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Taxa de Decantação STAB - Set/Out 2005

Temos trabalhado na equalização técnica de propostas de diversos fornecedores para a instalação de estação de tratamento de água para caldeiras (ETA). A primeira etapa do processo numa ETA visa a produção de água filtrada, para o seu posterior tratamento por meio de resinas ou de membranas (osmose reversa).

É interessante notar como as operações unitárias que envolvem a produção de água filtrada são absolutamente similares às operações que necessitamos para obter caldo de cana clarificado.

Na ETA temos os floculadores que recebem a água bruta e os produtos químicos adequados, visando a formação dos flóculos o mais encorpados possível. Em seguida temos os decantadores, que podem apresentar várias formas construtivas, mas que geralmente são equipamentos sem bandejas intermediárias no percurso de sedimentação dos flóculos. E finalmente temos os filtros, geralmente de leito de areia, que tem a finalidade de remover o material sobrenadante (flóculos que eventualmente não sedimentaram).

Apesar de todas as similaridades, existe uma grande diferença na maneira como os profissionais de cada área avaliam a capacidade dos decantadores. Os profissionais do setor açucareiro costumam falar em tempo de residência. Os profissionais de tratamento de água costumam falar em taxa de decantação.

A taxa de decantação é expressa em m3/m2.h, ou seja, é o volume de líquido aplicado por unidade de superfície disponível para a sedimentação dos flóculos. O tempo de residência desta maneira vai estar associado à altura disponível para a sedimentação. Taxas de decantação típicas em ETA estão na faixa 4 m3/m2.h, dependendo das características da água bruta que se deseja tratar.

É verdade que em ETA o tempo de residência não é um fator importante do ponto de vista de deterioração do produto. Mas tempo de residência maior significa equipamento maior e custos mais elevados. Assim, os decantadores de ETA são projetados com a mínima altura necessária para garantir a perfeita separação dos flóculos.

No caso do caldo de cana, o tempo de residência é um fator primordial, porque queremos evitar a inversão da sacarose. Desde que a clarificação seja adequada, quanto menor este tempo, melhor.

Nos decantadores convencionais, podemos imaginar que a taxa de decantação vale para cada bandeja. Vamos considerar por exemplo um decantador de 750 m3 com diâmetro de 11,5 m e com cinco bandejas, com uma altura aproximada de 7,5 m. Para um tempo de residência de 2,5 h, teremos uma vazão de 300 m3/h e a taxa de decantação calculada para cada bandeja seria de aproximadamente 0,6 m3/m2.h, muito mais baixa do que a faixa usada pelo pessoal da ETA. Porque não usar então este equipamento com um tempo de residência de 1,0 h e ainda assim ter uma taxa de decantação de 1,5 m3/m2.h, ainda baixa quando comparada com a da ETA?

Na teoria tudo bem, mas como dizem os americanos, para ganhar a guerra precisamos antes combinar com os russos. Os russos neste caso são os flóculos. Precisamos combinar com os flóculos para que eles se dividam igualmente na entrada de cada bandeja e para que após a sedimentação, e em hipótese nenhuma, os flóculos presentes no lodo se misturem com o caldo entrando em cada bandeja.

Infelizmente na prática esta combinação com os flóculos não funciona, eles não nos obedecem. Os fluxos cruzados típicos dos decantadores convencionais provocam misturas que tem que ser compensadas pela adoção de um maior tempo de residência.

Os decantadores sem bandejas, cuja concepção de trabalho se assemelha muito mais à dos decantadores de ETA, permitem a operação sem estes fluxos cruzados, pois são projetados com a premissa de se tentar obter fluxos o mais "verticais" possível.

Porém, até pela sua semelhança com os decantadores de ETA, os decantadores sem bandejas devem ser avaliados também pela sua taxa de decantação, além do seu tempo de residência.

Os menores tempos de residência em decantadores sem bandeja são atualmente obtidos na Austrália, da ordem de 45 minutos ou ainda menos. Entretanto, é preciso cuidado ao analisar estes dados. A Austrália não produz açúcar cristal, apenas açúcar VHP, o que significa uma menor exigência na clarificação do caldo. Por outro lado, é comum na Austrália o uso de grandes tanques de caldo misto antes dos decantadores, visando manter constante a vazão para os decantadores. O tempo de residência nestes tanques também deve ser contabilizado, pois do ponto de vista da inversão é a mesma coisa. Para o caso do Brasil, que procura produzir açúcar cristal de baixa cor, acreditamos que um tempo global da ordem de 60 a 90 min é o mais recomendado.

Para projetar decantadores sem bandeja, temos usado o valor máximo de 3,0 m3/m2.h para a taxa de decantação. Este valor é menor do aquele adotado na ETA, o que faz sentido em função da maior densidade do caldo quando comparada com a densidade da água.

É comum vermos propostas de adaptação de decantadores convencionais para trabalhar sem bandejas onde apenas o tempo de residência é considerado. No caso do decantador convencional acima, o cliente recebeu sugestão para adaptá-lo para operar, sem bandejas, com capacidade de 500 m3/h. Teríamos então uma taxa de decantação de 5,0 m3/m2.h, 25% acima daquela usada na ETA. Impossível? Talvez não, mas é um parâmetro a ser considerado pelo usuário no caso de operação em condições adversas de qualidade de cana ou de necessidade de produção de açúcar de alta qualidade.

Portanto, para decantadores sem bandejas, é sempre indispensável avaliar taxa de decantação e tempo de residência.

O uso de decantadores sem bandejas para caldo já está consolidado. Resta consolidar uma solução para o material sobrenadante, já que por razões óbvias (contaminação) não podemos adotar a solução da ETA, os filtros de areia.

Hoje em dia há a peneiras estática, a peneiras rotativa, o turbo filtro, a prensa desaguadora, além de filtros especiais com limpeza automática. Todos tem os seus prós e contras.

A peneira estática tem baixo custo de instalação, mas insuperáveis problemas de limpeza adequada.

A peneira rotativa tem sido uma boa solução, desde que o tambor já seja construído em tela inox com a abertura desejada (sem uso de tecidos especiais).

O turbo filtro aparenta ter um futuro promissor, já que é usado com sucesso na indústria da laranja. Há clientes satisfeitos, outros nem tanto. É preciso consolidar a sua aplicação.

A prensa desaguadora está consagrada para processar o lodo do decantador. Para o caso do caldo decantado, onde a quantidade de sólidos em suspensão é muito pequena, é preciso verificar a relação custo / benefício.

Filtros especiais, com sistema de limpeza automática sem interrupção da produção deveriam ser avaliados. Custo inicial e riscos de contaminação devem ser cuidadosamente avaliados.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br