Robets X Filme Descendente
No mês de outubro passado estivemos conversando com o Fernando Vicente da Usina Alta Mogiana sobre o dilema indicado no título deste texto, a respeito de qual tipo de evaporador adotar. O Fernando estava planejando instalar 5.000 m2 adicionais de capacidade no quinto efeito do sistema de evaporação existente.
Trata-se de uma capacidade respeitável para um quinto efeito onde já buscamos brix na faixa entre 62% e 68%, o qual implica em cuidados especiais com relação à degradação da sacarose, que pode ocorrer em pontos localizados com alta temperatura, e à elevação do ponto de ebulição, que pode ocorrer quando se usa tubos com grande comprimento. Por outro lado, em instalações já existentes o espaço horizontal disponível, inclusive para a montagem, pode ser uma restrição importante na escolha.
Assim, a exemplo do que já fizemos há cerca de quatro anos, decidimos aproveitar esta oportunidade para discutir neste texto as vantagens e desvantagens de cada tecnologia disponível para a evaporação do caldo de cana. Importante ressaltar que cada tecnologia tem seus prós e contras e, quando uma tecnologia tem somente aspectos prós, o aspecto contra costuma ser o preço.
No Brasil, os quatro tipos de evaporadores mais utilizados são o de filme descendente, o de múltiplas calandras, o de placas e o tradicional Roberts.
O tipo Roberts é o mais frequente e o tipo múltiplas calandras vem a seguir. O tipo filme descendente (falling film) foi menos utilizado, e para o tipo de placas há apenas umas poucas instalações de nosso conhecimento.
Um fator que impulsionou a instalação de evaporadores de múltiplas calandras foi a NR-33, a qual regulamentou o trabalho em espaços confinados e passou a vigorar a partir de 2006. A partir de 2007 as capacidades instaladas de evaporadores tipo Roberts e tipo múltiplas calandras passaram a ser mais ou menos equivalentes.
Vamos então discutir qualitativamente os prós e os contras de cada tecnologia, incluindo inclusive uma alternativa que é mais usual na África do Sul, os evaporadores do tipo filme ascendente (Kestner).
Para qualquer tecnologia adotada há fundamentos que sempre são válidos e devem ser espeitados.
Estes fundamentos são basicamente o coeficiente de troca térmica, as opções e as dificuldades para limpeza, já que o coeficiente médio de troca térmica depende muito das condições médias de limpeza, o tempo de residência do caldo no equipamento, a eficácia do sistema de separação de arraste, a remoção eficaz dos gases incondensáveis, as necessidades de espaço físico com possibilidades de expansão de capacidade e o consumo de energia elétrica.
O coeficiente médio de troca térmica é naturalmente um parâmetro muito relevante. Importante mencionar que estamos falando de valores médios, já que equipamentos limpos costumam operar bem. Os evaporadores de placas apresentam naturalmente o maior coeficiente de troca térmica quando limpos, mas paradoxalmente é muito mais difícil mantê-los limpos na prática, já que são muito suscetíveis às incrustações e ao alto índice de material em suspensão no caldo de cana quando comparado com caldo de beterraba, onde são mais utilizados. Em seguida temos o coeficiente de troca térmica do filme descendente, que é favorecido pela inexistência do fator relativo à elevação do ponto de ebulição do caldo. E finalmente os demais, múltiplas calandras, Kestner e Roberts, que apresentam coeficientes médios de troca térmica muito similares.
As opções disponíveis para a limpeza (química e/ou mecânica) e as consequentes dificuldades variam para cada tecnologia. O tipo de placas pode utilizar apenas limpeza química, já que a limpeza mecânica implica praticamente na desmontagem do equipamento com as consequentes dificuldades de montagem e de garantia de estanqueidade das vedações. O tipo filme descendente pode receber facilmente a limpeza química, já que o sistema de recirculação de caldo também funciona bem para esta finalidade, mas apresenta maior dificuldade para limpeza mecânica em função do grande comprimento dos tubos. Os demais, múltiplas calandras, Kestner e Roberts, podem receber limpeza química ou mecânica, sendo que o tipo múltiplas calandras é mais indicado com relação às exigências da NR-33.
