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Dilemas STAB - Mai/Jun 2004

O Aurélio nos ensina que um dilema pode ser definido como uma situação embaraçosa, com duas saídas ou alternativas difíceis ou penosas, uma das quais devemos escolher. Às vezes temos também trilemas, quando as possibilidades são três.

Iniciamos recentemente o projeto básico de uma nova planta para a produção de açúcar e de álcool, e é interessante notar a quantidade de dilemas que vão aparecendo à medida que tentamos consolidar os critérios do projeto de engenharia.

A escolha de uma das alternativas naturalmente depende também do aspecto custo inicial, pois não existe engenharia sem economia, e dinheiro é sempre muito importante. Entretanto, vamos supor que estamos numa situação de vento a favor, com bons preços para o açúcar e para o álcool e com linhas de crédito vantajosas que poderiam amortecer as desvantagens de custo inicial mais elevado no projeto financeiro do empreendimento. Neste caso, as decisões seriam tomadas com base em critérios mais técnicos do que econômicos. Quais seriam nossas escolhas?

Nossa idéia é provocar e gerar discussão, indicando nossas preferências. Mas qualquer problema de engenharia tem no mínimo duas soluções, e a solução adotada depende muito do estilo de cada empresário e de cada técnico.

Seguindo a linha natural do processo, iniciamos com a recepção de cana. O pequeno estoque de cana para atender às trocas de turno do transporte será feito em pátio, em barracão ou sobre carretas? É uma questão que depende muito do sistema de transporte, mas consideramos que a tendência é planejar um pequeno estoque sobre carretas.

Vamos providenciar instalações para tratar água de lavagem de cana para lavar apenas em períodos de chuva, vamos instalar apenas sistemas de limpeza a seco ou não vamos instalar nada? Ou uma combinação dos dois? Continua sendo um dilema para nós, pois os sistemas de limpeza a seco ainda não são eficientes em tempo de chuva e os sistemas de lavagem são caros, poluentes e provocam perdas de açúcar.

A esteira de cana principal será com lençol de borracha ou com taliscas metálicas? Sob o sistema de preparo será metálica, mas e se houver outra esteira antes? Acreditamos que a tendência seja a esteira com lençol de borracha na região que antecede os picadores e o desfibrador.

O sistema de preparação da cana terá desfibrador leve ou desfibrador pesado? Claro, se for instalado difusor o desfibrador será pesado, mas e se tivermos moendas? No Brasil moendas de seis ternos com um ou outro tipo acabam apresentando níveis de extração semelhantes. Um belo dilema. Pessoalmente acreditamos que no futuro teremos apenas um desfibrador pesado, sem niveladores ou picadores, e com uma potência instalada equivalente à soma do conjunto picadores e desfibrador leve.

O próximo dilema é clássico. Moenda ou difusor? Naturalmente vamos encontrar defensores apaixonados dos dois sistemas, e as comparações técnicas já são todas bem conhecidas. Neste caso em particular a moenda foi escolhida em função da grande flexibilidade de capacidade necessária durante a implantação da indústria, da ordem de 1:3. Fica difícil instalar apenas um difusor com capacidade tão elástica.

Definido o uso de moendas, aparece então um trilema sobre o acionamento: turbina a vapor, motor hidráulico ou motor elétrico. A flexibilidade de capacidade de 1:3 exige rotações muito baixas na moenda nas safras iniciais, o que praticamente inviabiliza o uso da turbina. Entre o motor hidráulico e o motor elétrico este último apresenta maior eficiência energética, e deveria ser escolhido se a planta for preparada para cogeração no futuro.

No tratamento de caldo há a discussão a respeito do tipo dos regeneradores de calor, a placas ou de contato direto. Trocadores a placas conseguem recuperar mais calor, mas apresentam o eterno problema das limpezas freqüentes. Os regeneradores de contato direto são menos eficientes mas operam de forma contínua sem necessitar de paradas para limpeza. A decisão final vai depender de quanto eficiente a planta deverá ser do ponto de vista energético.

Para o processamento do lodo há que escolher entre filtro rotativo a vácuo e prensa desaguadora. A prensa tem menor custo inicial, entrega caldo filtrado mais claro e torta mais seca, porém temos que arrumar um destino adequado para as grandes quantidades de água de lavagem da tela. Há técnicos que defendem até sistemas mistos, com filtros trabalhando em paralelo com prensas, com o objetivo de explora bem as vantagens de ambos os sistemas. Para nós continua um dilema, aceitamos comentários.

Evaporadores tubulares ou a placas? Pessoalmente acreditamos que para caldo de cana o uso de evaporadores a placas não está consolidado, principalmente no que se refere às limpezas, preferimos os tubulares. Os riscos de entupimento em evaporadores a placas ainda continua muito alto.

Cozimento contínuo ou em bateladas, outro dilema clássico, pois ambos os sistemas vão produzir açúcar de boa qualidade. A grande vantagem do cozimento contínuo permanece sendo a possibilidade de operar de forma estável e com vapor de aquecimento de baixa temperatura, o que significa muito maior eficiência energética. Sem dúvida tem a nossa preferência.

Cozimento contínuo casa bem com condensadores evaporativos, pois o vapor a ser condensado tem fluxo mais constante. É uma possibilidade a ser considerada no lugar dos condensadores barométricos. Aqui não há trilema porque condensadores tipo multijato não devem sequer ser considerados, são muito pouco eficientes.

A fermentação será contínua ou em bateladas? E se começamos apenas com caldo, sem mel? Não é nossa especialidade, mas o que temos sentido de quem entende é que a tendência é a fermentação em bateladas, mesmo com 100% de caldo. Os custos de sistemas de automação tem se reduzido muito ultimamente, e estes custos eram a grande desvantagem da fermentação em bateladas, que exigia mais mão de obra. Uma fermentação em bateladas, bem automatizada, usará praticamente a mesma mão de obra da contínua e terá maior flexibilidade operacional, principalmente quando o mel esgotado vier, e provavelmente terá uma eficiência fermentativa ligeiramente melhor.

O sistema de desidratação poderá ser com ciclo hexano (CH), com mono etileno glicol (MEG) ou com peneira molecular (PM). Neste caso uma combinação é interessante. Podemos começar com CH e uma coluna de destilação de maior capacidade. Numa segunda etapa, dobramos a capacidade de produção de álcool hidratado com as três colunas já existentes e instalamos a unidade de desidratação com MEG ou com PM. A decisão sobre qual sistema escolher vai depender da exigência de eficiência energética da planta, sendo a PM a mais eficiente do ponto de vista de consumo de energia.

Como dissemos anteriormente, cada um resolve seus dilemas em função do seu estilo. Qual é o seu estilo, mais arrojado, mais conservador? Mas ainda bem que os dilemas existem, com eles a vida tem mais sabor. Já imaginou se não houvesse mais técnicos discutindo sobre qual é melhor: moenda ou difusor? Seria um mundo sem graça!

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br