Tendências
Com a chegada de mais um final de ano é interessante fazermos uma reflexão sobre as tendências mais ou menos previsíveis para o setor onde atuamos. Como técnicos, é nossa obrigação projetarmos hoje as plantas que serão utilizadas no futuro. Embora a futurologia seja sempre uma ciência de alto risco, temos que estar atentos aos sinais do mercado.
As regiões do globo mais propícias para a produção de biomassa, do ponto de vista de solo e clima, estão no Norte da Argentina, no Centro-Oeste do Brasil, em alguns países da África sub-equatorial, no sub-continente indiano e em vários países do sudeste asiático. Entretanto, as duas últimas regiões não são lá muito promissoras por tratar-se de áreas densamente povoadas e, por conseqüência, inadequadas para culturas de grande escala como se exige da cana de açúcar de baixo custo e de alta qualidade. Os países da África têm solo e clima adequados, mas ainda carecem de uma estabilidade política que favoreça investimentos do exterior, sendo assim uma promessa de médio ou longo prazo. O Brasil continua, portanto, sendo a grande oportunidade para a produção de biomassa e de energia renovável.
Mas no Brasil estamos passando por uma fase difícil para a produtividade dos nossos canaviais. Além da falta de crédito, resultado da crise de 2008 e da miopia do governo atual, temos inúmeras áreas agrícolas novas e a implantação da colheita mecanizada de cana verde, que será obrigatória a partir de 2017. É natural que exista uma curva de aprendizado com relação às novas áreas e à mecanização obrigatória. Desta maneira, com a seleção de variedades mais adequadas e com a otimização do plantio e da colheita mecanizados certamente ocorrerá um aumento de produtividade que resultará em redução de custos.
Mas a cana verde mecanizada tem características muito específicas que certamente exigirão o desenvolvimento de novos critérios de qualidade, os quais vão nortear o pagamento da cana e os projetos na indústria. As impurezas adicionais que vem com a cana afetam diretamente os equipamentos da indústria, desde a extração e as caldeiras até os sistemas de tratamento de caldo, cozimento e fermentação. Os projetos de engenharia deverão levar em conta todos estes fatores, já que a qualidade da cana verde mecanizada afetará muito a capacidade das plantas e a qualidade do produto final.
Os projetos de engenharia deverão levar em conta a profunda mudança que ocorreu no Brasil nos últimos cinco anos no que diz respeito à “legalização” das nossas indústrias. Embora continuemos sendo um setor da agro-indústria, as grandes empresas multinacionais que entraram no nosso setor e as agências governamentais introduziram exigências legais e trabalhistas que modificaram totalmente a maneira de projetarmos as nossas indústrias. O projetista assim deve estar muito atento para garantir o cumprimento de todas as normas legais e específicas de cada cliente (muitas vezes estapafúrdias!), com o cuidado de não aumentar demais os custos de implantação e de operação. Sempre achamos que o bom engenheiro é aquele que não se esconde atrás da norma, mas hoje em dia nas grandes corporações o técnico muitas vezes prefere seguir a norma para estar legalmente protegido em vez de adotar soluções de bom senso. De qualquer maneira, a “legalização” das nossas indústrias é um caminho sem volta e o projetista deve estar preparado para o desafio.
Consideramos que a “anidrização” do nosso etanol também deverá ser uma tendência de médio ou longo prazo. Neste ano de 2012 os americanos importaram etanol brasileiro de cana para a mistura local e exportaram etanol próprio de milho para outros usos no Oriente principalmente. Como o etanol de cana é classificado pelo RFS (Renewable Fuel Standard program) como um biocombustível avançado (o etanol de milho é classificado como biocombustível convencional) o objetivo dos importadores americanos é obter o RIN (Renewable Identification Number) do etanol importado para atender às exigências ambientais do EISA (Energy Independence and Security Act). Por outro lado nós também importamos etanol de milho para misturar na nossa gasolina, em função da queda da nossa produção. Com todas estas trocas comerciais entre os dois maiores produtores de etanol do mundo, a nosso ver a tendência é termos uma especificação técnica (ET) única para o etanol. Como geralmente manda na ET quem tem o maior mercado potencial, muito provavelmente no futuro vamos produzir etanol anidro com a ET americana. O etanol anidro também pode ser usado nos nossos carros flex e desta maneira não sentiríamos nenhuma falta do hidratado.
Há empresários do nosso setor que defendem o etanol hidratado por ser uma garantia de que não haveria queda do preço do açúcar no caso de produção acima da demanda. Mas para o nosso governo este argumento não funciona. Manter alto o preço do açúcar favorece o balanço de pagamentos do Brasil, mas desfavorece a segurança energética do país, que para o governo pode ser muito mais relevante.
