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Contratos para Implantação de Projetos Agroindustriais STAB - Abr/Mai/Jun 2023

Fomos consultados recentemente para opinar sobre um Procedimento Arbitral (PA) relativo à implantação de uma UTE baseada em queima de biomassa. No PA a Contratante reclamava que a Contratada, com a qual havia assinado um “Contrato EPC/Turn Key”, não estaria cumprindo as cláusulas de garantia contratuais.

Ficamos curiosos com o termo “Contrato EPC/Turn Key”, já que todo contrato EPC é por sua natureza um contrato Turn Key (TK), mas um contrato TK não é necessariamente um contrato EPC. Mas uma análise preliminar da documentação do PA disponibilizada mostrou que, na realidade, o contrato assinado entre as Partes estava modelado para ser uma mistura de contrato EPCM com contrato IP.

Esta consulta nos ajudou assim a escolher o tema deste texto, ou seja, discorrer sobre as características, as vantagens e as desvantagens dos tipos de contrato que têm sido praticados para a implantação de projetos no setor agroindustrial do Brasil.

Os aspectos mais relevantes para a definição do tipo de contrato são o investimento inicial (Capital Expenditure - Capex), o custo operacional (Operational Expenditure - Opex), a garantia global de desempenho da planta (Performance Bond Guarantee - PBG) e a eventual disponibilidade de equipe técnica própria à disposição do contratante, equipe esta que deve ser competente e experiente.

É indispensável ressaltar desde logo que Capex e Opex são aspectos conflitantes na decisão, lembrando que o Capex se gasta apenas na implantação e o Opex se gasta durante toda a vida útil da planta. Geralmente Capex mais baixo (subfornecedores de segunda linha, materiais menos resistentes à abrasão e à corrosão, controle e automação insuficientes, etc.) resulta em Opex mais alto (maior equipe de operação, maior custo de manutenção, paradas mais frequentes por baixa confiabilidade operacional, etc.).

Um contratante que está planejando vender o seu projeto pensa mais no Capex do que no Opex, mas um contratante que planeja operar a planta pelos próximos 30 anos deve pensar mais no Opex e na confiabilidade operacional do que no Capex. Já um contratante que depende de financiamento atrelado a uma garantia global, deve resolver a questão de como obter um PBG.

Mas como o Capex costuma ser o aspecto que mais sensibiliza o bolso dos investidores na fase inicial dos projetos, vamos listar os tipos de contrato pela sua típica ordem crescente de valor relativo de Capex.

Seguindo este critério vamos comentar os contratos TK (Chave em Mãos), IP (Integração de Pacotes), EPCM (Gerenciamento Global) e EPC (Fornecimento Global). Como o contrato IP é o que foi mais utilizado no setor canavieiro brasileiro durante a grande expansão do canavial nas duas primeiras décadas deste Século XXI, adotamos para nossas comparações o valor apenas referencial de 100% nos aspectos Capex e Opex dos contratos IP. 

O contrato TK costuma apresentar o menor Capex e geralmente é adotado pelos grandes fabricantes de equipamentos ou por um consórcio formado entre estes fabricantes. O gerenciamento da implantação é executado pelo contratado. Nesta modalidade o contratante apresenta as suas necessidades de uma forma geralmente simples, no máximo com um Projeto Conceitual, e o contratado desenvolve o Projeto de Implantação da planta industrial. Trata-se de uma modalidade na qual geralmente o contratado sabe o que está vendendo, mas o contratante não sabe o que está comprando. 

As vantagens do contrato TK são o Capex mais baixo, na faixa entre 80% e 90% do contrato IP, e a eventual possibilidade de se obter um PBG, que pode ser necessário junto aos agentes financiadores. 

As desvantagens do contrato TK são o Opex mais alto e a baixa credibilidade do PBG, quando oferecido. Como vimos antes, Capex e Opex são parâmetros conflitantes. Opex mais baixo sempre vai exigir Capex mais alto. O contratado da modalidade TK não está interessado, por exemplo, em projetos preparados para futuras expansões e com baixos custos de manutenção e de operação, pois seu maior interesse é maximizar seu lucro no curto prazo. Por outro lado, sem um Projeto Básico na época da contratação, é mais difícil definir criteriosamente as premissas para a emissão do PBG, e a prática tem demonstrado que esta garantia costuma ter pouco valor para o contratante. Embora seja inaceitável, são comuns contratos na modalidade TK sem a existência, por exemplo, de uma lista de subfornecedores, Vendor List, aprovada pelocontratante, situação que permite ao contratado utilizar materiais e subfornecedores menos qualificados na implantação do projeto.

O contrato IP costuma apresentar um Capex intermediário e necessita a contratação de uma empresa de consultoria e de engenharia especializada para desenvolver o Projeto Conceitual da planta e para emitir as especificações técnicas para a compra dos grandes pacotes de equipamentos e de serviços. O gerenciamento da implantação é executado pela equipe do contratante, que posteriormente vai operar a planta, com ou sem o auxílio de profissionais terceirizados. A compra dos equipamentos e dos serviços é feita diretamente pelo contratante com o apoio técnico da empresa de consultoria. Quando os fornecedores dos pacotes estão definidos, a empresa de engenharia desenvolve o Projeto de Implantação a partir do Projeto Conceitual.

