Secador Resfriador de Açúcar: Co-corrente x Contracorrente
Há alguns meses fomos consultados para tentar resolver os problemas de desempenho que estavam ocorrendo em um secador de tambor rotativo trabalhando com cavaco de madeira usado como combustível para produzir o vapor utilizado no processo de uma planta agroindustrial.
Trata-se de uma unidade de processamento de grãos, localizada no Paraná em região que apresenta alta umidade relativa do ar ambiente na maior parte do ano. O secador em questão foi inicialmente projetado para a secagem de grãos e como sua capacidade ficou insuficiente quando a produção cresceu, foi substituído por outro maior. O secador menor foi aproveitado para a secagem de cavaco, que chegava a ter umidade de até 60%, mas a caldeira precisava receber combustível com umidade máxima de 50%. Na prática a umidade do cavaco caia no máximo três pontos percentuais e em algumas situações operacionais específicas até aumentava!
O sistema havia sido projetado com capacidade nominal para secar 15 t/h de cavaco de 55% até 50%, com uma demanda térmica de aproximadamente 1.200 Mcal/h. Considerando os dados da fonte quente informados (gás de combustão da caldeira com entrada a 200°C e saída a 50°C) e as dimensões do secador e dos seus equipamentos periféricos, verificamos que a capacidade térmica calculada nesta condição de aproximadamente 1.600 Mcal/h deveria ser mais que suficiente para atender às necessidades de secagem do cavaco. No entanto, os dados informados mostravam que o secador não estava com o desempenho esperado. Um mistério!
Até que caiu a ficha! A secagem estava sendo processada com o gás e o cavaco em contracorrente, pois esta é a condição normalmente utilizada quando o equipamento é usado para a secagem de soja, já que este produto tem uma umidade inicial muito mais baixa do que a do cavaco.
No caso da secagem do cavaco a temperatura de saída dos gases do secador na faixa de 50°C estava abaixo da temperatura de bulbo úmido dos gases, um indicativo de que deveria estar havendo resfriamento excessivo dos gases e condensação sobre o cavaco alimentado, aumentando muito sua umidade inicial. A causa mais provável do problema era a possível existência de um “loop” de condensação/re-evaporação de uma parcela da água evaporada no interior do secador, já que os gases de combustão carregavam uma quantidade grande de água e podiam assim eventualmente chegar até o seu ponto de orvalho.
A solução proposta por nós e adotada pelo cliente com sucesso foi passar a operar o secador em co-corrente, com um balanço de massa e de energia calculado considerando uma condição segura de 75°C no mínimo para os gases na saída do secador, garantindo assim que não mais ocorreria condensação.
Lembramos do caso acima quando mais recentemente fomos consultados por outro cliente a respeito de problemas frequentes de empedramento de açúcar cristal de qualidade em big-bags.
Uma análise preliminar dos big-bags comprometidos indicou que na sua quase totalidade o empedramento ocorreu na forma de blocos, e não na forma de crostas superficiais. O empedramento na forma de crostas é típico da ocorrência de perda de umidade do açúcar em armazenamento com o ar ambiente apresentando umidade relativa muito baixa devido a uma temperatura ambiente muito alta. Já o empedramento na forma de blocos é típico da ocorrência de perda de umidade intrínseca do açúcar em armazenamento do mesmo com temperatura elevada, ou seja, o açúcar resfria gradativamente entregando energia para a água que vai migrar para a superfície dos cristais e evaporar, provocando supersaturação da película de mel e a consequente cristalização que causa o empedramento.
O levantamento dos registros da temperatura do açúcar embalado realmente mostrou que o mesmo estava sendo armazenado com temperatura elevada, embora a umidade estivesse dentro dos parâmetros adequados.
A análise do tambor secador-resfriador mostrou que se trata de um equipamento que foi modificado para aumentar a sua capacidade de produção, com uma configuração tal que tanto a secagem como o resfriamento do açúcar são operações feitas em contracorrente.
