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Cogeração com ciclo termodinâmico regenerativo STAB - Jan/Fev/Mar 2021

Durante o mês de dezembro passado estivemos discutindo com um Cliente o tema do título desta edição. O objetivo da discussão na época era avaliar os prós e os contras no caso de se manter ou não um ciclo regenerativo instalado em uma caldeira que deverá ser reformada em breve.

Podemos iniciar este texto mencionando que as plantas que processam cana de açúcar sempre são projetadas considerando a implantação de um Sistema de Cogeração.

Um Sistema de Cogeração é definido como aquele que, a partir de um combustível (eventualmente dois ou mais) produz simultaneamente energia elétrica (que pode ser convertida em energia mecânica) e energia térmica (que pode ser convertida na forma de calor ou de frio). Como o processamento da cana de açúcar é superavitário do ponto de vista energético, é possível exportar energia elétrica para a rede pública e exportar energia térmica para outras plantas anexas. Hoje em dia, uma possibilidade que vem se tornando cada vez mais comum, entre várias outras, é exportar energia térmica para produzir etanol a partir de milho em unidade anexa a uma usina de cana.

Um Sistema de Geração Pura (a partir de fontes térmicas, excluindo hidroelétricas, parques solares, fazendas eólicas, etc.), é definido como um sistema que, a partir de um combustível (eventualmente dois ou mais) produz exclusivamente energia elétrica para exportação, razão pela qual também são sistemas denominados como ciclos termodinâmicos de geração pura.

Sistemas de geração pura operam com combustíveis que podem ser caros e/ou poluentes, razão pela qual é imprescindível contar com ciclos termodinâmicos muito eficientes, visando reduzir o consumo específico de combustível por MWh exportado. Desta maneira, quanto menor for este consumo específico de combustível, mais rentável será a planta do ponto de vista do seu custo operacional.

Já nos sistemas de cogeração o consumo específico de combustível por MWh exportado perde importância, porque eventualmente a energia térmica consumida e/ou exportada pode ser economicamente muito mais rentável do que a energia elétrica consumida e/ou exportada.

Portanto, a pergunta fundamental quando analisamos ciclos termodinâmicos regenerativos é:

Vou ter mais retorno financeiro consumindo e/ou exportando energia térmica ou energia elétrica?

Como na geração pura os ciclos termodinâmicos regenerativos são praticamente indispensáveis, pois os mesmos reduzem o consumo específico de combustível por MWh exportado, o investidor desprevenido pode eventualmente concluir que também para cogeração os ciclos termodinâmicos regenerativos serão sempre vantajosos. Este investidor pode ser levado a uma avaliação incorreta do retorno financeiro em função de informações tendenciosas do mercado em relação aos ciclos regenerativos, os quais são fundamentais em usinas termoelétricas de geração de energia e principalmente naquelas em que se queima combustível muito mais caro do que bagaço e/ou palha.

Para evitar futuras decepções, o primeiro passo é entender que uma planta de cogeração térmica, com Ciclo Rankine, engloba um sistema que é composto por diversos equipamentos, sendo os mais relevantes as caldeiras e os turbo geradores. As garantias isoladas dos equipamentos independem do sistema, mas o sistema depende sim de uma boa combinação a priori das características destes equipamentos. Não é possível otimizar um ciclo regenerativo negociando separadamente com os fornecedores das caldeiras e dos turbo geradores. O investidor que está negociando um ciclo regenerativo não está adquirindo somente equipamentos isolados, está adquirindo um sistema, sendo as garantias isoladas dos equipamentos fundamentais e indispensáveis para garantir o seu próprio desempenho, mas o desempenho global do sistema vai depender das necessidades energéticas específicas da planta.

Como o desempenho do sistema depende muito das condições específicas de processo da planta, torna-se indispensável desenvolver antes o projeto conceitual do ciclo regenerativo proposto para depois colocar os pedidos de cotações no mercado. Como as caldeiras são equipamentos mais caros e com maior prazo de entrega, é muito comum o investidor comprar a caldeira e depois negociar os turbo geradores. É uma abordagem incorreta, tais equipamentos devem ser discutidos e negociados sempre simultaneamente, na forma de um sistema completo. Os turbo geradores são equipamentos menos “moldáveis e adaptáveis” do que as caldeiras, já que o projeto dos recuperadores de calor das caldeiras pode eventualmente ser otimizado em função das fontes de calor efetivamente disponíveis nos turbo geradores e/ou no processo.

É muito comum no mercado a percepção de que os turbo geradores devem ser dimensionados em função das especificações técnicas das caldeiras. As carcaças e os rotores das respectivas turbinas são projetados de acordo com critérios mínimos de padronização dos componentes e geralmente não é possível para o projetista atender quaisquer demandas de vazão de vapor nas tomadas com pressão e temperatura pré-definidas pelo fornecedor das caldeiras. Por outro lado, o projetista das caldeiras tem mais liberdade para projetar aquecedores de água ou de ar que são equipamentos “externos” à caldeira propriamente dita. É mais fácil aumentar ou reduzir a capacidade destes recuperadores de calor do que alterar o modelo de uma carcaça de turbina. Naturalmente o melhor é sempre dispor de um projeto conceitual do ciclo termodinâmico que mais se adequa às condições específicas do processo.

