Acionamentos para Moendas
Quando, recém formado, comecei a trabalhar em uma usina de açúcar, ainda havia uma moenda com acionamento por motor a vapor. Uma máquina fascinante que demonstrava a engenhosidade dos inventores da era da Revolução Industrial.
Estas máquinas foram sendo rápida e sistematicamente substituídas pelas turbinas a vapor de simples estágios, que podiam fornecer muito mais potência com custos menores, já que as rotações eram incomparavelmente maiores. Manutenção reduzida e menor espaço para a instalação também eram fatores importantes para determinar o uso das turbinas.
Durante os anos 70 e 80 as turbinas a vapor de simples estágios reinaram absolutas, por serem máquinas de baixo preço e de manutenção simples, além de apresentarem alta confiabilidade. O seu ponto fraco é a baixa eficiência termodinâmica, na faixa de 35% a 45%, dependendo das características do rotor e da velocidade periférica das palhetas de cada modelo. Entretanto, numa época em que o consumo de vapor no processo e a venda de energia elétrica não eram fatores relevantes, esta baixa eficiência não causava problemas no balanço de vapor das usinas, pelo menos na maioria das vezes.
A partir do momento em que a venda de energia elétrica ou de bagaço passa a se tornar um negócio interessante, ou que sejamos obrigados a processar cana com teor de fibra muito baixo, não há mais espaço para este tipo de equipamento nas usinas. É preciso pensar em substituí-las, e então nos vemos diante das diversas alternativas que o mercado, hoje em dia muito mais sofisticado, tem para oferecer.
Podemos dividir o acionamento em duas partes, o motor primário e a transmissão, sendo que para cada um dos dois temos duas alternativas que podem se combinar entre si. O motor primário pode ser uma turbina a vapor de múltiplos estágios ou um motor elétrico com conversor de freqüência. Já a transmissão pode ser feita por transmissão mecânica (redutores e/ou engrenagens) ou por transmissão hidrostática (conhecida como “motor hidráulico”), além da possibilidade de termos os dois tipos simultaneamente em algumas soluções.
A comparação entre as diversas combinações pode ser feita em relação a dois aspectos principais, a eficiência global do conjunto e a confiabilidade operacional (manutenção e flexibilidade de operação da moenda). Vamos procurar discutir principalmente os aspectos referentes à eficiência.
As turbinas de múltiplos estágios para moendas tem eficiência na faixa de 60% a 70%, sendo difícil obter valores maiores por se tratar de máquinas de potência relativamente baixa. Como freqüentemente operam na prática com rotação abaixo da ideal e fornecendo potência inferior à nominal, é prudente trazer o limite superior para 65%. Podemos assim usar um valor médio de 62,5%, ou então de 65% apenas nos casos em que a turbina estiver bem selecionada com relação à sua carga e operando na rotação correta.
As turbinas de múltiplos estágios para geradores tem eficiência na faixa de 83% a 87%, por se tratar de máquinas maiores, mais sofisticadas e que operam com rotação constante. Podemos adotar um valor médio de 85%, se a turbina estiver operando perto da sua capacidade nominal.
Entretanto, para que a energia mecânica gerada na turbina da casa de força chegue até ao prédio da moenda, é preciso considerar a eficiência média do redutor do gerador (cerca de 98%), do gerador propriamente dito (cerca de 96%) e do circuito elétrico composto por painéis, cabos, transformadores, etc (cerca de 97%). A eficiência global destes equipamentos em série fica assim em cerca de 91,2%, ou seja, é como se a eficiência da nossa turbina da casa de força passasse de 85% para 77,5% se nós considerarmos a energia líquida colocada no prédio da moenda para podermos comparar com a eficiência de 62,5% da turbina mencionada anteriormente. Mesmo assim há uma diferença da ordem de 20% no resultado final a favor da turbina mais eficiente.
Ao chegar ao prédio da moenda, a energia da casa de força deve acionar motores elétricos com eficiência na faixa de 96%. Se estes motores estiverem instalados com transmissão hidrostática (motor hidráulico), terão rotação constante. Se por outro lado estiverem instalados com transmissão mecânica, será necessário o uso de conversores de freqüência com eficiência na faixa de 97%. Neste último caso a eficiência do conjunto conversor / motor será de aproximadamente 93%.
