¡LA GARANTÍA SOY YO!
Tomei conhecimento da frase acima pela primeira vez há vinte anos, quando estávamos discutindo com o engenheiro Júlio Américo González a instalação do primeiro tacho contínuo na Usina Cruz Alta.
A frase, pronunciada pelo González, pode à primeira vista parecer arrogante ou pretenciosa. Mas não é o caso. Há inúmeras situações nas quais o comprador de um equipamento ou de um sistema não pode exigir do fornecedor correspondente garantias que na prática não dependem exclusivamente dele fornecedor.
Este tema veio à tona agora porque estamos discutindo com um cliente exigências de garantias que ele deseja colocar nas cartas convite correspondentes, garantias estas que na prática tornam a consulta quase que inviável.
As usinas que processam cana de açúcar, assim como a grande maioria dos outros setores da agroindústria, apresentam particularidades específicas. A maior delas é a variabilidade da qualidade da matéria prima de região para região, e para a mesma região a variabilidade da matéria prima durante os meses de safra ou de ano para ano. Além disso, há equipamentos e sistemas cujo bom desempenho depende fundamentalmente das condições de operação e de manutenção dos mesmos.
Nossa ideia assim é discutir alguns casos típicos de garantia que podemos ou não exigir exclusivamente dos fornecedores de equipamentos e sistemas.
Pela sequencia natural do processo a primeira operação importante é a preparação da cana. Normalmente o cliente pede garantias de mínimo índice de preparo, máximo consumo de potência e máximo custo de manutenção. Esta operação é um caso típico que depende muito da matéria prima e da manutenção. Os fornecedores podem indicar faixas de garantias, e o cliente deve fazer o benchmarking correspondente para certificar-se de que os valores informados estão condizentes com a realidade operacional de outros clientes.
A operação para extração de caldo é similar à anterior. Mesmo que o fornecedor determine valores mínimos para o índice de preparo e para a taxa de embebição, a extração de sacarose depende muito do time de operação e de manutenção do cliente. Por exemplo, garantir a rugosidade das camisas, a flutuação do rolo superior e a pressão hidrostática são funções do cliente.
As garantias do acionamento e da transmissão das moendas já dependem mais do fornecedor, principalmente no caso de motores elétricos cuja potencia e rotação são continuamente registradas. Desta maneira, se o cliente operar corretamente os equipamentos no sentido de não ultrapassar valores nominais de torque, potencia e rotação a responsabilidade pela garantia é exclusiva do fornecedor.
O desempenho na operação de decantação do caldo pode ser outro ponto polêmico com relação a garantias. A decantação depende muito de uma boa floculação e principalmente das características do caldo. Desta maneira o fornecedor do equipamento pode sugerir uma faixa de redução da turbidez do caldo como referência, mas não é lógico dar uma garantia formal de desempenho. Neste caso o cliente deve avaliar as características do projeto, tomar conhecimento das referências fornecidas pelo proponente e decidir pela tecnologia mais adequada. E sem deixar de treinar seus operadores para que possam operar a contento o sistema.
Garantias de desempenho na evaporação também causam muitas discussões. Normalmente discutimos taxa de evaporação, ciclos entre limpezas (grau de incrustação) e arrastes de açúcar. A taxa de evaporação é um parâmetro que deve ser usado com cautela. É preciso medi-lo com critério, por exemplo medindo a vazão dos condensados correspondentes em cada efeito ou evaporador. E é preciso medir a diferença de temperatura entre o vapor de aquecimento e o vapor produzido, pois a taxa aumenta com o aumento do diferencial de temperatura. O grau de incrustação naturalmente depende muito das características do caldo e assim é difícil um fornecedor prover garantias específicas. Já os limites máximos de arraste podem ser garantidos pelo fornecedor, pois independem da natureza do caldo e podem ser facilmente medidos com dispositivos especialmente projetados para esta finalidade. Mas de uma maneira geral o desempenho da evaporação depende muito de uma boa operação. Mesmo o arraste poderia aumentar se a operação permitisse, por exemplo, nível alto do caldo no evaporador.
No setor de cozimento a situação se repete parcialmente. A taxa de evaporação continua dependendo do diferencial de temperatura, mas depende muito também da efetividade da circulação da massa cozida no tacho. Já o esgotamento da massa cozida, medido pela queda de pureza entre massa e mel pobre, depende muito da operação e principalmente de um bom sistema de automação. Para os arrastes valem os mesmos comentários da evaporação.
Os sistemas de centrifugação, seja de massa cozida como de vinho inteiro, também dependem muito dos parâmetros de processo. Garantias podem ser fornecidas, mas vão depender de inúmeros fatores condicionantes.
Nos sistemas de destilação e de desidratação as garantias relativas às utilidades são mais facilmente comprovadas. Assim consumo de vapor, consumo de água de resfriamento e consumo de energia elétrica são parâmetros cujas garantias e respectivas comprovações estão à mão. Já a capacidade nominal e as características dos produtos finais tem ainda alguma dependência com a operação.
Os sistemas de geração de vapor tem logicamente seu desempenho afetado pelas características do combustível. Um combustível com muita matéria estranha também pode afetar muito negativamente a operação e a manutenção das caldeiras. Porém para as caldeiras existem testes de desempenho normatizados e que podem perfeitamente ser usados em casos de comprovação de garantias. Talvez a única dificuldade de ordem prática seja a correta determinação da percentagem dos materiais não queimados.
Turbos geradores talvez sejam os únicos equipamentos cujo desempenho pode ser garantido pelo fornecedor sem grande influência das condições de operação. Instalando-se medidores de vazão de vapor motriz é possível determinar com precisão capacidade e eficiência dos equipamentos.
Todos os exemplos acima mostram que na indústria de processamento de cana o desempenho de equipamentos e sistemas naturalmente depende da tecnologia e dos fornecedores, mas via de regra dependem muito também das características da matéria prima, das condições operacionais e dos cuidados com a manutenção preditiva e preventiva.
Exigir dos fornecedores uma garantia que não pode ser comprovada na prática apenas torna os fornecimentos mais caros e os contratos mais extensos, num conhecido jogo do “me engana que eu gosto”.
Selecionar bem equipamentos e sistemas é imprescindível, assim como o é treinar e conscientizar as equipes de operação e de manutenção.