O tempo de residência do caldo no equipamento é relevante para evitar a degradação da sacarose com as altas temperaturas, principalmente no primeiro efeito da evaporação. O tipo placas convencional apresenta o mais baixo tempo de residência, o filme descendente e o Roberts convencionais apresentam o maior tempo de residência. O tipo filme descendente porque tem um sistema de recirculação e o Roberts convencional porque tem um volume grande de caldo que é removido pelo tubo central, apresentando assim também certo grau de recirculação. Tempos de residência intermediários podem ser obtidos com evaporadores que denominamos de “passe único”, visando evitar recirculação, mas que por outro lado necessitam de automação adequada para garantir uma mínima taxa de molhamento nos tubos. Este é o caso dos tipos múltiplas calandras, Kestner e Roberts de passe único, que é a nossa recomendação quando instalamos um evaporador deste tipo.
A eficácia do sistema de separação de arraste é importante para minimizar as perdas respectivas, tendo como objetivo obter um máximo de 20 ppm de açúcares no condensado do vapor vegetal produzido e amostrado de forma representativa por um dispositivo adequado. Geralmente o filme descendente e o Roberts têm separador de arraste interno, mas o projeto do separador no filme descendente é mais crítico porque caldo e vapor vegetal saem na parte inferior do equipamento com pouco espaço vertical disponível e num equipamento que tem pequeno diâmetro, apenas com a vantagem de fazer a direção da velocidade do vapor vegetal mudar bruscamente de baixo para cima, quando a maior parte das gotas de caldo é capturada. O Kestner, o de placas e o de múltiplas calandras têm sempre separadores externos, que podem ser corretamente dimensionados para reduzir o arraste, a menos que exista alguma restrição de espaço horizontal para a sua instalação.
A correta remoção dos gases incondensáveis é indispensável para garantir um bom coeficiente de troca térmica e para evitar perda desnecessária de vapor na retirada dos mesmos. Diversos sistemas podem ser usados no caso de evaporadores tubulares, sendo que recomendamos a utilização de calandras com feixes tubulares excêntricos, permitindo sempre uma entrada única do vapor de aquecimento, o qual percorre todo o perímetro da calandra e em seguida se dirige ao centro da mesma, de onde todos os gases incondensáveis são retirados sem dificuldades e sem a necessidade de defletores, cuja manutenção é difícil e imprevisível. No caso dos trocadores a placas, a remoção dos gases vai depender das características específicas do projeto de cada equipamento.
As necessidades de espaço físico, garantindo a possibilidade de expansão de capacidade, são critérios a serem analisados para cada instalação específica. Os evaporadores a placas são sem dúvida os equipamentos mais compactos, mas necessitam de separador de arraste externo. O tipo filme descendente ocupa o menor espaço horizontal por superfície de troca térmica instalada. O tipo múltiplas calandras ocupa maior espaço horizontal, mas apresenta uma melhor adequação para expansões futuras. O tipo Kestner ocupa menos espaço horizontal do que um Roberts equivalente, mas como o Kestner utiliza separador externo, é preciso avaliar caso a caso.
O consumo de energia elétrica pode ser relevante e deve ser considerado. O tipo filme descendente consome mais energia em função da recirculação do caldo e o Roberts convencional consome menos porque podem operar sem utilizar bombas. Os demais apresentam valores intermediários de consumo de energia elétrica.
Levando sempre em conta os fundamentos acima, é possível comparar mais detalhadamente cada um dos tipos de evaporadores.
Os evaporadores de filme descendente (falling film) são muito utilizados nas usinas de açúcar de beterraba, sendo o que principal motivo para a sua escolha é a possibilidade de operar com um baixo diferencial de temperatura entre o vapor de aquecimento e o caldo. Esta possibilidade é decorrência da não existência da elevação do ponto de ebulição do caldo (EPE) neste tipo de evaporador, pois não existe coluna hidrostática de caldo no interior dos tubos, mas apenas uma fina película de caldo que escorre de cima para baixo juntamente com o vapor vegetal produzido. Como nas usinas de beterraba não existe um combustível barato como o bagaço de cana, para economizar combustível o consumo de vapor de processo é reduzido pelo uso de sistemas de evaporação com sete a oito efeitos. Assim é indispensável operar com baixo diferencial de temperatura em cada efeito. O filme descendente é autoportante, geralmente é instalado ao tempo e necessita do menor espaço horizontal por superfície de troca térmica instalada. O seu sistema de recirculação do caldo pode ser usado como um sistema para limpeza química, sendo necessário apenas transferir os produtos de limpeza para o seu interior e depois drena-los.
