Degradação de Açúcar na Evaporação
Estivemos participando recentemente do evento do Pecege da ESALQ em Piracicaba, quando foram apresentados os relatórios referentes aos custos de produção e de processamento de cana para a produção de açúcar e de etanol referentes à safra 2018/2019.
As informações apresentadas indicam uma realidade difícil de custos crescentes para a produção de cana associados com preços deprimidos do açúcar no mercado internacional, sem que haja uma perspectiva clara de melhoria no curto e médio prazo.
Em alguns casos o preço da cana já atinge cerca de 75% do custo total de produção de açúcar e de etanol, e no setor industrial cada vez há menos oportunidades de redução de custo operacional, pois as unidades bem administradas já reduziram para perto do limite a despesa com pessoal que é a parcela mais relevante do custo fixo industrial.
Por outro lado, os resultados mostraram que as usinas que tem receitas decorrentes de venda de energia elétrica apresentam uma posição um pouco mais confortável, sendo que em alguns casos estas receitas são a diferença entre estar no lucro ou no prejuízo operacional. Desta maneira, maximizar a venda de energia é indispensável para manter a sustentabilidade do negócio.
Porém maximizar a recuperação do açúcar e a exportação de energia são atividades conflitantes. Para aumentar a geração de energia é necessário reduzir o consumo de vapor de escape (VE) no processo, o que é possível com grandes volumes de sangria de vapor vegetal V1 e V2, com os assim chamados sistemas de evaporação “cabeçudos”. Mas esta prática impõe a necessidade de mantermos o caldo durante mais tempo a altas temperaturas, já que menor consumo de VE implica na instalação de mais superfície de evaporação em relação à cana processada (m2/tch). Um sistema tradicional de evaporação sem sangrias utiliza uma relação m2/tch menor e submete o caldo a temperatura mais alta durante um menor período de tempo, mas como não existe almoço grátis, o preço a pagar é um maior consumo de VE.
Três fatores são relevantes para determinar a taxa de inversão e degradação do açúcar no caldo que está sendo evaporado, o pH, a temperatura e o tempo de residência. O caldo com pH entre 7,0 e 7,2 apresenta pouca inversão (0,1 a 0,2% por hora), mas com pH abaixo de 6,0 a taxa de inversão acelera rapidamente podendo chegar entre 2,0 a 3,0%. A temperatura aumenta a taxa de inversão em cerca de 5 vezes quando vamos de 100 oC a 125 oC, podendo chegar a 0,15% por hora com pH na faixa de 7,0. O tempo de residência no sistema de evaporação também aumenta a inversão e a degradação do açúcar, com perdas estimadas de 1,0% para o intervalo de 5 a 10 min, de 2,0% para o intervalo de 10 a 20 min e de 3,0% para o intervalo de 20 a 30 min.
Os valores de referência acima puderam ser verificados em campo na Austrália com um trabalho desenvolvido por Rackemann e Broadfoot e cujos resultados foram apresentados no último congresso da ISSCT realizado na Tailândia em 2016. Eles mediram as perdas de açúcar no sistema de evaporação em duas usinas, uma com evaporação “cabeçuda” (exportando energia elétrica, Usina A) e outra com evaporação tradicional sem sangria relevante e com menor temperatura e menor tempo de residência nos primeiros efeitos da evaporação (Usina B). Os resultados indicaram que na UA houve perda de 0,85% do açúcar na evaporação a qual resultou em 1,16% de redução na produção de açúcar em função de menor recuperação no setor de cozimento com 3 massas. Na UB houve perda de 0,05% do açúcar apenas. Eles chegaram à conclusão de que perdas na evaporação na faixa de 1,0% podem provocar redução de 1,6% na produção de açúcar, uma quantidade relevante do ponto de vista econômico. Os resultados práticos do ensaio mostraram-se consistentes com os valores de referência acima mencionados.
Assim, como a exportação de energia é indispensável do ponto de vista econômico e a perda de açúcar é inevitável do ponto de vista do processo, temos que adotar procedimentos visando maximizar a primeira e minimizar a segunda. Estes procedimentos podem ser de caráter operacional ou da engenharia do processo.
Do ponto de vista operacional talvez o fator mais importante seja garantir a operação da planta com previsibilidade e com regularidade.
