Tendências
Mais um final de ano, tempo para balanço e reflexão. Nesta edição do ano passado eu escrevi “O ano de 2013 foi pleno de incertezas, mas aparentemente já chegamos ao fundo do poço”. Esqueçam o que eu disse! Tivemos a Lei de Murphy em plena vigência, tudo o que está ruim sempre pode ficar ainda pior!
O principal motivo da minha esperança em melhoras naquele inicio de Dezembro de 2013 era devido a uma queda de braço entre a Graça Foster e o Mantega sobre o aumento da gasolina, mas a prevaleceu posição do Mantega para controlar artificialmente a inflação, infelizmente.
Desta maneira a Petrobrás continuou perdendo dinheiro com a gasolina importada até Outubro de 2014, quando os preços do petróleo desabaram. Aí o Mantega fez festa porque não iria mais perder dinheiro com importação de combustíveis. Pela primeira vez na minha vida eu presenciei um presidente do conselho de administração de uma grande corporação como a Petrobrás ficar feliz vendo despencar o preço do seu principal produto, o petróleo! E agora, como gerar os enormes recursos necessários para explorar o pré-sal que seria a redenção do Brasil? Embora o petróleo seja uma matéria prima indispensável, ele não determina a prosperidade de um país. Se assim fosse, os venezuelanos seriam mais ricos do que os chilenos, mas a recíproca é que é verdadeira.
Mas contra fatos não há argumentos. Vamos ter que conviver mais quatro anos com uma economia cheia de artificialismos e de preços relativos desencontrados. E como disse a Dilma, da nossa parte temos que fazer a “lição de casa”, ou seja, baixar custos.
Embora hoje o cenário seja muito incerto, existem circunstâncias que podem ajudar os principais produtos da nossa agroindústria.
Açúcar. A economia mundial está devagar e não prevaleceu a estimativa dos especialistas em mercado de que os estoques excedentes passariam a cair a partir de 2015. Provavelmente isto ocorrerá somente a partir de 2017. O que poderá eventualmente ajudar os produtores brasileiros é a alta do dólar. Quando o Real se desvaloriza o preço internacional do açúcar cai porque o Brasil é de longe o maior exportador, mas ao mesmo tempo isto aumenta a nossa competitividade e praticamente inviabiliza a produção dos nossos concorrentes. O preço interno do açúcar sempre estará mais ou menos atrelado ao do etanol hidratado.
Etanol. Hoje os sinais são de que o governo continuará usando o preço da gasolina para controlar a inflação, mas este mesmo governo está com as contas estouradas e precisa de mais arrecadação. Assim existe a possibilidade de retorno da CIDE, o que não beneficiaria a Petrobrás, mas aumentaria a arrecadação e melhoraria a competitividade do etanol. Aliás, o retorno da CIDE faz todo o sentido, pois acaba de ser assinado um acordo histórico entre a China e os Estados Unidos visando uma redução das emissões de gases do efeito estufa. O Brasil dos anos Dilma esteve totalmente na contramão desta tendência, subsidiando combustível fóssil importado em detrimento do combustível renovável nacional. Por outro lado, existe a possibilidade da mistura de etanol anidro na gasolina aumentar para 27,5%.
Energia elétrica. Infelizmente não choveu e continua não chovendo na região sudeste, a “Caixa D’Água do Brasil”. Esta situação praticamente dobrou o preço de referência dos leilões em relação a Dezembro passado e vai favorecer investimentos em sistemas de cogeração. Há cerca dez anos atrás, quando havia dúvidas sobre investir ou não em cogeração, um técnico do setor costumava dizer que “No futuro haveria dois tipos de negócio: usinas sem cogeração e usinas com cogeração”. Hoje podemos dizer que futuro deverá haver somente um tipo de negócio: usinas com cogeração.
Com relação ao processamento da cana de açúcar vamos mencionar algumas tendências que notamos ao longo do último ano em vários setores da indústria.
