Dilemas no Projeto de Cogeração
Um dilema pode ser definido como uma situação embaraçosa, com duas ou mais alternativas difíceis ou penosas, uma das quais devemos selecionar.
Queremos discutir hoje dois dilemas em projetos de cogeração. O primeiro relativo à configuração do sistema de bombeamento de água para caldeiras de alta pressão. O segundo relativo à instalação de válvulas de bloqueio em sistemas de condicionamento de vapor.
Vamos ao primeiro dilema, relativo às bombas de alimentação de água para a caldeira. Se você fosse um fabricante de caldeiras de alta pressão, aliás como qualquer fabricante de equipamentos pesados, você procuraria oferecer a solução que fosse a mais barata, a mais fácil de integrar com os demais fornecedores de equipamentos e a que aparentemente oferecesse a melhor eficiência energética.
É exatamente isto o que fazem os fabricantes de caldeiras. Eles oferecem bombas elétricas para a operação normal e bombas de emergência acionadas por turbina a vapor. É a configuração mais barata. É a configuração que apresenta a melhor eficiência energética. Mas, não é em nossa opinião a configuração mais segura em se tratando de plantas processando cana em regiões remotas.
As premissas usadas pelos fabricantes para nos tranquilizar com relação à segurança da configuração acima são duas: 1) sempre há duas fontes de energia elétrica (usina e concessionária) e 2) na falta das duas a turbina de emergência garante o suprimento de água para a caldeira.
A primeira premissa é uma meia verdade. Nossas plantas geralmente estão acopladas a redes elétricas com baixo grau de proteção, muitas vezes estão no “fim da linha” e frequentemente ouvimos casos nos quais são os defeitos na rede elétrica que derrubam os geradores da usina. São redes com um grau de confiabilidade geralmente baixo.
A segunda premissa é também uma meia verdade. Uma bomba para caldeira de 250 t/h com 68 bar tem uma potência instalada na faixa de 1.000 kW. Não são equipamentos pequenos. Uma turbina a vapor, mesmo de simples estágio, não pode partir de repente sem respeitar a curva de aquecimento do equipamento. O choque térmico resultante pode trazer danos irreparáveis ou, ainda pior, não permitir a partida do equipamento e colocar a caldeira sob risco de acidentes. Portanto, um projeto realmente seguro deve prever a turbo-bomba de emergência equipada com sistema de giro lento e dispositivo de entrada de vapor para aquecimento permanente. A turbo-bomba fica em modo giro lento e fica sendo permanentemente aquecida, pois esta é a única maneira de garantirmos que ela vai estar em condições de operar bem em situações emergenciais. Naturalmente esta premissa envolve consumo permanente de energia térmica e elétrica, reduzindo assim a eficiência energética da configuração com bombeamento elétrico.
Em nossa opinião, principalmente para as usinas onde a confiabilidade do sistema externo de energia elétrica é baixa e o nível do “time” de operação nem sempre é dos melhores, acreditamos que a segurança deve prevalecer sobre a eficiência energética, embora nunca esquecendo esta última, pois afinal de contas queremos vender energia elétrica. A operação com bomba acionada com turbina a vapor é sem dúvida a configuração mais confiável em casos de falta geral de energia elétrica. Para obter a melhor eficiência energética adotamos turbinas de múltiplos estágios operando com pressão entre 15 bar e 20 bar, dependendo das necessidades que o projeto tem com relação a vapor nesta faixa de pressão. Não podemos ter a turbo bomba com pressão alta por duas razões. Em primeiro lugar seria uma turbina muito cara para uma potência relativamente baixa. Em segundo lugar porque em condições anormais a tendência é a redução gradativa da pressão do vapor, mas em isto ocorrendo a turbina continua operando sem problemas. O vapor a 15-20 bar é fornecido por uma extração da turbina do gerador, e como a turbina da bomba pode ter de 72% a 75% de eficiência sem custos exagerados, a perda de energia em relação à configuração elétrica não é relevante. Embora operando com pressão baixa, a turbina deve ser construída com materiais para suportar temperatura mais alta, evitando assim a necessidade de injetar água para desuperaquecimento na válvula que reduz a pressão do vapor para a turbo-bomba quando a turbina do gerador parar em decorrência de pane elétrica.