A previsibilidade consiste em definir claramente o balanço de massa e de energia (BME) da planta para períodos no máximo semanais em função do ritmo de moagem, da qualidade da matéria prima e do mix de produção estabelecido pela divisão comercial da empresa. Os operadores do COI devem conhecer o BME definido e monitorar e eventualmente controlar o processo visando respeitar o BME, sem provocar alterações no processo quando não houver concordância explícita da gerência operacional. Previsibilidade também se atinge com uma boa disponibilidade da planta (operação com alta eficiência de aproveitamento de tempo, no mínimo de 96% quando há cana disponível). Perdas indeterminadas aumentam nas plantas com excessivas paradas e partidas em função de falhas mecânicas. Nossa experiência indica que é até possível ter uma baixa recuperação de açúcar com alta disponibilidade da planta, basta cometer erros na condução do processo. Porém é muito difícil conseguir uma alta recuperação de açúcar com uma baixa disponibilidade da planta, já que a operação irregular irremediavelmente aumenta as perdas indeterminadas.
Com relação ao pH do caldo o sistema de controle correspondente deve operar adequadamente com o devido controle automático do grau Baumé do leite de cal e com a devida dosagem do leite no caldo por meio de uma adição preliminar em função de balanço mássico e de uma adição final em função da medição do pH.
A temperatura do caldo é definida em função do projeto de engenharia correspondente e não há muito que podemos fazer além da sua monitoração. Mas é nossa obrigação evitar a eventual ocorrência de “pontos quentes” na evaporação em função de falta de molhamento dos tubos. A operação irregular pode causar falta de líquido momentânea com o decorrente aumento da temperatura e consequente perda de açúcar.
O tempo de residência também é definido em função do projeto de engenharia correspondente e podemos procurar minimiza-lo durante a operação com um adequado sistema de controle. Um bom sistema de controle é aquele que garante um fluxo regular de caldo na entrada e um fluxo regular de xarope na saída da evaporação, visando fundamentalmente garantir o molhamento mínimo dos tubos sem aumentar o tempo de residência desnecessariamente. O brix do xarope pode e deve ser monitorado, mas não deve ser controlado. O brix adequado vai ser naturalmente obtido com uma evaporação bem dimensionada, sendo limpa com a regularidade necessária e com um adequado fornecimento de VE. Não devemos também procurar controlar o nível de caldo/xarope nos evaporadores, pois trata-se de um sinal de medição difícil e cujas ações de correção mais atrapalham do que ajudam o sistema de evaporação, causando geralmente pontos quentes ou aumento de tempo de residência.
Por outro lado, é importante determinar periodicamente a curva de brix da evaporação, para avaliar se a mesma está operando conforme projetado. A medição do condensado de escape (CE) é um dado importante para se auferir a quantidade de energia térmica que está sendo fornecida para o sistema produzir o xarope com um brix mínimo necessário.
A perda de açúcar na evaporação pode também ser reduzida indiretamente no caso do Brasil procurando-se operar com uma adequada recuperação de açúcar no sistema de cristalização e centrifugação. Como se produz muito etanol por aqui, é muito comum nos depararmos com recuperação muito baixa na fábrica de açúcar. Com duas massas devemos buscar uma recuperação na faixa de 78% a 80%, mas é frequente encontramos valores até abaixo de 70%, principalmente quando o mix está alcooleiro. Trabalhar com baixa recuperação na fábrica na prática significa submeter uma certa quantidade de açúcar a alta temperatura durante mais tempo e assim aumentando as perdas de forma desnecessária.
Do ponto de vista da engenharia do processo talvez o fator mais importante em plantas existentes seja o tipo e a capacidade dos evaporadores adotados com relação ao seu tempo de residência.
O sistema de evaporação não deve ser superdimensionado, pois provavelmente haverá aumento no tempo de residência, sem necessidade. Se houver exigência de grande variação no mix de produção de açúcar, a solução é adotar evaporadores do tipo multicalandras, os quais apresentam melhor possibilidade para se adequar a superfície de troca necessária para cada mix de produção.
Mas por outro lado, como no Brasil há uma expressiva produção de etanol, é possível projetar sistemas de evaporação específicos visando minimizar a degradação de açúcar e ainda assim manter um baixo consumo de VE para maximizar a exportação de energia elétrica.
O sistema que desenvolvemos consiste em não submeter a alta temperatura a maior parte do açúcar contido no caldo para um mix de produção na faixa de 50%/50%. A solução proposta é produzir xarope a partir do caldo primário em quatro efeitos usando como fonte térmica V1 no lugar de VE, retornando todo o caldo filtrado para a produção de etanol. Neste arranjo específico apenas cerca de um terço do açúcar contido no caldo fica submetido à temperatura de 115 oC no primeiro efeito e há um aumento de consumo de VE de cerca de 9% em relação a um esquema tradicional, porém ainda abaixo do valor de 40% sobre a cana, o qual é um valor limite para a adoção de turbo geradores de condensação.