Busca
Potencial de Cogeração STAB - Jan/Fev 2007

O rendimento das usinas é sempre um fator primordial que define a eficácia da agroindústria. Estamos sempre discutindo quantos sacos de açúcar e quantos litros de álcool são produzimos por tonelada de cana processada. Agora, na era da bioenergia, temos que pensar também em quanta energia vamos vender por tonelada de cana. Assim, além de sacos/tc e de m³/tc, temos que começar a pensar também em kW.h/tc.

Temos recebido com freqüência consultas de empresários de fora do nosso setor que pretendem investir em sistemas de cogeração de energia elétrica a partir de cana de açúcar. Muitas vezes estas pessoas têm o sentimento de que tais sistemas poderiam gerar mais energia, mas não sabem como fazer uma avaliação preliminar de qual seria o potencial de venda de cada instalação em particular. Nossa idéia é discutir neste texto alguns parâmetros básicos a este respeito.

Normalmente o potencial de venda de energia elétrica em uma usina de açúcar e álcool varia desde 60 kW.h/tc até 80 kW.h/tc, dependendo do grau tecnológico em que se encontra a instalação. Mas esta faixa de variação é grande, mais de 30%, e assim é interessante discutir os fatores que a influenciam para verificar em qual ponto desta faixa cada unidade industrial se encontra.

Para facilitar a discussão vamos admitir que toda a energia esteja sendo vendida na safra, embora todos os conceitos aqui mencionados possam ser facilmente aplicados para a geração na entressafra com bagaço excedente.

O primeiro passo para avaliarmos o potencial de cogeração é estimar a disponibilidade de combustível, o bagaço de cana. A quantidade de bagaço depende basicamente do teor de fibra da cana e da quantidade de palha que está sendo trazida da lavoura. Mas o teor de umidade do bagaço também influencia na quantidade produzida.

Basicamente, com o teor médio de fibra na cana variando desde 12% até 13,5% e com a umidade do bagaço na faixa de 50%, produzimos de 25% a 28% de bagaço em relação à cana. Neste caso admitimos que não estejamos trazendo palha da lavoura. Caso a palha seja considerada, é preciso levar em conta nos cálculos a seguir que o seu poder calorífico é diferente do poder calorífico do bagaço.

É sempre prudente admitir que pelo menos 5% do bagaço não existem. Esta parcela deve ser reservada para as diversas partidas e paradas da planta durante a safra e para o estoque que deve existir para a posta em marcha da safra seguinte. Desta maneira, o bagaço líquido produzido passa a ser de 23,7% a 26,6% sobre a cana.

As caldeiras modernas e com boa eficiência, recebendo água a 115 ºC e bagaço com 50% de umidade, conseguem produzir 2,2 kg de vapor a alta pressão e a alta temperatura (acima de 67 bar e de 520 ºC). Portanto, o nosso combustível nos permite produzir de 52,1% a 58,5% de vapor sobre a cana. Para simplificar as contas, vamos admitir um valor médio de 55,0% de vapor sobre a cana, mas nunca esquecendo de que a fibra na cana pode fazer variar a disponibilidade de vapor em até 12,3% ou mais, se considerarmos a palha por exemplo.

O consumo de vapor no processo vem se reduzindo progressivamente. Era de cerca de 55,0% no passado e hoje em dia já existem várias unidades trabalhando na faixa de 40,0% de vapor sobre a cana. A tendência é fazer este valor baixar ainda mais quando conseguirmos principalmente baixar o consumo de energia para a produção de álcool. Por outro lado, este consumo no processo depende de várias particularidades de cada usina. O processo pode ser mais complexo, com produção de açúcar refinado e de açúcar líquido, além de outros subprodutos como levedura seca. A produção de álcool anidro em maior escala, ou de álcool neutro, também altera as condições de consumo de vapor no processo. Vamos considerar em nosso exemplo um consumo de 40,0% de vapor sobre a cana.

