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Energia Elétrica Excedente: kWh/tc X kWh/Gcal STAB - Mai/Jun 2017

Há aproximadamente dez anos atrás estávamos partindo vários projetos greenfield no Brasil que já nasceram prevendo a exportação de energia elétrica em larga escala. Em particular lembro-me bem da Usina Angélica em MS, cujo projeto previa a exportação de 65 kWh/tc, sendo que este parâmetro foi comprovado na prática logo que o turbo gerador de condensação foi instalado na segunda fase da implantação da unidade industrial.

Naquela época ainda havia uma parcela representativa de cana inteira sendo processada no Brasil e as unidades que iniciaram sua operação com 100% de cana picada operavam as colheitadeiras com o sistema de ventilação a plena carga e ainda traziam relativamente pouca impureza vegetal, digamos entre 4,0% a 6,0% da cana passando pela balança dos caminhões.

Nestas condições fazia sentido usar o parâmetro kWh/tc (energia elétrica gerada e/ou exportada por tonelada de cana processada) para compararmos a eficiência e/ou a eficácia entre unidades industriais diversas.

Trabalhando recentemente em um processo de “due diligence” para a avaliação de unidades industriais constatamos que havia uma grande polêmica entre vendedor e comprador a respeito do parâmetro kWh/tc, com diferenças da ordem de até 35%. Estas diferenças são, na maior parte das vezes, decorrentes da maior ou menor utilização de palha da cana para a geração de energia elétrica.

O potencial de venda de energia elétrica depende fundamentalmente dos seguintes fatores:

  • Quantidade e qualidade do combustível disponível.
  • Ciclo termodinâmico adotado (condições do vapor motriz, consumo no processo, regeneração, etc).
  • Eficiência dos equipamentos principais que compõem o sistema de cogeração de energia.
  • Eficácia na operação do sistema de cogeração durante a safra e a entressafra.

O fator combustível talvez seja o que mais impacto causa no potencial de geração. A sua quantidade naturalmente depende do teor de fibra na cana e do percentual de palha adicional que é entregue na usina.

Já a qualidade do combustível pode variar muito em função das impurezas vegetais trazidas com a cana e em função da umidade no bagaço, a qual em última análise é o fator mais determinante para o cálculo do PCI (Poder Calorífico Inferior) correspondente.

Caso a usina não tenha instalado um SLS (Sistema de Limpeza a Seco de cana) a palha vai acabar tendo a mesma umidade do bagaço. Caso exista um SLS um percentual da palha pode ser entregue para a caldeira com uma umidade mais baixa na faixa de 35%. Este percentual vai depender da eficiência de separação de palha do SLS, cujos fabricantes informam que está na faixa de 70% quando vendem o sistema. Na prática sabemos que uma eficiência desta ordem somente é obtida com o sistema operando em sua capacidade nominal e geralmente durante o dia quando a cana não está umedecida pelo orvalho. Em períodos após chuvas, por exemplo, com a cana molhada esta eficiência cai muito.  Desta maneira, as horas efetivas que um SLS pode trabalhar com eficiência ótima são uma parcela das horas efetivas de operação da moenda. Estes fatores tendem na prática a reduzir a quantidade de palha com 35% de umidade que será queimada. Caso parte da palha adicional seja trazida em fardos, poderá ser queimada com umidade mais baixa do que 35% aumentando o PCI correspondente. Por outro lado, a usina pode ter fornecedores de cana que não tem o menor interesse em transportar palha adicional, pois eles podem perder dinheiro.

Outro exemplo, bagaço excedente usado em ciclo de condensação durante a safra gera mais energia do que se for queimado na entressafra. Durante a safra a energia parasita é proporcionalmente menor e o bagaço que é estocado para queima posterior perde PCI em função da degradação natural de parte da biomassa.

Uma vez determinada a energia térmica disponível na safra em função da quantidade e da qualidade do combustível, é hora de analisar o fator relativo ao ciclo termodinâmico que está sendo usado para transformá-la em energia elétrica. Como no caso das usinas há basicamente dois níveis de pressão de vapor de escape, 2,5 bar e 0,15 bar, a eficiência do ciclo depende muito da temperatura do vapor vivo gerado na caldeira e da temperatura do vapor de escape nas turbinas. Tomadas de vapor para reaquecimento de condensado ou de ar (ciclo regenerativo) também auxiliam na redução do consumo de combustível por kWh gerado e/ou no aumento da energia gerada por quantidade de vapor motriz (kWh/t v). A solução técnica adotada deverá levar em conta as condições econômicas, verificando se o investimento retorna no tempo previsto com o custo operacional e o preço da energia.