A limpeza com hidro jateamento é mais difícil em função do comprimento dos tubos que varia de 10 m a 15 m e em função do espaço relativamente restrito na sua parte superior, em decorrência do sistema de distribuição do caldo que está instalado sobre o feixe tubular. O filme descendente necessita de um sistema de separação de arraste muito eficiente, já que o caldo evaporado e o vapor vegetal saem juntos pela parte inferior do equipamento. Normalmente é indispensável combinar um sistema de separação inercial com outro sistema de separação tipo demister. Como não existe EPE neste evaporador, a sua taxa de evaporação é mais elevada principalmente quando se compara com os últimos efeitos que trabalham com brix mais elevado e, por consequência, com maior carga hidrostática.
Os evaporadores Kestner (rising film) são de passe único com tubos de comprimento intermediário (6 a 8 m), quando comparados com os tubos do Roberts (3 a 5 m) e do filme descendente (12 a 15 m). O principal motivo da sua escolha é a utilização de evaporadores de grande capacidade para operar principalmente como primeiro efeito, condensando todo o vapor de escape da usina, embora possa ser utilizado também como segundo efeito. O Kestner é autoportante, não necessitando de estrutura metálica, e geralmente é instalado ao tempo. A limpeza com hidro jateamento é um pouco mais difícil em função do comprimento dos tubos. Necessita de um separador de arraste externo, numa configuração similar à do tipo múltiplas calandras. O volume de caldo no evaporador é menor do que no Roberts, proporcionando menor tempo de residência.
Os evaporadores de múltiplas calandras são muito utilizados nas usinas do Brasil, sendo evaporadores de filme ascendente com passe único. O principal motivo da sua escolha é a possibilidade de trabalhar, por exemplo, com um conjunto de seis evaporadores limpando cada um de segunda a sábado e perdendo apenas 17% da capacidade instalada, e assim mantendo uma ótima taxa média de evaporação em função da menor incrustação. Outro motivo relevante para a sua escolha é decorrente da legislação brasileira, pois a partir de 2006 foi emitida a NR-33 que impõe restrições severas para trabalho em espaços confinados, já que no caso deste evaporador a limpeza com hidro jateamento pode ser realizada sem estas restrições. Também é autoportante e geralmente instalado ao tempo, mas necessita do maior espaço horizontal por superfície de troca térmica instalada, já que os tubos têm menor comprimento e o sistema de separação de arraste encontra-se no corpo central do sistema de evaporação. Em compensação, a sua instalação pode ser modulada, acrescentando-se capacidade adicional em módulos de 17% aproximadamente. A limpeza com hidro jateamento é mais fácil em função do comprimento dos tubos que varia de 4 m a 5 m e em função do espaço relativamente livre na sua parte superior.
Os evaporadores Roberts, nas suas mais diversas configurações, são os equipamentos mais tradicionais e são largamente utilizados nas usinas do Brasil e do exterior. O principal motivo da sua escolha é a possibilidade de trabalhar com uma tecnologia consolidada e eventualmente evitar a instalação de bombas para a transferência de caldo entre os efeitos. Mas por outro lado, a sua eventual substituição por outras tecnologias é decorrente da legislação brasileira que impões restrições severas para trabalho em espaços confinados, já que no caso do Roberts a limpeza com hidro jato deve ser realizada em espaço confinado e com tubulações vivas de vapor conectadas ao mesmo. Normalmente necessita de estrutura metálica e geralmente é instalado ao tempo, e necessita de um espaço horizontal intermediário entre o de filme descendente e o de múltiplas calandras por superfície de troca térmica instalada. Sem levar em conta o aspecto do espaço confinado, a limpeza com hidro jateamento é mais fácil em função do comprimento dos tubos que varia de 3 m a 4 m e em função do espaço relativamente livre disponível. Como existe EPE neste evaporador, a sua taxa de evaporação é mais baixa quando comparada com o filme descendente, sendo equivalente aos valores do evaporador múltiplas calandras.
Caso as características do projeto permitam a instalação de diversas tecnologias, os custos de instalação (Capex) e os custos de operação (Opex) devem ser estimados para a tomada de decisão. A comparação de Capex deve ser feita na base de R$/t de água evaporada por hora, ou de R$/m2 instalado, caso os coeficientes de troca térmica sejam similares. Esta comparação deve levar em conta também a capacidade reserva adicional a ser instalada, para a indispensável limpeza rotineira.