem ser acoplados em série no mesmo eixo, ou então, um só motor aciona o eixo por meio de um multiplicador de torque tipo planetário que é suportado no próprio eixo da moenda. Em ambos os casos os motores transmitem o torque por meio de dispositivos cônicos de aperto, eliminando totalmente a necessidade de chavetas. Motores hidráulicos podem também ser instalados nos dois lados dos eixos da moenda, quando necessário.
Outra possibilidade é a instalação de motores hidráulicos apenas no eixo superior da moenda. Desta maneira reduzimos o custo da instalação e eliminamos o conjunto palito/luvas, mas mantemos a necessidade dos rodetes. Um recurso interessante, quando uma transmissão convencional existente está no seu limite de capacidade, é a instalação de apenas um motor hidráulico em um dos eixos inferiores da moenda, e a conseqüente remoção do rodete correspondente. É a chamada transmissão hidrostática auxiliar (assist drive), que pode ter eventualmente custo inicial interessante.
As principais vantagens da transmissão hidrostática são:
- permite a variação da rotação dos rolos da moenda, enquanto o acionador principal opera com rotação constante e com máxima eficiência;
- quando os motores são instalados diretamente nos três eixos da moenda, permite a variação individual dos rolos, o que pode permitir um aumento na extração;
- permite inverter a rotação dos rolos facilmente no caso de buchas na moenda;
- permite máxima segurança à moenda no caso da presença de corpos estranhos, pois a pequena inércia da transmissão proporciona a possibilidade de redução do torque de forma muito rápida;
- permite grande flexibilidade de alternativas para a solução dos problemas em transmissões novas ou existentes;
- permite partidas com torque elevado, mesmo com baixas rotações;
- permite medir com grande precisão o torque fornecido para o equipamento acionado;
- tem baixa necessidade de manutenção, a qual limita-se à análise periódica do óleo da transmissão.
As principais desvantagens da transmissão hidrostática são:
- o custo de implantação ainda é cerca de 3% a 5% maior do que a transmissão com redutores de velocidade (informação que deve ser sempre confirmada no mercado);
- quando os motores são montados nos eixos da moenda, a desmontagem dos eixos é mais demorada, e portanto a moenda deve ser suficientemente robusta e bem cuidada para que se evite troca de eixos durante a safra;
- o pessoal da usina deve ser treinado para a nova tecnologia, principalmente no sentido de evitar a contaminação do óleo hidráulico.
Os principais critérios para comparar uma transmissão hidrostática com uma convencional são:
- o custo inicial, naturalmente, deve levar em conta que não haverá rodetes e acoplamento com cabos de aço e que haverá menor necessidade de fundações;
- o custo de manutenção de cada uma das soluções;
- o eventual aumento de extração devido à variação individual da rotação dos rolos;
- a pressão de trabalho do sistema é fundamental, pois quanto maior a pressão é menor o custo do equipamento, mas também é muito menor a vida dos componentes; assim o “fator de serviço” da transmissão será a relação entre a máxima pressão admissível no sistema e a pressão normal de operação;
- a eficiência da transmissão também é fundamental, e depende da correta seleção das bombas e dos motores para a respectiva relação torque / rotação; como qualquer equipamento de fluxo, bombas e motores devem estar corretamente selecionados para poder operar próximos dos pontos ótimos das suas respectivas curvas de performance.
A eficiência da transmissão hidrostática, quando comparada com a transmissão por redutores, vai ser importante se a usina estiver exportando energia elétrica.
Bombas de deslocamento positivo, quando bem projetadas e operadas, têm boa eficiência, da ordem de 85% a 90%. Mas devemos levar em conta a eficiência da “bomba” e do “motor”, pois o fluido vai passar pelos dois equipamentos.
Dependendo da eficiência da transmissão mecânica que estiver sendo comparada, na prática poderá haver um consumo adicional de energia elétrica nas moendas de 15% a 20% com a utilização de transmissão hidrostática. No caso de plantas que exportam energia elétrica, esta diferença deixará de ser vendida para a concessionária.
Trata-se de uma tecnologia interessante, e devemos avaliar os seus prós e contras dentro da cada realidade industrial específica.