Algumas Tendências da Tecnologia Açucareira
Diz o ditado popular que não devemos perder tempo discutindo o futebol, a política e as mulheres.
Já a tecnologia que pode ser aplicada em nossas usinas é nossa obrigação discuti-la e procurar determinar quais soluções são técnica e economicamente vantajosas, mesmo que chegar a conclusões definitivas seja tão difícil como quando discutimos os temas do ditado. Por exemplo, o que é melhor, difusor ou moenda ?
Relendo os trabalhos que foram apresentados no último Congresso da ISSCT realizado em fevereiro passado na Índia, bem como publicações técnicas recentes, pareceu-nos oportuno discutir algumas tendências recentes da tecnologia açucareira que foram apresentadas naquele Congresso.
Quando discutimos alternativas tecnológicas, é importante lembrar que todo problema de engenharia tem no mínimo duas soluções. Cada solução tem sempre vantagens e desvantagens. Se existe uma solução que apresenta apenas vantagens técnicas, é melhor sentar para ouvir o preço. Normalmente o preço é a grande desvantagem. Vamos procurar discorrer sobre alguns temas polêmicos.
Para o processamento da cana de açúcar o difusor veio realmente para ficar. Ele é unanimidade na África do Sul e até na Austrália, país de grande desenvolvimento tecnológico no que diz respeito a moendas, foi instalado recentemente um difusor BMA de grande capacidade. As duas desvantagens principais do difusor, cerca de 5% de consumo adicional de bagaço e caldo misto com cor cerca de 25% maior, são compensadas pela maior extração, pelo menor custo de manutenção e pela maior capacidade de exportar energia elétrica excedente. Na África do Sul já existem inclusive duas usinas que estão operando sem filtros a vácuo, retornando o lodo do decantador para o difusor cujo leito de fibra funciona como elemento filtrante. No Brasil, o que tem limitado o seu uso é justamente a capacidade de investimento das empresas na atual conjuntura econômica.
No item moendas é fato comprovado, na Austrália principalmente, que o controle da rotação individual dos rolos aumenta a extração. No caso do Brasil, uma possibilidade interessante é a instalação de acionamento individual nos rolos de saída por meio de motor hidráulico ou motor elétrico. Foram apresentados também trabalhos que indicam moendas operando sem os rolos de saída e com o rolo superior sem flutuação. Trata-se de uma possibilidade interessante, mas não consolidada ainda na prática.
Para o tratamento do caldo a tendência são os decantadores sem bandeja com baixo tempo de retenção, inclusive para o tratamento de caldo filtrado, caso seja necessário. No Brasil já temos desenvolvido ultimamente equipamentos e sistemas de automação com custo inicial razoavelmente baixo que permitem a instalação de tais decantadores sem riscos na operação. Os decantadores rápidos devem obrigatoriamente operar de forma automatizada, pois o baixo tempo de residência não permite que ocorram variações importantes de vazão, temperatura, pH, floculante, etc. Com decantadores convencionais a remoção de bagacilho por meio de peneiras é importante, com decantadores rápidos é indispensável. O decantador rápido, que produz caldo decantado com menor cor e com menor inversão de açúcar, vai ficar mais importante à medida que eventualmente diminuir a produção de álcool nas usinas.
Para o cozimento a tendência são os tachos contínuos. Os últimos avanços nos sistemas de automação tornaram a tecnologia totalmente dominada para qualquer tipo de massa cozida. Quando comparamos tachos contínuos e tachos em bateladas com superfície de troca térmica equivalente, com os mesmos materiais de construção e com o mesmo grau de automação, normalmente o metro quadrado de tacho contínuo instalado é mais barato e apresenta todas as vantagens de uma operação sem picos de consumo de xarope / mel , água e vapor. O tacho contínuo também pode operar com vapor de aquecimento a baixa temperatura sem uso de circuladores mecânicos. Aqui vale a pena lembrar uma tendência recente no Brasil de se instalar tachos em bateladas “rápidos” com relação de superfície / volume 1:1 (1 m2 / hl). É importante procurar conhecer o volume de pé de tais tachos, já que eles são rápidos mas o que conta é o volume “líquido” de massa cozida produzida em cada batelada (descontando o pé de cozimento). Normalmente a solução de compromisso entre superfície de troca e volume de pé de tachos em bateladas fica numa relação de 1:0,7 , o que dá um volume de pé de cerca de 30%. Tachos contínuos podem operar com menor relação de magma / massa do que os tachos em bateladas. Para se aumentar a capacidade de tachos em bateladas sem comprometer o volume de pé a solução natural é a instalação de circuladores mecânicos.
Para a centrifugação da massa as centrífugas contínuas para massa A já são uma realidade na Austrália. Tais máquinas estão adequadas para a produção de açúcar tipo VHP e tipo refinado granulado, onde a cor do açúcar é cerca de 10 a 15% da cor da massa. Para a produção de açúcar cristal o desafio é muito maior, já que no Brasil, por exemplo, a cor do açúcar cristal é cerca de 2 a 5% da cor da massa em função do alto grau de lavagem, e apenas testes práticos vão poder definir a aplicabilidade deste equipamento. Embora operando em baixa rotação, naturalmente a centrífuga contínua vai provocar maior quebra de cristais quando comparada com uma máquina convencional. Para o açúcar VHP isto não é problema, e para o refinado granulado vai significar uma pequena diminuição da reflectância do açúcar. Será preciso determinar se o comprador em geral vai pagar mais por uma melhor reflectância.
Para a refinação de açúcar e/ou a produção de açúcar líquido a tendência é a utilização de membranas e de resinas de troca única (ou eventualmente de adsorção). As membranas tem excelente eficiência (mínimo de 98%) na remoção da turbidez, mas tem custo inicial ainda muito elevado. Vários institutos de pesquisas estão trabalhando para procurar determinar qual o melhor tipo de membrana (orgânica, cerâmica, metálica, etc) e qual o melhor ponto do processo onde aplicá-las. Os processos alternativos para a remoção da turbidez são a flotação (baixo custo inicial, porém alto custo operacional e dificuldade de lidar com as perdas no caso de operação durante a entressafra) e a filtração com pré capa (custo operacional menor que a flotação, mas custo inicial dos equipamentos maior).
Para a remoção de cor e de cinzas da calda de açúcar a tendência é a utilização de resinas, tecnologia que apresenta o menor custo operacional desde que sejam utilizados os melhores recursos de engenharia disponíveis. Resinas de descoloração bem aplicadas podem remover pelo menos 80% da cor da calda, e leitos mistos de resinas bem dimensionados podem remover pelo menos 90% de cinzas da calda, sempre com baixo custo operacional. Naturalmente a cristalização (dissolução, cozimento e centrifugação) também é um processo excelente para a remoção de cor e de cinzas, mas necessita de alto investimento em equipamentos e de combustível adicional, o que precisa ser avaliado caso a caso.
Nada a ver com a Índia, mas no Brasil não podemos esquecer das peneiras moleculares para a produção de álcool anidro, as quais a médio / longo prazo serão mais indicadas do que o ciclo hexano, em função do menor consumo de vapor (1/3 do ciclo hexano) e do risco do ciclo hexano também ser banido no futuro.
Naturalmente não existe engenharia sem economia. Temos que pensar na realidade econômica, mas ter sempre em mente as perspectivas da tecnologia em desenvolvimento em todo o mundo. Em tempo, o Corinthians, os tucanos e as loiras, naturalmente. E não se discute mais.