Outra percepção típica é a de que turbo geradores de contrapressão e de condensação influenciam igualmente um dado ciclo regenerativo. Admitindo que para atender ao processo seja necessária uma extração controlada a 2,5 bar(a), então podemos verificar as consequências de instalarmos na turbina tomadas adicionais de vapor acima ou abaixo desta faixa de pressão, lembrando ainda que no nosso setor a prática usual é definirmos o consumo específico de bagaço da caldeira com água de alimentação na faixa entre 115 e 120 C.

Admitindo as premissas acima e considerando que a caldeira está operando na sua capacidade nominal, qualquer tomada acima de 2,5 bar(a) vai naturalmente reduzir a vazão de vapor de processo. Assim, para manter a mesma capacidade de moagem, será necessário investir em equipamentos adequados para reduzirmos o consumo específico de vapor de processo. Mas, como em função das tomadas de vapor do ciclo regenerativo, temos água e/ou ar mais quentes, o consumo específico de bagaço vai ser reduzido. Por outro lado, como parte do vapor será extraído da turbina antes de chegar à pressão de 2,5 bar(a), com a caldeira operando na sua capacidade nominal, vamos gerar menos energia elétrica no turbo gerador. Portanto, concluímos que tomadas acima de 2,5 bar(a) economizam combustível por unidade de vapor motriz produzido, mas reduzem a geração específica de energia definida em kWh / t vapor motriz.

Qualquer outra tomada com pressão abaixo de 2,5 bar(a) não vai alterar a vazão de vapor entregue para o processo e nem vai alterar o consumo específico de bagaço da caldeira. Mas como podemos aquecer o condensado da turbina, que está a 45 C aproximadamente, utilizando menos vapor de escape, podemos gerar mais energia elétrica com a caldeira na mesma capacidade nominal, já que esta tomada na prática funciona como se fora um ciclo de geração pura (não estamos mais usando calor para o processo). Concluímos assim que tomadas abaixo de 2,5 bar(a) não economizam combustível, mas aumentam a geração específica de energia definida em kWh / t vapor motriz.

Desta maneira, para avaliarmos se as tomadas com pressão acima de 2,5 bar(a) são mais eficazes, um estudo econômico específico será indispensável. Via de regra, estas tomadas serão mais eficazes quanto maior for o custo do combustível que está sendo utilizado e maior for o preço da energia sendo exportada.

Por outro lado, é importante ressalvar que o caso particular de uma tomada acima de 2,5 bar(a) usada para o pré-aquecimento de ar com este vapor, além de economizar combustível, evita a condensação no pré aquecedor de ar com baixa temperatura ambiente, melhorando as condições de manutenção do mesmo. Esta situação diz respeito a uma condição muito particular da combustão do bagaço de cana, que é um combustível com alto teor de umidade.

O ciclo regenerativo não aumenta a capacidade de geração de vapor, na realidade há redução do consumo específico de combustível aumentando, portanto, a geração de vapor por unidade de combustível utilizado. Normalmente o projeto da caldeira deve ser revisto para aumentarmos a capacidade de geração de vapor.

O ciclo regenerativo não aumenta potência elétrica do sistema, na realidade há aumento da produção de energia elétrica por unidade de combustível utilizado. Mas para uma caldeira com capacidade nominal definida, para gerar mais energia elétrica com a mesma quantidade de combustível o sistema deverá operar por mais horas do que com o ciclo convencional.

O ciclo regenerativo nem sempre é vantajoso em qualquer situação, já que o maior investimento pode ou não retornar ao longo do tempo. Existem investimentos que retornam e existem investimentos que não retornam! Com o ciclo regenerativo é a mesma situação, é preciso estudar caso a caso o retorno financeiro do investimento.

É importante ressaltar que qualquer comparação entre ciclos termodinâmicos deve ser feita a partir da mesma base de referência, no nosso caso o consumo específico de bagaço da caldeira com água a 115-120 C e ar com temperatura ambiente.

 Não devemos comparar simplesmente as potências instaladas maiores ou menores de ciclos termodinâmicos distintos, pois trata-se de comparação inconclusiva do ponto de vista econômico. O relevante é determinar uma massa de combustível a ser queimada por safra e a partir desta premissa definir qual será a energia elétrica excedente adicional por ano, com ou sem ciclo regenerativo.

Uma situação peculiar é quando planejamos a instalação de tomadas acima de 2,5 bar(a) e economizamos bagaço no ciclo de contrapressão durante a safra para ser queimado na entressafra. Porém, o ciclo de condensação na entressafra tem uma energia parasita de aproximadamente 10% e custos operacionais mais elevados, além da inexorável degradação parcial do bagaço durante a estocagem. Do ponto de vista econômico, compensa? Provavelmente só compensa se houver demanda térmica também no período da entressafra. Somente um estudo conceitual completo do ciclo regenerativo específico pode responder a esta pergunta de uma forma convincente.

No caso de uma planta de processamento de cana, as variações no consumo de vapor do processo reduzem ou até anulam esta vantagem uma vez que a maior parte do vapor gerado vai para o processo e não para o ciclo de geração termelétrica pura de condensação. Isto é, ao se comprar uma caldeira, possivelmente apenas 1/3 do vapor gerado por esta caldeira na safra irá realmente se beneficiar do ciclo regenerativo.

Concluindo, a implantação do ciclo regenerativo numa usina de cana deve ser avaliada de forma mais abrangente, não se limitando à avaliação individual das caldeiras e/ou dos turbo geradores. Aspectos como operação da usina na safra, instalações existentes, consumo de vapor de processo, custos de operação na entressafra, disponibilidade de palha, etc., devem ser levados em consideração num estudo conceitual antes de qualquer decisão.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br