Palha adicional. Trazer junto com a cana e separá-la na indústria ou traze-la já picada e enfardada do campo? Tecnicamente as duas alternativas são possíveis, o que vai definir a escolha será a questão econômica. Provavelmente será mais econômico trazer pequenas quantidades com a cana e grandes quantidades separadas em fardos, principalmente se a distância média for superior a 20 km.
Preparação da cana. Apenas com desfibrador, os picadores estão sendo aposentados.
Extração de caldo. Cana picada verde e balanço energético com etanol 2G jogam contra o difusor. A tendência será o uso de moendas e adaptações para difusor de bagaço apenas em instalações existentes que necessitem de ampliação parcial.
Tratamento de caldo. O decantador sem bandejas e o turbo-filtro vieram para ficar. Os evaporadores tipo Roberts ou Kestner entram em fase de extinção, devendo ser substituído pelo multi-calandras, filme descendente ou névoa turbulenta, que podem ser limpos com hidro-jato sem as restrições de espaço confinado.
Produção de açúcar. O cozimento contínuo para produção de açúcar cristal de baixa cor também veio para ficar, pois o melhor balanço energético favorece os sistemas de cogeração. Vários acidentes com incêndios importantes devem levar à tendência de projetos melhor concebidos com relação aos respectivos sistemas de proteção contra incêndio e aos sistemas de captação de pó no armazenamento de açúcar.
Produção de etanol. Fermentação em bateladas com levedura personalizada continua sendo a tendência visando mínima produção de vinhaça em função do maior teor alcoólico no vinho. Sistemas de concentração de vinhaça também vieram para ficar, já que podem proporcionar muita redução de custo operacional no setor agrícola. Tanques para armazenamento de etanol com selo flutuante estão mais baratos e o investimento poderá retornar em função da grande redução das perdas por respiração e por evaporação.
Produção de vapor. As caldeiras de leito fluidizado estão se firmando no setor e com novos concorrentes poderá haver alternativas interessantes. Pressão e temperatura mais elevadas serão sempre escolhidas em função do preço da energia eventualmente mais alto. Ciclos regenerativos poderão ser interessantes desde que a energia adicional gerada por ano pague o investimento adicional. Importante lembrar que temperatura do vapor motriz e ciclo regenerativo devem ser definidos considerando-se em primeiro lugar as condições do processo (usina de açúcar é uma planta de processo, não é uma termoelétrica pura), em segundo lugar escolhendo-se a turbina e por último escolhendo-se a caldeira. Via de regra os investidores fazem exatamente o contrário, uma tendência que deveria mudar.
Produção de energia elétrica. Turbinas de condensação com condensador evaporativo também vieram para ficar, sendo que a instalação deste tipo de condensador é mais simples com turbinas do tipo axial. Geradores de dois polos com potência acima de 50 MW também estão chegando, embora exista uma inexplicável resistência dos usuários com relação à rotação de 3.600 rpm. Na verdade existe a grande vantagem de eliminarmos o redutor de velocidade, o qual na realidade aumenta os riscos de parada do conjunto.
Balanço hídrico e sistemas de água. A falta de chuva em algumas regiões do Brasil incentiva ainda mais o uso racional da água bruta e dos condensados diversos, além do reuso de água. Temos que buscar consumo específico abaixo de 0,5 m3/tc, o que já ocorre em várias unidades.
O etanol 2G começa a ser produzido no Brasil tendo que vencer o desafio referente ao custo operacional, principalmente com relação ao aproveitamento dos açúcares C5.
O etanol de milho também começa a ser produzido no Brasil e tem grandes possibilidades de crescimento do ponto de vista técnico e energético, principalmente em plantas associadas a usinas de cana e operando durante todo o ano.
Resta torcer para que o bom senso prevaleça na nova equipe de governo que deverá atuar a partir de Janeiro de 2015, de maneira que passem a existir regras claras a respeito da política de preços para os combustíveis do ciclo Otto. Se não houver regras claras será difícil alguém investir na produção de etanol, seja 1G, 2G ou de milho. Feliz Natal!