Chegamos agora à transmissão, que se for mecânica acionada por turbina terá um redutor de alta velocidade, com eficiência média de 98%, e um redutor de baixa velocidade, com eficiência média de 95%, com uma eficiência global de 93%. Se for mecânica acionada por motor elétrico, terá apenas um redutor de baixa velocidade com 95% de eficiência, já que a rotação do motor elétrico é muito menor do que a rotação da turbina.
Se a transmissão for hidrostática (“motor hidráulico”), ela terá na melhor das hipóteses uma eficiência de 85%, dependendo das condições de aplicação das bombas e dos motores hidráulicos do conjunto. Como qualquer tipo de bomba, a sua eficiência depende muito do ponto da curva de vazão x pressão no qual estamos trabalhando. Provavelmente, esta eficiência na prática será menor. Mas por outro lado, quando os motores hidráulicos são instalados diretamente nos eixos da moenda, não temos no conjunto da transmissão o conjunto de palito com luvas e os rodetes, os quais também não tem eficiência de 100%. É difícil na prática medir a eficiência destes componentes, porém não deve ser muito baixa, tendo em vista que não há dissipação muito intensa de calor nos mesmos a ponto de necessitar de sistemas de resfriamento externos. Portanto, se admitimos uma eficiência, digamos alta, de 85% para a transmissão hidrostática, estamos indiretamente compensando o fato da transmissão mecânica exigir o uso de palito / luvas e rodetes.
Podemos agora comparar as eficiências globais das várias alternativas de acionamento.
Adotando turbina de múltiplos estágios acionando moenda com transmissão mecânica, temos um sistema com eficiência global de 100 x 0,625 x 0,98 x 0,95 = 58,2% (turbina x redutor de alta x redutor de baixa).
Usando motor elétrico de rotação constante acionando moenda com transmissão hidrostática, temos um sistema com eficiência global de 100 x 0,85 x 0,98 x 0,96 x 0,97 x 0,96 x 0,85 = 63,3% (turbina x redutor x gerador x circuito elétrico x motor x transmissão hidrostática).
Instalando motor elétrico de rotação variável acionando moenda com transmissão mecânica, temos um sistema com eficiência global de 100 x 0,85 x 0,98 x 0,96 x 0,97 x 0,97 x0,96 x 0,95 = 68,6% (turbina x redutor x gerador x circuito elétrico x conversor x motor x redutor de baixa).
Trocando em miúdos, para uma mesma quantidade de bagaço queimado na caldeira e tomando por referência a moenda acionada por turbina de múltiplos estágios, conseguimos entregar cerca de 9% mais energia se usamos motor elétrico com transmissão hidrostática e conseguimos entregar cerca de 18% mais energia se usamos motor elétrico com conversor de freqüência. Ou em outras palavras, podemos vender 9% ou 18% mais energia para cada tonelada de bagaço utilizada.
Naturalmente existem outras combinações de equipamentos e equipamentos com eficiências ligeiramente diferentes daquelas aqui adotadas, mas o critério para estabelecer as comparações será sempre o mesmo. Por exemplo, embora ainda não disponível no Brasil, seria possível usar turbina a vapor para acionar a bomba da transmissão hidrostática. Neste caso, temos um sistema com eficiência global de 100 x 0,70 x 0,98 x 0,85 = 58,3% (turbina com rotação alta e constante x redutor de alta x transmissão hidrostática), similar portanto ao primeiro caso.
Para escolher uma ou outra alternativa podemos dizer que a questão é mais econômica do que técnica. Todas as soluções estão bem consolidadas tecnicamente, e os fatores cruciais na hora da decisão serão o tempo de retorno do capital investido e os custos de manutenção previstos em cada solução.
Se o investidor busca mínimo custo inicial, sem dúvida o acionamento com turbinas é menor, pois evita a instalação de turbo geradores maiores na casa de força. Por outro lado, se o preço de venda da energia elétrica estiver compensador, pode ser que linhas de financiamento especiais justifiquem plenamente a instalação de motores elétricos na moenda.
Já a transmissão hidrostática, embora proporcione um menor excedente de energia elétrica para ser exportada, permite a variação individual da rotação dos rolos da moenda. Mesmo ainda não comprovado definitivamente na prática, é um fator a ser levado em conta caso resulte em maior extração de açúcar no tandem de moendas.