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Armazenamento do Açúcar STAB - Jan/Fev 2013

Recebemos a visita de um cliente com problemas de empedramento no armazém de açúcar e assim resolvemos discutir hoje, de maneira simples e objetiva e principalmente para os açúcares brancos de qualidade e refinados, os fenômenos físico-químicos que se apresentam durante a estocagem.

O estudo dos fenômenos físico-químicos relacionados com o equilíbrio entre o açúcar e o ar úmido envolve três elementos, a saber:

  • os cristais de açúcar, que podemos admitir como sendo de sacarose pura, o que na prática é uma realidade para açúcares de alta qualidade;
  • a fina película de mel que envolve os cristais, a qual admitimos que esteja saturada e que contenha todos os não-açúcares;
  • o ar úmido que os envolve.

Dois estados de equilíbrio determinam a composição da película de mel: a quantidade de açúcar que constitui os cristais pode ser considerada como uma reserva inesgotável de sacarose (sem água), enquanto que o ar úmido envolvendo o açúcar encontra-se com uma umidade bem definida e pode ser considerado como uma reserva inesgotável de água (sem açúcar). O primeiro estado de equilíbrio diz respeito ao açúcar: a película de mel está sempre saturada de açúcar, o qual é dissolvido do cristal ou restituído ao mesmo. O segundo equilíbrio diz respeito à água: a uma dada temperatura t, a pressão de vapor da água contida no ar é igual à pressão de saturação do vapor menos a queda de pressão de vapor devido à presença de substâncias solúveis no mel.

É possível assim definir a Umidade Relativa de Equilíbrio (URE) de um dado açúcar como sendo a umidade relativa do ar que está em equilíbrio com este açúcar (não haveria transferência de água entre cristal/mel/ar). Salvo indicação contrária, considera-se a temperatura sempre a 20 C.

Supondo-se que o mel está constituído de sacarose, de não-açúcares e de água, pode-se calcular, com a ajuda das tabelas de Grut, a correspondência unívoca entre a pureza do mel que recobre os cristais, a sua concentração (%brix) e o grau de umidade do ar (umidade relativa) que está em equilíbrio com o mesmo.

Assim é possível determinar, para um açúcar com uma dada polarização, os pontos de uma curva que representam a umidade relativa do ar que está em equilíbrio com o açúcar em função da umidade do açúcar. São as chamadas curvas de equilíbrio. Por exemplo, para uma umidade relativa de 81,5%, a pureza do mel é de 90%. Para uma umidade relativa de 76,5%, a pureza do mel é de 80%.

No primeiro exemplo, em 100 g de um açúcar que contém 0,1% de não-açúcares, haverá na camada de mel recobrindo os cristais uma massa de 0,1 g de não-açúcares e uma massa de 0,9 g de sacarose dissolvida.

Entretanto estes são resultados teóricos deduzidos das tabelas de Grut e calculados para um “não-açúcar” padrão que não corresponde exatamente àquele dos açúcares comerciais. Portanto é indispensável fazer medidas práticas de laboratório para se traçar gráficos reais para as mais diversas qualidades de açúcar.

Verifica-se que as curvas de equilíbrio estão relacionadas com a quantidade de impurezas no açúcar. De uma maneira geral, açúcares mais puros devem estar muito mais secos para uma boa conservação (ou seja, para ter uma mesma URE um açúcar mais puro deverá estar mais seco do que um açúcar menos puro).

Teoricamente, para um açúcar de altíssima pureza, teremos uma umidade nula do açúcar para umidades relativas de 0,0% a 86,5% e a seguir infinita, o açúcar assim liquefazendo-se totalmente. Como existem certas impurezas na superfície dos cristais que tem mais afinidade com a água do que o próprio açúcar, as curvas na prática tornam-se arredondadas.

Quando há transferência de água do ar para a película de mel, diz-se que o açúcar “mela”. Por outro lado, quando ocorre migração de umidade da película de mel para o ar, o mel ficará supersaturado e haverá cristalização e o conseqüente “colamento” entre os cristais, ou seja, o chamado “empedramento”.

É importante lembrar que quando o açúcar “mela”, o risco de contaminação por microrganismos aumenta significativamente. Já a ação destes microrganismos provoca o aparecimento de açúcares redutores, que são muito mais higroscópicos do que a sacarose, aumentando assim o teor de umidade e provocando um círculo vicioso que poderá provocar perdas significativas de açúcar estocado. Temos, portanto que evitar durante a estocagem que o açúcar “empedre”, que o açúcar “mele” e que o açúcar seja contaminado por microrganismos.

Para açúcares de pureza menor (pol na faixa de 97,8% a 99,3%), pode-se fazer uso do chamado fator de segurança, sendo que abaixo de certos limites é possível se esperar uma conservação adequada do açúcar sem maiores cuidados de condicionamento. Nesse caso, desde que se tomem alguns procedimentos básicos, apenas o açúcar da superfície de uma grande massa estocada a granel poderá sofrer os efeitos acima mencionados.

