Queda de Pureza
Quando, recém formado, comecei a trabalhar em uma usina de açúcar, ensinaram-me que as centrífugas, quando bem operadas, deveriam fornecer quedas de pureza adequadas entre a massa cozida e os respectivos méis. Os valores de queda de pureza nas centrífugas eram mais ou menos empíricos, e adotados como verdade mais ou menos absoluta, sem uma justificativa plausível para a sua determinação.
Dessa maneira, valores "padrão" de queda de pureza eram assumidos sem se questionar se o trabalho estava ou não sendo bem feito.
Por outro lado, é freqüente encontrarmos técnicos na operação das usinas que responsabilizam as centrífugas por uma eventual queda de pureza inadequada. Mas é importante ter em mente que a queda de pureza é decorrente de um bom trabalho no setor de cozimento. No setor de centrifugação é possível eventualmente estragarmos um bom trabalho feito no cozimento, mas não é possível de forma alguma corrigirmos nas centrífugas um mau trabalho realizado nos tachos a vácuo.
Mas como avaliar se o cozimento está ou não sendo eficiente?
Podemos fazer esta avaliação lembrando que no processo de cristalização, que ocorre nos tachos a vácuo, a taxa de deposição da sacarose nos cristais depende, entre muitos outros fatores, do gradiente entre a pureza do licor mãe e a pureza dos cristais. Não é possível cristalizar 100% da sacarose contida no licor mãe, pois neste caso a pureza do licor mãe cairia tanto que na realidade ocorreria um processo de dissolução dos cristais em vez de cristalização da sacarose.
Existe assim um limite prático para o percentual de sacarose contida no licor mãe que pode passar para a forma de cristais, sem ocorrer dissolução de açúcar. Geralmente é possível, em tachos bem projetados e bem operados, cristalizar pelo menos cerca de 60% da sacarose originalmente contida no xarope ou mel. Esta eficiência de cristalização mínima é que devemos ter como meta e procurar controlar.
Para exemplificar este conceito, podemos considerar um caso simples de um tacho de 400 hl de massa B cuja granagem e desenvolvimento tenham sido feitos exclusivamente com mel A de pureza 75%. Usando apenas este produto, a pureza final da massa cozida será por conseqüência também 75%.
No final do cozimento, com brix de 92% e densidade de 1,5 t/m³, teremos uma massa de sacarose total de 42,75 t (40 x 1,5 x 0,92 x 0,75). Admitindo uma eficiência de cristalização de 60%, a massa de cristais seria de aproximadamente 25,65 t. Como temos cerca de 60 t de massa cozida, a percentagem de cristais na massa seria de aproximadamente 45%.
Por diferença, a sacarose contida no licor mãe seria de 17,1 t. Admitindo, para simplificar, que os cristais têm pureza de 100%, os sólidos totais no licor mãe seriam os sólidos totais no tacho menos a massa de cristais. Este valor seria portanto de 29,55 t ((40 x 1,5 x 0,92) – 25,65).
A relação entre sacarose e sólidos nos dá a pureza do licor mãe, que neste exemplo seria de aproximadamente 58%. A queda de pureza esperada seria portanto de 17 pontos (75 – 58).
Vemos assim que os parâmetros "queda de pureza" e "percentagem de cristais na massa" dependem essencialmente da eficiência do processo de cristalização, ou seja, de quanta sacarose conseguimos passar para a forma de cristais, sem evidentemente aumentar a pureza do licor mãe. Se exageramos na alimentação de mel, podemos ter eventualmente uma boa percentagem de cristais e uma baixa queda de pureza. E a queda de pureza é o parâmetro que em última análise determina o esgotamento dos méis no setor de cozimento.
Mas na prática das usinas não conhecemos a eficiência da cristalização, a qual como vimos precisa ser determinada e controlada. E é possível determiná-la conhecendo-se a pureza do licor mãe e a pureza da massa cozida. Isto pode ser feito por meio de dispositivos especiais que procuram fazer a separação do licor mãe de uma amostra da massa cozida. São dispositivos com forma de cilindros, com fundo de tela perfurada e contra tela, nos quais se aplica pressão de ar comprimido padrão instrumentação (limpo e seco) sobre uma amostra de massa cozida, extraindo assim uma amostra do licor mãe sem o risco de dissolução ou de passagem de cristais. Conhecendo-se o brix da massa cozida e a pureza da massa e do licor mãe, é possível calcular a percentagem de cristais por meio de uma fórmula simples. Quando a massa cozida é de alta viscosidade, o cilindro de extração de licor mãe deve ser equipado com uma camisa de água quente, para melhorar a viscosidade sem correr o risco de dissolução dos cristais.
Naturalmente a diferença de pureza entre a massa cozida e os méis das centrífugas dão uma boa idéia do eficiência da cristalização no cozimento, mas podem ser valores enganadores que não dão uma idéia correta de um eventual bom trabalho feito no setor de cozimento.
A lavagem nas centrífugas sempre provoca dissolução de cristais, o que aumenta a pureza dos méis. Em centrífugas automáticas, é freqüente a mistura de mel rico na corrente de mel pobre, mascarando os resultados do cozimento. Telas rasgadas ou inadequadas podem permitir a passagem de cristais para o mel, reduzindo a queda de pureza que havia sido obtida no cozimento. Lavagem excessiva, porque deficiente na distribuição dos bicos, reduz a queda de pureza.
Vemos que o setor de centrífugas não ajuda na recuperação de açúcar no cozimento, mas pode atrapalhar muito.
A queda de pureza total no setor de cozimento será a queda obtida em cada uma das massas cozidas até se obter o mel final que vai para a destilaria. Dada uma certa pureza de xarope, é possível estabelecer metas de queda de pureza adotando uma certa eficiência de cristalização. É importante notar que a mesma eficiência de cristalização vai fornecer quedas de pureza e percentagem de cristais diferentes para cada pureza e para cada sistema de cozimento adotado.
É por esta razão que a recuperação total no cozimento vai diminuindo proporcionalmente à medida que temos mais massas cozidas. Uma massa fornece recuperação na faixa de 60 a 65%. Duas massas na faixa de 75 a 80% e três massa de 85 a 90%.
Como a recuperação no setor de cozimento depende da queda de pureza entre o xarope e o mel final, vemos que a recuperação é obtida nos tachos e não nas centrífugas. Não é possível aumentar a queda de pureza nas centrífugas se o trabalho no cozimento não for bem feito.
Por outro lado, é possível reduzir a pureza do licor mãe após o cozimento reduzindo-se lentamente a temperatura da massa cozida, em equipamentos especialmente projetados para este fim. Mas este assunto é conversa para uma próxima vez.