E por falar em governo acreditamos que a tendência é uma reversão gradual das atitudes tomadas com relação ao nível de mistura do etanol na gasolina e com relação à política de preços dos combustíveis. Nada resiste ao bom senso. Pode demorar, mas o bom senso sempre prevalece. Não é de bom senso manter artificialmente o preço da gasolina no mercado interno e pagar mais caro pela gasolina importada. É uma catástrofe social e ambiental. Social porque no final das contas o governo está subsidiando quem tem automóvel, em detrimento de quem não tem. Ambiental porque no Brasil um combustível fóssil teve a CIDE reduzida em detrimento do etanol que na América é tratado seriamente como um biocombustível avançado. Não é lógico! Um país desenvolvido não é aquele onde os mais pobres usam muito o seu carro. É aquele onde os mais ricos usam muito o transporte público! O dinheiro usado para subsidiar gasolina deveria ser aplicado em transporte público, por exemplo.
Outra tendência importante é a produção de etanol de segunda geração (E2G). O CTC tem anunciado que pretende dispor de tecnologia adequada para produzir E2G comercialmente a partir de 2016 utilizando somente os açúcares C6 (os açúcares C5 ficam para uma segunda fase). Trata-se de um enorme desafio, mas há uma boa chance de sucesso, pois muita pesquisa tem sido desenvolvida no Brasil e no exterior. Todos os novos projetos industriais deverão levar em conta esta tendência.
E por falar em E2G é interessante voltar a falar sobre o EISA acima mencionado, ato que criou o que os americanos chamam de RFS-2. O RFS-2 dá uma ênfase enorme para a produção de biocombustíveis a partir de materiais celulósicos, cuja tecnologia o governo americano imaginou que estaria madura muito antes do que está realmente acontecendo. Isto porque o biocombustível celulósico é o que apresenta o maior potencial de redução de gases do efeito estufa (GHG em inglês), conforme a tabela abaixo:
Categoria RFS-2 | Limiar de redução GHG |
Biocombustível convencional | 20% |
Biocombustível avançado | 50% |
Biocombustível celulósico | 60% |
Biodiesel de biomassa | 50% |
Como o biocombustível celulósico ainda não é uma realidade comercial, há especialistas americanos propondo a adoção do que eles chamam de E1,5G, o qual poderia ser produzido em escala comercial muito mais rapidamente.
O etanol de milho produzido hoje na América é considerado um biocombustível convencional porque outro combustível fóssil é usado para a sua produção industrial, já que os projetos típicos americanos utilizam todo o DDGS (Dried Distillers Grains & Solubles) para ração animal. Já o E1, 5G, que poderia ser produzido a partir do milho ou de outros cereais, considera a adoção de novas tecnologias procurando produzir a energia necessária na planta industrial a partir da queima de biomassa que hoje é vendida como ração e a partir da produção de biogás. Trata-se de uma nova tendência que poderia prevalecer na América em função da falta de possibilidades imediatas de se atender ao RFS-2.
Esta é uma possibilidade que se abre também para o Brasil que é um país de dimensões continentais. Na América a bacia do Mississipi permite exportar os grãos produzidos no norte do país a um custo muito baixo com a infra-estrutura disponível. No Brasil as grandes distâncias entre as zonas produtoras de grãos e os portos e a falta de infra-estrutura provocam uma disparidade enorme nos preços dos grãos dependendo de quão longe está o porto da região produtora. Uma perspectiva interessante, que já estamos estudando, será a produção de etanol de milho em regiões remotas do Brasil em plantas anexas a usinas de etanol de cana. Como o milho, por exemplo, tem cerca de 10% de umidade, contra 70% no caso da cana, os equipamentos são muito menores e o investimento inicial na planta industrial é menos da metade para uma mesma produção anual de etanol. A matéria prima pode ser estocada e assim a planta não tem entressafra. É bem verdade que o milho é uma commodity e, portanto, sujeita a variações inesperadas de preços. Mas como o investimento inicial é muito baixo, principalmente se a mesma estiver anexa a uma usina de cana aproveitando as utilidades da mesma, os equipamentos poderiam eventualmente ser hibernados em épocas de preços altos dos grãos. E o etanol produzido a partir de milho no Brasil utilizando a tecnologia adaptada do E1, 5G e ainda a energia da cana poderia também ser classificado como um biocombustível avançado.
Em função do RFS-2 o mercado estima que deverá haver exportações de etanol do Brasil para a América na safra de 2020 na faixa de 12.000 m³. A cana necessária correspondente equivaleria a cerca de 20% da produção estimada para o Brasil em 2013 que é de 620.000 kt. Considerando ainda o nosso mercado interno há a necessidade da implantação de pelo menos 80 novos projetos para produção de etanol. E todos eles deverão ser desenvolvidos considerando-se as tendências do mercado!
Estas são as tendências, na nossa avaliação. Resta esperar que o bom senso não demore a ser restabelecido!