Porém para os açúcares de alta qualidade são necessários cuidados muito maiores durante a estocagem.

Ao contrário das hipóteses teóricas indicadas anteriormente, na realidade existe água tanto na superfície dos cristais quanto dentro dos mesmos, principalmente devido às inclusões que ocorrem durante o processo de cozimento. De uma forma geral, a URE de todos os açúcares, na saída de secadores industriais, é bastante elevada. Aparentemente o açúcar encontra-se seco, mesmo com medidas feitas em estufa, entretanto esta não é a realidade.

Se levarmos este açúcar ao laboratório e, em recipientes herméticos e sempre a 20 C, medirmos a sua URE dia após dia, verificamos que são necessários pelo menos seis dias para se restabelecer o equilíbrio entre o açúcar e o ar. Quanto maior for a URE do açúcar no início do processo, mais rápido proporcionalmente se atinge o equilíbrio. Esta demora para se atingir um novo equilíbrio explica o fenômeno chamado de “maturação”. É um comportamento típico do açúcar após sua secagem por equipamentos industriais.

O açúcar, após deixar um secador industrial, está recoberto por uma película de mel altamente supersaturada a qual, em seguida, tende a cristalizar lentamente. A sua URE e a sua umidade aparente (umidade % medida em estufa a 105 C) aumentam progressivamente à medida que a sacarose se cristaliza, ficando assim a água disponível para a sua posterior remoção da película de mel.

Lembramos que a dificuldade de se obter uma secagem perfeita é decorrente da formação de uma camada de mel muito concentrada e muito supersaturada que cristaliza lentamente. Esta camada de mel está recoberta por um “filme” muito concentrado que eventualmente contém micro-cristais de açúcar. É assim conveniente procurar encontrar meios de se evitar a supersaturação e a formação do “filme”, tentando favorecer a velocidade de cristalização sobre o cristal principal. Como a velocidade de cristalização aumenta significativamente com a temperatura, é mais eficaz procurar secar o açúcar a uma temperatura mais alta. Mesmo assim isto não é o suficiente, visto que na determinação da umidade do açúcar em estufa (5 h a 105 C), não é possível retirar toda a umidade do cristal, e muitas vezes conseguem-se apenas a metade (o restante aparece após a maturação). Deve-se assim tentar evitar a supersaturação excessiva do mel pela secagem mais lenta do açúcar e pela não utilização de um ar muito seco, porém com um ar relativamente úmido cujo grau de umidade vai diminuindo à medida que o açúcar vai secando, sem jamais descer abaixo de 50 %.

Podemos assim conceber um secador trabalhando a 60-80 ºC (temperatura do açúcar) com um ar de umidade relativa 50-70% a esta temperatura. Seria interessante reciclar a maior parte do ar tentando manter uma umidade média suficiente. Depois de uns dez minutos deste tratamento, o açúcar poderia ser resfriado com ar, por exemplo, a 20 ºC e 50% de umidade relativa que poderia se juntar ao ar úmido do setor de secagem.

O fenômeno da maturação é assim muito importante na conservação de açúcares de alta qualidade, e deve ser levado em consideração cuidadosamente no dimensionamento dos sistemas de estocagem.

Para uma perfeita conservação, tanto em sacos como a granel, deve-se obter um açúcar que, após a sua maturação, tenha uma URE suficientemente baixa para que a possibilidade de empedramento seja remota e para que as fermentações sejam impossíveis. Para tanto, é preciso obter uma URE, após seis dias de conservação, por exemplo, na faixa de 60%, e sempre abaixo de 70%. Na prática é muito difícil obter tais resultados com secadores comerciais, e de uma forma geral a URE do açúcar na saída dos secadores é muito elevada.

Portanto, será necessário um processo de condicionamento do açúcar de alta qualidade durante a sua estocagem para que o mesmo não se deteriore. O açúcar, não estando suficientemente seco quando da sua chegada ao local de estocagem e estando em condições de sofrer o processo de “maturação” durante os dias seguintes à sua fabricação, deve ser submetido a um processo subseqüente de secagem de maneira a se remover toda a sua umidade à medida que a mesma vai aparecendo.

Isto pode ser obtido pelo insuflamento de ar seco através da massa de açúcar, o que pode ser feito com os silos de maturação. Evidentemente, a quantidade de ar deverá ser proporcional à produção de açúcar.

Embora estivéssemos discutindo principalmente a secagem do açúcar, vale ressaltar que a sua temperatura na saída do secador também é muito importante. Caso o açúcar seja estocado muito quente em um ambiente com baixa umidade relativa no ar, o seu resfriamento natural vai favorecer a evaporação de água e a sua transferência da massa de açúcar para o ar, provocando empedramento.

Vamos procurar discutir os silos de maturação em uma outra oportunidade.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br