Definido o ciclo termodinâmico os equipamentos principais devem ser selecionados com a finalidade de ter máxima eficiência dentro de uma boa relação custo / benefício. Como as pressões de escape estão definidas, a eficiência da turbina a vapor selecionada vai determinar as condições do vapor a ser produzido na caldeira. A turbina deve ser especificada para perder o mínimo de eficiência em regime de carga parcial. A caldeira bem projetada não tem perda relevante de eficiência com cargas entre 90% e 100% da nominal, mas geralmente consome muita energia elétrica, especialmente as caldeiras de queima em leito fluidizado, e o parâmetro kWh/t de vapor produzido é relevante para quem quer vender energia. E por fim não podemos esquecer a eficiência do SLS que pode ser muito relevante na determinação da quantidade e qualidade do combustível anual.

Com o combustível quantificado e qualificado, com o ciclo termodinâmico otimizado e com os equipamentos selecionados, precisamos agora falar de eficácia. Eficácia é a competência necessária para conseguirmos operar todos os sistemas descritos acima perto da sua máxima eficiência durante a maior parte do tempo da safra. O nível de eficácia vai definir a “eficiência média” dos sistemas durante a safra. Vimos que o SLS perde eficiência em função de condições climáticas. A caldeira perde eficiência se a manutenção preventiva não for adequada. A turbina perde eficiência quando opera com carga parcial. O ciclo termodinâmico perde eficiência do ponto de vista de geração de energia elétrica caso o mix de produção açúcar / etanol seja alterado e o consumo de vapor de processo aumente.

Desta maneira, as eficiências máximas dos sistemas acima listados definem em última análise o valor dos investimentos na UTE. A eficácia da operação define a “eficiência média” da UTE que por sua vez define o valor do faturamento resultante da venda de energia elétrica. Nós engenheiros gostamos de falar sobre eficiência. Economistas preferem falar sobre eficácia.

Mas voltando ao título deste texto concluímos que o parâmetro kWh/tc pode ser usado para comparar duas usinas somente em condições muito específicas. Ou seja, quando palha adicional (enfardada ou não) não está sendo levada em conta e quando todo o bagaço disponível está sendo queimado durante o período de safra. Nesta condição, para cana com mesmo teor de fibra, uma usina produzindo mais kWh/tc provavelmente tem sistemas mais eficientes ou no mínimo está sendo operada com mais eficácia.

Quando introduzimos palha adicional e SLS as condições ficam embaralhadas, é muito difícil comparar situações que podem ser muito díspares. Tanto isto é verdade que nossos balanços de massa e energia há alguns anos atrás já passaram a contemplar dois tipos de cana na usina quando há SLS:

  • Cana balança: é a massa de cana e palha adicional sobre o caminhão.
  • Cana esteira: é a massa de cana de parte da palha adicional após passar pelo SLS.

Pode ainda ocorrer que palha enfardada seja misturada à palha separada no SLS.

Assim, como o combustível adicional muda completamente as condições do jogo, acreditamos que o mais correto seria adotarmos um parâmetro do tipo kWh/Gcal, ou seja, quantidade de energia elétrica excedente em função da energia térmica dos combustíveis totais disponíveis com seus respectivos teores de umidade, bagaço com 50%, palha separada com 35% e palha enfardada com 15%.

Por exemplo, a Usina Angélica mencionada no início exportando 65,0 kWh/tc sem palha adicional estaria exportando aproximadamente 68,8 kWh/Gcal, energia térmica disponível no bagaço considerado com um PCI de 1,75 Mcal/t e em quantidade suficiente para produzir 54% de vapor motriz sobre a cana.

Este parâmetro seria uma espécie de versão para a indústria canavieira do “Power to Heat Ratio” que é usado em plantas de cogeração. Só que no nosso caso a definição correta deste parâmetro seria “Exported Energy to Heat Ratio”.

A avaliação cuidadosa deste parâmetro vai dar uma indicação sobre a eficiência do ciclo e dos equipamentos, sobre o consumo de vapor no processo e sobre a eficácia da operação da usina.

De qualquer modo, cuidado com as comparações quando houver palha adicional no projeto!

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br