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Dilemas, melhor antes que depois STAB - Set/Out 2017

Estivemos trabalhando na engenharia conceitual de uma usina no exterior e ao discutir as premissas do projeto acabamos naturalmente discutindo com a equipe do cliente vários dos fundamentos do processo.

Trata-se neste caso de produção de açúcar refinado granulado, um pouco de etanol a partir de melaço bem esgotado e exportação de excedente de energia elétrica.

A justificativa do título desde texto é que durante as reuniões, além de discutirmos processos e tecnologias, discutimos também vários parâmetros típicos de eficiência do processo que podem ser melhorados se algumas atitudes predecessoras forem tomadas no sentido de controlar e melhorar tais parâmetros.

Vamos começar pela preparação da cana, que deverá ser 100% picada. Não conseguimos convencer o cliente a usar apenas desfibrador, eles querem um picador de cana e, se bobear, um nivelador. Infelizmente vamos deixar de exportar uma parte da energia elétrica dispendida na preparação de cana, sem contar que mais equipamentos significa mais manutenção.

Continuamos com a extração na moenda, a qual depende muito da quantidade de impurezas presente na cana. Tratando- se cana 100% picada, destacamos a absoluta necessidade de um sistema de limpeza a seco (SLS) para garantir a capacidade e a extração na moenda. O SLS permite gerar mais vapor, pois parte da palha que vem com a cana pode ser queimada com uma umidade mais baixa do que se passar pela moenda, porém vários estudos que fizemos a respeito do retorno do investimento no SLS mostraram claramente que o retorno do investimento ocorre muito mais em função do aumento de capacidade de moagem e da extração de açúcar do que em função do aumento de produção de energia elétrica.

Outro fator que impacta a extração das moendas é a extração obtida no primeiro terno, parâmetro que nem sempre recebe uma atenção específica. O primeiro terno é o que pode operar com a maior densidade possível da cana desfibrada, pois ali é possível instalar Donnelly com no mínimo 5 m, mas já temos cliente que os instala com 7 m de altura. E a automação para garantir o nível no Donnelly permite garantir hoje alimentação bem constante, não havendo aquela embebição a quente para atrapalhar a “pega”. Assim o objetivo será sempre buscar uma extração no primeiro terno de pelo menos 75% do caldo na cana, deixando o bagacilho por conta do segundo terno. Aliás, mais um motivo para, no caso de ternos de dimensões distintas, instalar também o segundo terno maior, para que possa dar conta do bagacilho.

Seguindo pelo tratamento de caldo tivemos que nos preocupar principalmente com o perfil de cor nos produtos, já que 100% de açúcar deverá ser refinado. Aqui também é sempre melhor reduzir cor antes do que depois, para minimizar os custos operacionais na refinaria. Sugerimos sulfitação do caldo e flotação do xarope, para buscar um xarope com 12.000 UI de cor e açúcar VHP com 1.000 UI no máximo. A sulfitação foi devidamente bombardeada porque disseram que os clientes a proíbem, a flotação foi bem recebida. Estranha esta implicância com o sulfito no açúcar. Vinho francês usa sulfito como conservante e ninguém reclama! O importante é garantir os limites impostos para cada produto.

Estivemos discutindo com consultores indianos as várias possibilidades para o tratamento do lodo. Eles informaram que várias usinas na Índia já estão usando em escala industrial decanters (centrífugas horizontais), obtendo torta com 60% de umidade e pol pelo menos 50% menor do que com os filtros rotativos. Disseram que o investimento retorna. Perguntei sobre a qualidade da cana e confirmei que é uma cana muito limpa, daquela que na Usina da Barra chamávamos de “Cana Bombril”, quase que polida, e consequentemente com pouco material abrasivo no lodo. Será necessário testar estas máquinas com lodo proveniente de cana verde colhida mecanicamente para avaliar se os custos de manutenção não seriam impeditivos. Acabamos decidindo pelos filtros no nosso projeto, já que é o tipo de cana a ser processada no projeto.

Chegando ao cozimento propusemos a eventual dissolução do magma C no caso de cana ruim de baixa pureza. Aqui vale lembrar que a recuperação no cozimento depende muito da percentagem de cristais obtida na massa A. É uma situação análoga à da moenda, pois uma boa recuperação na massa A é meio caminho andado para uma boa recuperação geral e para uma cor mais baixa no açúcar VHP. Importante sempre lembrar que um bom cozimento A pode ser desperdiçado na operação das centrífugas automáticas, basta haver muita lavagem com dissolução excessiva de cristais e raspadores ineficientes que podem deixar açúcar na tela que em seguida vai virar mel rico. Hoje em dia medidores de cor do açúcar úmido em linha são uma realidade para evitar este tipo de problema em tempo real.

Na refinaria a polêmica girou em torno da capacidade da planta, que estava prevista para operar apenas na safra de no máximo seis meses. Argumentamos que é mais seguro e mais barato estocar açúcar VHP em granel do que estocar açúcar refinado, que precisaria obrigatoriamente de silos de condicionamento e armazenamento com atmosfera mais ou menos controlada. Assim a solução adotada for ter durante todo o ano cogeração, refinação e destilação, pois desta maneira o melaço dos tachos de recuperação da refinaria pode ser encaminhado para a fermentação.

E por falar em fermentação numa região de clima muito quente o controle da temperatura vem à tona. Aqui também é recomendado usar o mosto com a mínima temperatura possível, quanto mais gelado, melhor, pois seguramos a temperatura logo no início da fermentação quando há grande dissipação térmica.

Chegamos às caldeiras. Trata-se de uma moagem de 2.000.000 t de cana que no Brasil processamos com apenas uma caldeira. Por via das dúvidas propusemos duas caldeiras. O cliente quer instalar três caldeiras!

Quando, recém-formado engenheiro, fui trabalhar em uma usina onde logo aprendi o conhecido ditado: “Quem tem dois tem um, quem tem um não tem nenhum”. É uma cultura difícil de erradicar no nosso setor, pois quem cultiva boa pratica de manutenção pode operar com menor número de equipamentos, o que diminui a probabilidade de falhas.

Com relação ao vapor de processo os mesmos consultores indianos informaram que já estão trabalhando com 35% de vapor de processo sobre a cana moída, incluindo a refinaria e a destilação. Será um belo desafio!

Outra questão genérica que foi discutida é o ritmo de implantação da indústria. Há investidores do setor que querem implantar tudo de uma só vez porque a obra fica mais barata. É sempre necessário argumentar que o canavial não se implanta de uma só vez, é um empreendimento agrícola que leva de 3 a 4 anos para ser implementado. É mais racional investir no início mais dinheiro na cana e ampliar a indústria com os primeiros resultados financeiros da moagem.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br