Taxa de decantação X Tempo de residência
Quando projetamos separadores de arraste do tipo inercial, por exemplo em separadores centrífugos de evaporadores ou de tachos de cozimento a vácuo, o nosso primeiro desafio é conseguir que as gotículas que contém os sólidos dissolvidos ou em suspensão que desejamos separar encostem em alguma superfície do separador que estamos projetando.
Quando as partículas encostam em alguma “superfície” do separador elas já são “nossas” por princípio, pois estão separadas do fluxo de vapor, bastando então que a sua remoção seja feita de forma adequada, sem riscos de voltarem para este mesmo fluxo de vapor devido a deficiências na geometria do projeto.
O mesmo princípio se aplica no caso da separação dos flóculos que devem ser removidos do caldo em um decantador, com a diferença de que neste caso a força centrífuga é substituída pela força da gravidade, cujos resultados podem ser previstos com a aplicação da Lei de Stokes. Só que neste caso a “superfície” em questão é a bandeja que recebe os flóculos, formando o lodo que da mesma forma precisa ser devidamente removido com a mínima probabilidade de ser arrastado por correntes de caldo que estão entrando ou saindo do equipamento. Assim, quando o flóculo chega na bandeja, da mesma maneira ele já é “nosso” e só podemos perde-lo se houver deficiências no projeto do decantador.
O tema para a elaboração deste texto surgiu em função das discussões ocorridas com um usuário quando do detalhamento de um novo decantador para a produção de açúcar orgânico, durante as quais pudemos demonstrar que o parâmetro tempo de residência não deve sobrepujar o parâmetro taxa de decantação, já que os dois devem ser sempre analisados em conjunto.
Com relação à clarificação do caldo, temos no Brasil tipicamente quatro tipos de aplicações com expectativas de resultados distintas: caldo para fermentação, caldo para açúcar VHP, caldo para açúcar branco de baixa cor (com sulfitação) e, mais recentemente, açúcar orgânico.
Em todos os casos, por princípio, temos que buscar operação com o menor tempo de residência possível, visando minimizar o nível de inversão da sacarose. Mas por outro lado, com um tempo de residência suficiente para que todos os flóculos possam atingir sem dificuldades as suas “bandejas”.
A velocidade de sedimentação dos flóculos aumenta com a sua dimensão e a sua densidade, parâmetros estes que podem ser otimizados com temperatura adequada e a consequente boa desaeração, com controle adequado do pH e com a adição dos produtos que auxiliam a floculação (floculantes). Maior velocidade, menor tempo para o nosso flóculo chegar na bandeja.
A temperatura constante na faixa de 105 oC a 108 oC é indispensável para se obter uma correta remoção do ar no tanque de desaeração (balão de flash). Para tanto, basta dispor de superfície de aquecimento suficiente em aquecedores usando vapor vegetal com temperatura mínima 115 oC, sem nenhum tipo de controle mais sofisticado.
O pH estável, na faixa de 6,0 a 7,2 dependendo de cada aplicação, também é indispensável para garantir que os fenômenos físico-químicos associados ao processo de floculação ocorram de forma adequada. Com a tecnologia disponível atualmente, com eletrodos e controladores modernos, um pH estável não é luxo, é uma necessidade, e é perfeitamente atingível com a adoção de rotinas adequadas para a limpeza dos eletrodos.
A adição controlada de floculante deve ser feita preferencialmente por meio de bomba dosadora com rotação variável através de inversor de frequência. Cuidado especial deve ser tomado na preparação do floculante, usando-se água de qualidade e tempo suficiente para diluição, sem agitação excessiva.
Após a adição de floculante é necessário dispor de uma câmara de floculação, onde se faz a homogenização da mistura entre o caldo e a solução de floculante. Esta homogenização deve ser feita de forma suave, sem agitação intensa que possa causar dispersão dos flóculos já formados.
As recomendações acima podem ser adotadas sem restrições técnicas (não entrando no mérito dos aspectos econômicos) nas aplicações relativas à produção de açúcar VHP ou branco. Podemos assim buscar obter os flóculos grandes e densos com adequado controle de pH e correta adição de floculantes.
As restrições começam a aparecer na aplicação de caldo para etanol, pois os elementos cálcio e enxofre não são benvindos na fermentação. Mas por outro lado, esta aplicação busca essencialmente a remoção de turbidez e de material grosseiro em suspensão, os quais podem prejudicar a eficiência das centrífugas para separação de levedura. Aqui não há grandes exigências para redução de impurezas solúveis (cor).
As maiores restrições aparecem na aplicação para açúcar orgânico, na qual busca-se a remoção de turbidez e de cor, mas com a utilização apenas de leite de cal e de floculantes especiais, os quais tem um custo muito elevado e que, em função do seu preço, nem sempre são utilizados.
Estas duas últimas aplicações exigem operação sem uma floculação ideal, e nestes casos a avaliação do parâmetro taxa de decantação torna-se mais relevante do que o parâmetro tempo de residência.
As operações unitárias que envolvem a obtenção de água filtrada são similares àquelas que necessitamos para obter o caldo clarificado. Na ETA temos os floculadores que recebem a água bruta e os produtos químicos específicos, visando a formação dos flóculos adequados. Em seguida temos os decantadores, que podem apresentar várias formas construtivas, mas que geralmente são equipamentos sem bandejas intermediárias no percurso de sedimentação dos flóculos.
Apesar das similaridades, há diferenças nos parâmetros que os profissionais de cada área usam para dimensionar os respectivos decantadores. Os profissionais do setor açucareiro costumam usar o tempo de residência. Os profissionais de tratamento de água costumam usar a taxa de decantação.
A taxa de decantação é expressa em m3/m2.h, ou seja, é o volume de líquido aplicado por unidade de superfície disponível para a sedimentação dos flóculos. O tempo de residência desta maneira vai estar associado à altura disponível para a sua sedimentação. As taxas de decantação típicas das ETA’s estão na faixa 4 m3/m2.h, dependendo das características da água bruta que se deseja tratar.
No caso do caldo de cana, para a três primeiras aplicações típicas a nossa recomendação é a utilização de decantadores sem bandejas, utilizando o valor máximo de 3,0 m3/m2.h para a taxa de decantação, em função da maior densidade do caldo quando comparada com a densidade da água.
Para a aplicação açúcar orgânico, quando há grande probabilidade de termos flóculos pequenos e de baixa densidade, temos que operar com taxa de decantação mais baixa sem aumentar o tempo de residência, o que conseguimos com a utilização de múltiplas bandejas.
Nos decantadores com múltiplas bandejas, podemos considerar que a taxa de decantação vale para cada bandeja. Vamos considerar por exemplo um decantador de 750 m3 com diâmetro de 11,5 m e com cinco bandejas, com uma altura aproximada de 7,5 m. Para um tempo de residência de 2,5 h, teremos uma vazão de 300 m3/h e a taxa de decantação calculada para cada bandeja seria de aproximadamente 0,6 m3/m2 h.
Desta maneira, para produção de açúcar orgânico, a nossa recomendação é utilizar uma menor taxa de decantação, sem a necessidade de aumentar o tempo de residência, como em princípio pretendia o nosso cliente em questão.