Água Mole em Pedra Dura
O nosso texto de hoje tem por objetivo procurar evitar perda de tempo e de dinheiro dos usuários de turbinas a vapor durante os procedimentos para a partida dos equipamentos. Este fato tem ocorrido freqüentemente quando o fabricante do equipamento exige que o usuário adote procedimentos incorretos no campo.
Uma das atribuições do técnico de campo do fabricante é verificar se a tubulação de vapor motriz da turbina está aplicando esforços horizontais excessivos no bocal da máquina na condição a frio. Para fazer esta verificação um dos procedimentos do fabricante é remover os prisioneiros dos flanges de vapor motriz e constatar se há deslocamento horizontal do flange da tubulação em relação ao flange da turbina.
Até aí tudo bem, mas problemas podem surgir se o técnico pedir para você fazer isto com os suportes de mola da tubulação destravados! Este é um procedimento incorreto, como vamos procurar demonstrar a seguir.
Ao solicitar que os prisioneiros do flange sejam removidos com os suportes de mola destravados, o fabricante está assumindo que os suportes de mola estão dimensionados para suportar todo o peso da tubulação a frio, o que significa que o fabricante está exigindo que a frio o esforço vertical no flange da turbina seja igual a zero.
Isto é incorreto por dois motivos. Em primeiro lugar, porque não existe nenhum documento oficial do fabricante exigindo que o esforço no bocal seja zero na condição a frio e, portanto, o técnico de campo não pode exigir este procedimento do usuário. Em segundo lugar, como vamos demonstrar, se o esforço no bocal for zero na condição a frio este esforço será muito maior na condição a quente, o que é incoerente, pois o estudo de flexibilidade deve visar justamente reduzir os esforços na condição a quente. Por hipótese, durante a sua vida útil, a turbina vai estar muito mais tempo na condição a quente do que na condição a frio.
Vamos considerar o caso de uma turbina típica recebendo 200 t/h de vapor a 65 kgf/cm² e 515 C. Esta máquina tem um bocal de 12” e recebe o vapor pelo lado de baixo do equipamento. A tubulação usual deste equipamento tem um flange de pescoço, um trecho vertical de aproximadamente 3 m e duas curvas de 90 graus onde começam dois trechos horizontais que somados resultam em aproximadamente 6 m de comprimento. Neste trecho horizontal existem normalmente dois ou três suportes de mola para suportar a tubulação, a qual pesa aproximadamente 2350 kg, sem válvulas. Quando a tubulação é aquecida existe uma dilatação do trecho vertical para baixo, sendo que os suportes de mola existem para suportar o peso próprio da tubulação na condição de operação e evitar que qualquer reação devida à dilatação do tubo seja transmitida ao bocal da turbina.
Quando o técnico do fabricante manda remover os prisioneiros do flange com os suportes de mola destravados ele está assumindo que os suportes de mola foram dimensionados para suportar todo o peso próprio da tubulação e todos os momentos decorrentes do peso próprio na condição a frio. Vamos supor a hipótese absurda que os suportes de mola tenham sido dimensionados com esta premissa e que sejam suportes do tipo pendural.
Com o aquecimento da linha vai ocorrer uma dilatação de aproximadamente 8 mm/m, ou seja, o trecho horizontal vai descer cerca de 24 mm. Com este deslocamento e um coeficiente típico das molas de 133 N/mm vamos ter uma reação para cima de aproximadamente 26222 N. Parte desta carga desnecessária terá que ser suportada pelo bocal da turbina, carga esta que vai empurrar a turbina para cima, podendo causar desalinhamentos sem a menor necessidade.
Vamos agora discutir a maneira correta para chegarmos ao dimensionamento dos suportes de mola. Admitimos que na condição a frio o bocal da turbina pode suportar cerca de 600 kg referentes ao peso próprio da tubulação, lembrando que esta carga está dentro dos limites de esforços admissíveis do equipamento, pois na condição a frio a tensão admissível do aço é muito maior do que em operação, de forma que é lógico diminuir a carga quando a máquina estiver em operação. Com esta premissa, na condição a frio as molas dos suportes vão estar menos comprimidas, pois os suportes não precisam suportar todo o peso e equilibrar todos os momentos. Quando a tubulação é aquecida e ocorre a dilatação para baixo, as molas se comprimem e as forças de reação daí decorrentes vão passar a suportar o peso da tubulação, em vez de aplicar reações desnecessárias para cima no bocal da turbina.
