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Multifuncionalidade STAB - Nov/Dez 2001

Vivendo e aprendendo. Tomamos conhecimento da existência do conceito de multifuncionalidade na recente Conferência Internacional sobre Açúcar, Álcool e Energia no Setor Sucro-Alcooleiro, realizada em outubro passado em São Paulo. Aliás, um relevante evento internacional brilhantemente organizado pela DATAGRO.

Os vários conferencistas estrangeiros trouxeram boas novas para o nosso setor no Brasil.

Os Estados Unidos estão implantado um grande número de novas plantas para a produção de etanol de milho, e não será surpresa se nos próximos anos passarem a produzir mais do que o Brasil, atual maior produtor mundial.

A Comunidade Européia (CE) está discutindo diretrizes (“market shaping directives”) no sentido de usar combustíveis renováveis (leia-se etanol) para mistura na proporção de 3% em volume até o ano de 2005, aumentando gradativamente em cerca de 1% ao ano, até atingir a mistura de 8% no ano de 2010.

Vários outros países estão estudando seriamente o uso de etanol como combustível aditivo, tais como México, Colômbia, Austrália, Tailândia, Índia, etc.

Como parece que o primeiro mundo acordou e passa a reconhecer as vantagens da utilização do etanol de biomassa como combustível, países como o Brasil que podem produzir biomassa, e portanto álcool, a baixo custo, estariam aptos a exportar este combustível renovável.

Mas aí entram em cena os técnicos da CE e vêm nos apresentar o conceito de multifuncionalidade. Por este conceito, uma plantação de beterraba açucareira não poderia ser desativada por motivos econômicos (produção de biomassa a custo muito elevado), já que esta plantação teria múltiplas funções. Ela também serviria, por exemplo, para compor uma paisagem agradável do meio ambiente (sic).

Com este tipo de conceituação é possível arranjar as mais deslavadas justificativas para proteger mercados ineficientes. E no quesito abertura de mercados, os países ricos apresentam um belo discurso liberalizante, mas na prática continuam com as suas ações protecionistas.

Naturalmente as nossas agências governamentais responsáveis estão procurando fazer a sua parte nos foros internacionais, para procurar uma maior abertura de mercado para o nosso agro negócio.

Mas o que nós técnicos podemos fazer a respeito ?

Em nossa opinião, devemos combater a multifuncionalidade da CE com a multiversatilidade de nossos técnicos, para fazer baixar cada vez mais os custos de produção do nosso açúcar e do nosso álcool. Quanto maior for a diferença de custo entre produzir açúcar e álcool no Brasil e em outros países, maior será a conta dos subsídios necessários para manter a atividade lá, e a linguagem do dinheiro é a única que é realmente universal.

A recente crise dos preços provocada pela super oferta de cana teve o seu lado positivo, como toda crise. Os técnicos brasileiros que projetam, fabricam, montam, operam e mantém as plantas de produção de açúcar e de álcool puderam demonstrar cabalmente toda a sua criatividade e a sua versatilidade. Foi necessário baixar custos na marra para manter a atividade, e foi possível encontrar soluções engenhosas para tirar leite de pedra.

Embora não seja a nossa praia, não podemos esquecer da colaboração dos nossos colegas do setor agrícola, mais importante até do que o setor industrial.

A partir de meados do ano de 2000 os preços subiram, e é típico do ser humano relaxar quando as coisas melhoram. Mas não podemos relaxar. O mundo açucareiro está de olho no Brasil, e não tenham dúvidas de que as soluções que interessam a outros países serão copiadas e adaptadas sempre que for possível.

As nossas soluções de fábrica devem sempre continuar focando a redução dos custos de produção, para sermos sempre competitivos, mesmo em épocas de preços baixos.

Sistemas de cogeração são sem dúvida uma arma muito importante para se aumentar a margem de lucro da atividade, o que em última análise significa poder competir com preços mais baixos do açúcar e do álcool. Entretanto é preciso analisar os projetos com cautela para não correr riscos desnecessários com endividamentos muito altos. Nos países onde já há cogeração intensiva a partir de cana de açúcar, o bagaço compete com combustíveis fósseis, que no caso são importados e caros (às vezes também poluentes). No Brasil o bagaço deverá competir com a energia hidrelétrica e com políticas governamentais nem sempre bem definidas. Portanto o ideal é investir em cogeração quando há aumento de produção de cana (e portanto novas caldeiras seriam necessárias), ou quando é imprescindível a substituição de caldeiras e/ou turbogeradores existentes por motivos diversos.

Sistemas de automação são também fundamentais para baixar custos de produção. E não apenas pela possível redução de mão de obra, mas principalmente pela possibilidade de monitoração das informações do processo bem como pela possibilidade de otimização da eficiência dos processos. Para se procurar aumentar a eficiência de um processo é indispensável antes de tudo procurar medir a mesma com precisão. Não podemos otimizar aquilo que não conhecemos bem. E sistemas de automação também servem para maximizar a capacidade dos equipamentos, além de aumentar a sua segurança operacional.

Sistemas de manutenção bem organizados são outro ponto importante. Equipamentos antigos, de pequena capacidade e de difícil automação devem ser gradativamente substituídos por outros de maior capacidade, com operação automatizada e com baixo custo de manutenção.

E talvez o mais importante, continuar desenvolvendo soluções criativas para otimizar o processo. E os técnicos brasileiros felizmente têm sido muito hábeis neste quesito. Alguns exemplos que outros países começam a copiar são a utilização da prensa desaguadora para tratamento do lodo, o uso de transporte de bagacilho via líquido, a instalação de evaporadores de filme descendente, aplicação de destilação extrativa, e inúmeros outros.

Este é o nosso grande desafio. Continuar mantendo o Brasil no topo da lista dos produtores mais eficientes de açúcar e de álcool do mundo. Não podemos esquecer a filosofia de Bill Gates da Microsoft: “Toda empresa precisa ter gente que erra, que não tem medo de errar e que aprende com o erro”. Mãos à obra!

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br