Com as considerações acima, verificamos que por tonelada de cana vamos passar 400 kg de vapor (40,0%) em turbinas de contrapressão, para poder atender às necessidades do processo, e vamos passar 150 kg de vapor (55,0% – 40,0%) em turbinas de condensação. O consumo específico de vapor nas turbinas vai depender das condições de pressão e de temperatura do vapor, bem como da eficiência das turbinas. Cada vez mais será compensador passar a usar turbinas de reação em lugar das tradicionais turbinas de ação. Admitindo um vapor com 66 bar / 515 C, as turbinas de contrapressão tem um consumo aproximado de 5,7 kg/kW.h e as turbinas de condensação tem um consumo aproximado de 4,0 kg/kW.h, sendo que neste último valor já estamos considerando o consumo de energia parasita (bombas e torres para a água de resfriamento). Fazendo as contas, vemos que podemos gerar até 107, 7 kW.h/tc (400/5,7 + 150/4,0 = 107,7).

O valor acima é a energia gerada, mas a energia a ser vendida deve levar em conta o consumo interno da planta. Normalmente o consumo de energia elétrica nas usinas com moendas varia de 30 a 35 kW.h/tc. Mais ou menos a metade deste valor é consumida nas instalações de preparação e de extração do caldo e a outra metade é consumida nos inúmeros motores elétricos da instalação. Em usinas com difusor este valor global fica na faixa de 25 a 30 kW.h/tc.

Vamos considerar uma usina com moendas e adotar um valor médio de consumo de 32,7 kW.h/tc. O saldo para venda ficaria em 107,7 – 32,7 = 75 kW.h/tc. Se aumentarmos a pressão do vapor para 100 bar podemos chegar ao número 80 kW.h/tc.

É indispensável mencionar que estamos falando de números grosseiros, conta em mesa de bar após o expediente. Cada caso deve ser analisado cuidadosamente com as suas particularidades específicas.

Podemos ter a falsa impressão de que com difusor vamos sempre vender pelo menos 5,0 kW.h/tc a mais, mas não é verdade. Normalmente o difusor trabalha com mais embebição e produz um bagaço com maior umidade. Bagaço mais úmido produz menos vapor e mais embebição significa maior consumo de vapor no processo. É preciso fazer contas.

No exemplo acima, o consumo de energia na planta varia desde 27,8% até 32,5% da energia gerada. Se projetarmos uma planta eficiente do ponto de vista energético, podemos aumentar o nosso faturamento em energia em até 4,5%, um valor considerável.

Ainda no caso acima, se tivermos um processo consumindo 45,0% ou 35,0% de vapor, vamos vender respectivamente 71,2 ou 78,7 kW.h/tc. Ou seja, passar de 45,0% para 40,0% aumentou a nossa venda em 5,3%. Mas passar de 40,0% para 35,0% aumentou a nossa venda em 4,9%. Como geralmente a segunda mudança é muito mais cara do que a primeira, é preciso verificar cuidadosamente a relação custo benefício dos investimentos.

Por outro lado, um ciclo de condensação é sempre menos eficiente do que um ciclo de contrapressão. Na verdade, a palavra cogeração deveria ser aplicada somente ao ciclo de contrapressão, pois ela significa em realidade gerar a energia elétrica ao mesmo tempo em que geramos a energia térmica para o processo. Com turbinas de condensação não estamos gerando energia térmica para o processo, mas sim jogando calor fora para a atmosfera pelas torres de resfriamento.

Oxalá vai chegar logo o tempo em que poderemos produzir álcool a partir do bagaço excedente, eliminado os ciclos de condensação nas usinas. Então, o nosso processo como um todo será ainda mais eficiente.

Para encerrar, se no exemplo acima com a venda de 75 kW.h/tc tivermos uma safra de 2.500.000 t, considerando os preços dos últimos leilões vamos ter uma receita com a venda de energia de aproximadamente R$ 26 milhões. Nada mal.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br