As vantagens do contrato IP são permitir ao contratante decidir sobre o balanceamento entre Capex e Opex e contar durante a implantação do projeto com o comprometimento da mesma equipe técnica que posteriormente será responsável pela operação e pela manutenção da planta. Nossa experiência mostra que a seleção de equipes de implantação e de operação totalmente independentes não costuma apresentar bons resultados durante a posta em marcha da planta, devido à inerente diluição das responsabilidades.

As desvantagens do contrato IP são a falta de um PBG para os bancos financiadores e o custo do contratante para arregimentar, de três a dois anos antes da posta em marcha da planta, os profissionais especializados que ficarão encarregados da supervisão da implantação, da operação e da manutenção.

O contrato de Gerenciamento Global (Engineering, Procurement and Construction Management ou EPCM) costuma apresentar um Capex na faixa de 105% a 110% do contrato IP. Eventualmente mais, dependendo das condições do PBG exigido pelo contratante. É recomendável a contratação de uma empresa de consultoria e de engenharia para desenvolver o Projeto Básico da planta e para emitir as especificações técnicas para a compra dos grandes pacotes de equipamentos. O gerenciamento da implantação é executado pela equipe de uma empresa especializada em gerenciamento de projetos, que cuida da engenharia, dos suprimentos e da obra. A compra dos equipamentos e dos serviços principais é feita diretamente pelo contratante, com o apoio técnico da empresa de gerenciamento. A compra dos itens que representam grandes quantidades e baixos valores unitários é feita diretamente pela empresa de gerenciamento em nome do contratante. O contrato EPCM é relativamente mais flexível, permitindo várias combinações entre o contratante e a empresa de gerenciamento no que diz respeito às responsabilidades e às garantias de cada parte.

As vantagens do contrato EPCM são permitir ao contratante decidir sobre o balanceamento entre Capex e Opex e dispor, durante a implantação, de uma equipe especializada em gerenciamento de projetos. Dependendo do contrato estabelecido entre as partes, um PBG específico pode ser negociado para auxiliar na obtenção de financiamento.

As desvantagens do contrato EPCM são o Capex mais elevado e a necessidade de se obter uma boa integração entre a empresa de gerenciamento de projetos e a futura equipe de operação e de manutenção da planta. Mas trata-se de modalidade de contrato interessante quando o contratante não dispõe de equipe técnica experiente para acompanhar o Projeto Básico e a implantação da planta.

O contrato de Fornecimento Global (Engineering, Procurement and Construction ou EPC) costuma apresentar um Capex na faixa de 120% a 130% do contrato IP. É absolutamente indispensável a contratação de uma empresa de consultoria e de engenharia para desenvolver o Projeto Básico da planta e para emitir as especificações técnicas detalhadas para a cotação do contrato EPC. Nesta modalidade o desenvolvimento de um Projeto Básico adequado é importante para que as cotações sejam homogêneas. O gerenciamento da implantação é executado pela equipe da empresa selecionada, o Epecista, a qual será responsável pela engenharia de implantação, pelos suprimentos e pela obra. A compra de todos os equipamentos e de todos os serviços é feita diretamente pelo Epecista. O Epecista fornece o PBG e todo o projeto pode ser implantado com assinatura de apenas um contrato entre o contratante e o Epecista.

As vantagens do contrato EPC são permitir ao contratante decidir sobre o balanceamento entre Capex e Opex, pois com o Projeto Básico o investidor sabe exatamente o que está comprando, e dispor de um PBG para auxiliar na obtenção do financiamento. O contratante não precisa dispor de uma equipe técnica para o gerenciamento de implantação do projeto. O investidor praticamente não tem trabalho, necessitando apenas contratar e capacitar no devido momento as equipes de operação e de manutenção.

A desvantagem do contrato EPC é o Capex mais elevado, pois o Epecista precisa cobrar pelas garantias de desempenho e de funcionamento de todos os equipamentos e instalações da planta, o que naturalmente custa a emissão de uma apólice de seguro adequada. Desta maneira, o contrato EPC é geralmente mais utilizado nos setores da indústria que são menos intensivos em capital ou em setores nos quais a margem de lucro dos produtos é mais alta.

A tabela simplificada abaixo apresenta uma comparação qualitativa entre as modalidades de contratos mencionadas.

 

A escolha do contrato a ser adotado vai naturalmente depender dos recursos técnicos disponíveis e das decisões estratégicas de cada contratante em particular. No caso específico do setor canavieiro no Brasil a modalidade IP tem sido a mais usada porque o processamento da cana de açúcar é muito intensivo em capital e porque os produtos finais são commodities que apresentam baixa margem média de lucro. Mas na realidade prática, é importante ressaltar que os contratos da modalidade IP apenas resultaram em sucesso nos casos em que o contratante dispunha de uma equipe técnica experiente e competente.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br