A operação de resfriamento do açúcar em contracorrente é sem dúvida um consenso geral. Como nesta operação há pouca ou nenhuma transferência de água para o ar, a fonte fria de energia que garante o gradiente de temperatura entre açúcar e ar é fornecida pelo ar frio introduzido no sistema. A operação em contracorrente vai garantir a baixa temperatura do açúcar já que ele deixa o equipamento em contato com o ar mais frio, sendo que devemos ainda tomar o cuidado para que este ar mesmo frio tenha umidade relativa baixa, devendo ser um ar suficientemente seco.
Trata-se de uma operação mais lenta em relação à secagem, pois como a fonte de resfriamento é o ar, é necessário dispor de tempo de residência suficiente para ocorrer transferência de calor adequada dos cristais para o ar.
Já na operação de secagem do açúcar não há um consenso, ela pode ser realizada em co-corrente ou em contracorrente. Nesta operação existe transferência de massa e de energia, sendo que uma parte considerável da energia para secar o açúcar é fornecida pela própria temperatura elevada dos cristais que vão se resfriar no processo. Desta maneira, uma operação de centrifugação com lavagem adequada que entrega cristais com pouco mel na superfície (é mais difícil evaporar água de um filme de mel do que de uma solução de sacarose pura) e com uma temperatura elevada vai favorecer muito a operação de secagem. E neste aspecto quanto mais perto o secador estiver das centrífugas, melhor, pois o açúcar vai chegar mais quente ao secador.
Como o açúcar quente já carrega uma grande parte da energia necessária para a sua própria secagem, nesta operação o aquecimento do ar tem mais a ver com a garantia de que o mesmo vai entrar no processo com uma baixa umidade relativa. Assim podemos enxergar o ar aquecido como uma espécie “transportador pneumático de água”, sendo que precisamos garantir que o mesmo esteja em condições de receber água mesmo quando começar a esfriar durante o processo.
Um perfil típico de temperaturas dentro de um secador em contracorrente mostra ao longo do tambor rotativo que a umidade do açúcar cai rapidamente quando completa 40% do percurso e a temperatura do ar cai para um nível similar à do açúcar quando completa 60% do percurso. Já a temperatura do açúcar também cai rapidamente assim como a umidade, pois os cristais estão usando a sua própria energia para secar, mas a partir da metade do percurso a temperatura do açúcar volta a subir, pois começa a entrar em contato com ar que está mais aquecido em contracorrente.
Desta maneira, a operação em contracorrente tem o inconveniente de entregar relativamente mais quentes os cristais que deverão ser posteriormente resfriados.
Quando a operação de secagem é feita em co-corrente, o ar aquecido continua sendo o nosso “transportador pneumático de água”, mas no final do processo o ar vai estar com uma temperatura mais baixa do que no início, entregando assim um açúcar mais frio para a etapa seguinte do resfriamento.
Esta particularidade, de que o açúcar bem centrifugado praticamente carrega consigo parte da energia necessária para a sua própria secagem, na prática define o arranjo secador resfriador clássico que é o sistema que usa secagem em co-corrente e resfriamento em contracorrente.
Tambores rotativos com esta configuração são ideais porque a quantidade de água a ser retirada do açúcar é relativamente pequena e porque o ar de secagem e o ar de resfriamento se misturam somente depois de cumprirem cada um a sua missão. Desta maneira, é possível maximizar a capacidade do sistema, pois como a velocidade aparente do ar dentro do tambor não pode ultrapassar limites a partir dos quais ocorre arraste de produto, podemos dimensionar todas as correntes com mais liberdade e garantir o tempo de residência necessário para cada operação, já que a secagem é mais rápida do que o resfriamento.
Voltando para o caso prático do problema de empedramento, encontramos um tambor que está entregando açúcar seco, porém mais quente do que poderia para um setor de resfriamento que está subdimensionado do ponto de vista de tempo de residência necessário e cuja vazão de ar não pode ser aumentada sob-risco de ultrapassar a velocidade aparente máxima recomendada para o ar.
Neste caso temos duas alternativas para resolver a questão. Continuar usando o mesmo sistema com a introdução de um chiller para garantir o ar de resfriamento muito mais frio e seco. Ou então passar a usar o tambor existente exclusivamente como secador e instalar um sistema separado para o resfriamento do açúcar também com um sistema de água gelada.
Assim cada operação deve ser analisada em suas particularidades, não havendo uma regra definitiva sobre qual configuração adotar no caso de secagem de produtos.