Decantador Rápido?
Nem tão rápido assim! Esta última frase parece letra de música do Gil, e pode servir de inspiração para discutirmos um pouco sobre o decantador sem bandejas. É o decantador sem bandejas que é rápido ou é o decantador convencional que é lento?
Quando, recém formado, comecei a trabalhar em uma usina de açúcar, recebi logo a tarefa de pegar uma amostra de caldo no picador de cana. Claro que era mais um dos trotes daquela época. A vida de recém formado não era fácil, e eu estava sempre às voltas com tarefas que, embora não fossem sempre trotes, eram repetitivas e chatas.
Uma destas tarefas era a avaliação, no laboratório, dos diversos floculantes disponíveis no mercado, aplicados com diferentes concentrações e dosagens. Em amostras de caldo misto aquecido, com valores diferentes de pH, eram adicionados floculantes diferentes e com dosagens diversas, para se fazer uma avaliação visual da floculação das impurezas em cada caso.
Era interessante notar a alta velocidade de sedimentação das partículas quando uma correta combinação de pH e de floculante provocava uma boa floculação. As partículas desciam rapidamente e chegavam ao fundo do tubo de ensaio em poucos segundos. A velocidade de sedimentação era significativamente alta.
Naturalmente a condição em laboratório não reproduz fielmente as condições práticas de processo, mas as experiências daquele tempo nos levam a discutir alguns conceitos, de maneira a perdermos o receio de usar o decantador sem bandejas, o qual a nosso ver será o futuro em nossas usinas. Fazer o mesmo trabalho de separação com menor tempo de residência sempre será vantajoso.
A primeira observação a fazer é que a parte mais importante da operação de clarificação ocorre na verdade fora do decantador. Trata-se da floculação. Sem uma boa floculação não há separação eficaz, pois não há diferença significativa de densidade entre as partículas e o meio, tão necessária como nos ensina a Lei de Stokes.
Para se obter uma floculação adequada é indispensável temperatura correta e constante, pH correto e constante e dosagem adequada de floculantes.
A temperatura constante na faixa de 105 ºC a 108 ºC é indispensável para se obter uma correta remoção do ar no tanque de flash. Para tanto, basta ter superfície de aquecimento suficiente em aquecedores usando vapor vegetal com 115 ºC, sem nenhum controle sofisticado.
O pH constante na faixa de 6,8 a 7,2 também é indispensável, para garantir que os fenômenos físico-químicos associados ao processo de floculação ocorram de forma estável e adequada. Hoje em dia, com os novos recursos disponíveis, como os eletrodos e os controladores modernos, um pH constante não é luxo, é necessidade. O importante é definir uma rotina eficaz para a limpeza periódica dos eletrodos.
Já a adição controlada de floculante deve ser feita preferencialmente por meio de bomba dosadora com rotação variável através de conversor de freqüência. Cuidado especial deve ser tomado na preparação do floculante, usando-se água de qualidade e tempo suficiente para diluição, sem agitação excessiva.
Após a adição de floculante é necessário dispor de uma câmara de floculação, onde se faz a homogeinização da mistura entre o caldo e a solução de floculante. Esta homogeinização deve ser feita de forma suave, sem agitação intensa que poderia causar dispersão dos flóculos já formados.
Em seguida vem uma operação importante que é a alimentação bem distribuída do caldo no decantador. A distribuição do caldo de forma homogênea ao longo do perímetro do decantador sem bandejas é mais fácil do que ao longo do perímetro de decantador convencional. Isto porque no decantador sem bandejas o caldo verte por uma calha especial, garantindo assim uma perfeita distribuição e por conseqüência um tempo de residência constante para todas as porções do caldo. Já no decantador convencional a alimentação é feita no seio do líquido que já se encontra dentro do decantador, tornando bem mais difícil a tarefa de distribuir bem o caldo no decantador. Esta má alimentação provoca um dispersão de tempos de residência, ou seja, uma parte do caldo entra e sai rápido e outra fica por muito mais tempo.
Como no decantador sem bandejas a alimentação e a descarga do caldo são feitas por meio de calhas tipo vertedores, esta solução permite a quase eliminação de fluxos cruzados horizontais. Ou seja, a maior parte dos fluxos de caldo é constituída de fluxos verticais, para baixo ou para cima. Na zona de alimentação, os flóculos formados descem praticamente na vertical até o fundo, e o caldo claro sobe também em fluxos praticamente verticais. Nos decantadores convencionais há muitos fluxos cruzados que tornam mais difícil a separação dos flóculos, razão pela qual é necessário um tempo de residência duas a três vezes maior.
A retirada do caldo por meio de vertedores tem a vantagem de garantir fluxos ideais, mas tem a desvantagem de levar os resíduos sobrenadantes juntamente com o caldo claro. Por esta razão, ao usarmos decantador sem bandejas, é obrigatório usarmos peneiramento para o caldo clarificado. Entretanto, esta é uma prática já consolidada mesmo para quem usa decantador convencional, pois nestes equipamentos, mesmo com tempo de residência maior, não conseguimos garantir a eliminação completa do bagacilho fino.
Já a remoção de lodo do decantador sem bandejas deve ser feita de forma automática, pois o baixo tempo de residência torna muito difícil a sua operação manual. Esta operação já tem também equipamentos com tecnologia bem consolidada, ou seja, transmissores de densidade do lodo associados com bombas de deslocamento positivo acionadas por meio de motor com conversor de freqüência. Garantimos assim uma consistência estável do lodo que está sendo retirado do equipamento.
Para que a retirada automática do lodo funcione a contento, é importante termos uma vazão estável na alimentação. É importante frisar que mencionamos a expressão vazão estável, e não vazão constante. Muitos críticos do decantador sem bandejas pensam que ele só trabalha com vazão constante, o que não é verdade. O que não desejamos são variações bruscas de vazão, e variações suaves são facilmente obtidas com sistemas de automação inteligentes que controlam o nível do tanque de caldo misto com “set-point” variável. Quando o nível do tanque começa a subir, o sistema aumenta de forma gradativa a vazão de modo a evitar que o nível chegue a um ponto em que a vazão deva ficar perto de zero. Da mesma maneira, se o nível começa a baixar, a vazão começa a ser reduzida de forma gradativa de maneira a evitar que o tanque seque. Se impusermos um “set-point” constante na variável nível do tanque, então poderemos ter variações intensas de vazão que não são desejáveis.
Concluindo, consideramos que uma hora de tempo de residência é mais do que suficiente para uma boa separação, desde que a floculação tenha sido adequada. E floculação adequada, conforme procuramos demonstrar, depende de bons procedimentos de controle, e não deste ou daquele tipo de decantador.
Portanto, podemos dizer que o decantador sem bandejas, embora tenha adquirido a fama de rápido, não é tão rápido assim. Uma hora é tempo de sobra para a sedimentação quando se tem flóculos bem formados. Os outros decantadores é que são extremamente lentos. E o decantador sem bandejas é o futuro, principalmente à medida que dermos mais e mais atenção às operações preliminares que garantem a floculação ideal.