Desta maneira, a configuração que recomendamos sempre para nossos clientes é operar com uma turbo-bomba de baixa pressão e alta eficiência com 130% de capacidade e dispor de duas bombas elétricas com 65% de capacidade cada uma como reserva. Recomendamos duas bombas elétricas porque motores com menor potência ajudam na partida da caldeira. Manobras especiais permitem ainda partir a caldeira com baixa pressão usando a bomba que fornece água para as válvulas de condicionamento de vapor. O dilema aqui é: vale a pena perder um pouco de eficiência energética em nome da segurança. Acreditamos que sim.
Vamos ao segundo dilema, relativo à necessidade de instalação de válvulas de bloqueio em válvulas de condicionamento de vapor (VCV). A VCV’s são conhecidas pelos projetistas de termoelétricas como “by-pass valve”. Elas têm este nome porque permitem desviar o vapor motriz da turbina do gerador para atender ao processo sempre que, por alguma razão (por exemplo, a conexão com a rede da concessionária foi interrompida, mas a moagem continua) o vapor motriz não pode passar pela turbina do gerador e sair como vapor de escape. Ao fazer este desvio o vapor motriz tem que ser resfriado até a temperatura para a qual estão projetados os equipamentos que operam com o vapor de escape, o que é feito por meio de injeção de água no vapor.
Até 2004, em nosso setor, este condicionamento (ajuste da pressão e da temperatura do vapor motriz desviado da turbina) era feito em duas etapas, com válvulas redutoras de pressão e com sistema de desuperaquecimento de vapor. A partir desta época começamos a introduzir a VCV’s de última geração, as quais permitem fazer o condicionamento do vapor em um único equipamento e em uma única etapa. Quando bem projetados, bem construídos e bem instalados, são equipamentos de alta confiabilidade e muito mais seguros e precisos do que o esquema anterior em duas etapas.
Quando fomos instalar as primeiras VCV’s em 2004 surgiu o dilema. Vamos ou não instalar válvulas de bloqueio nas VCV’s. Fomos consultar os fabricantes especializados, que instalam tais equipamentos em UTE’s pelo mundo afora com os mais diversos combustíveis e processos. Explicamos as condições operacionais das nossas usinas, nas quais raramente não existe possibilidade de uma parada anual de pelo menos 30 dias, pois sempre há a necessidade de manutenção nos sistemas de transporte de bagaço. A recomendação dos fabricantes foi unânime: instalar apenas uma válvula de bloqueio na entrada para a hipótese remota de uma VCV ficar travada em posição não totalmente fechada.
É importante lembrar que bloquear uma VCV para fazer manutenção na mesma com as linhas vivas não é tarefa fácil e nem barata. Além da válvula de bloqueio que normalmente instalamos na entrada, é necessário instalar uma válvula adicional de alta pressão com um respiro entre as duas por questão de segurança. No lado do vapor de escape (baixa pressão) também é necessário instalar duas válvulas de bloqueio, que normalmente são válvulas grandes e muito pesadas. Estas válvulas devem ser construídas em materiais que suportam alta temperatura, são caras. È necessário instalar antes do bloqueio na baixa pressão válvulas de segurança por mola (PSV), pois existe a possibilidade da pressão subir acima do suportado pela linha por falhas de operação ou de equipamentos. Resumindo, com o preço de todos estes acessórios adicionais compramos outra VCV e ainda sobra dinheiro. Não é de bom senso bloquear VCV’s quando há possibilidades de resfriar as linhas para manutenção anual!
Em todos os projetos nos quais trabalhamos, em apenas um caso havia necessidade de redundância total e de operar a planta durante vários anos sem paradas programadas para manutenção. Tratava-se de uma planta para produzir etanol que seria a matéria prima para a produção de plástico, sendo o bagaço a fonte de energia para todo o complexo industrial.
Em situações raras como esta acima, porém possíveis, o sistema de bloqueio das VCV’s poderá ser indispensável.