Admitimos sempre que o bocal da turbina na condição a frio tem condições de suportar alguma carga, que pode inclusive ser maior do que a quente em função da tensão admissível do material da carcaça ser maior nesta condição. Lembrando que a tubulação em questão pesa 2350 kg, consideramos que os suportes de mola devem suportar apenas 2190 kg. A reação vertical do suporte de mola é dada pela carga de instalação mais o valor da constante de mola multiplicado pelo deslocamento. No nosso caso, os números seriam os seguintes:
- 2024 Kg * 9,8 m/s² = 19835 N (Carga de instalação);
- 133 N/mm * 24 mm = 3192 N (Força da mola);
- 19835 + 3192 = 23027 N (Carga de operação ou reação da mola), ou seja, menor que os 26222 N resultantes quando o procedimento equivocado é utilizado.
No cálculo acima, para simplificar a explicação, não estamos considerando que os momentos no bocal da máquina aumentam muito mais dos que as forças quando o procedimento incorreto é exigido pelo fabricante. E momentos excessivos nos bocais da máquina podem ser muito mais prejudiciais para o equipamento!
Um diagrama simples de forças, que infelizmente não podemos publicar neste espaço, ajudaria a explicar a descrição acima. Mas qualquer pessoa com noções de forças de ação e de reação, de coeficientes de dilatação de molas e principalmente com um mínimo de bom senso, consegue entender o raciocínio acima. É simplesmente lógico. Se você não consegue enxergar porque não é mecânico, qualquer software para análise de flexibilidade de tubulações vai chegar aos mesmos resultados.
Voltemos ao nosso técnico de campo. Quando o usuário da turbina, com a nossa recomendação para fazer a coisa certa, se recusa a destravar os suportes de mola com os prisioneiros removidos, pode eventualmente vir uma posição do tipo: “Se o procedimento do fabricante não for atendido a máquina perde a garantia”.
Temos vários clientes que não aceitaram este tipo de imposição arbitrária, entraram em contato conosco para fazer a coisa certa e as máquinas partiram sem nenhum tipo de problema, porque a tubulação estava montada conforme o projeto definido pelo analista de flexibilidade.
Infelizmente há clientes que não resistem à pressão e removem os prisioneiros do flange com os suportes de mola destravados. Como as molas estão corretamente dimensionadas para a condição a quente, e não para a condição a frio, a tubulação despenca, os flanges se desalinham porque os momentos não estão mais equilibrados e os suportes de mola perdem a calibração em função da carga excessiva aplicada nas molas.
Nesta hora o técnico de campo do fabricante informa ao cliente que, como a tubulação despencou, só pode ser porque os suportes de mola estão incorretamente dimensionados e que o cliente deveria consultar o analista de flexibilidade para instalar os suportes corretos. É um absurdo! O fabricante adota um procedimento errado e quando os problemas aparecem joga a responsabilidade para terceiros e diz para o usuário do equipamento: resolva que o problema é seu!
Começa então uma desnecessária perda de tempo e de dinheiro para o usuário do equipamento, que é quem no final das contas paga a fatura final.
Se você pretende fazer a posta em marcha de uma turbina, não aceite a eventual pressão do técnico de campo do fabricante. Chame o seu analista de flexibilidade e resolva a questão com a ajuda dele. Se você seguir a recomendação do técnico de campo do fabricante, o que vai conseguir é apenas fazer com que a sua turbina opere na condição a quente com esforços maiores, sem a menor necessidade.
Técnico de campo experiente tem competência para avaliar se há esforços horizontais com os suportes de mola travados. De qualquer maneira, durante as fases de aquecimento da turbina, qualquer esforço inadequado nos bocais vai provocar o travamento dos calços da máquina, que existem exatamente para esta finalidade.
O título deste texto indica a nossa certeza de que, no final das contas, o bom senso vai prevalecer.