Quando o Etanol 2G Chegar
Quando, e se, o etanol 2G chegar poderia ser o título escrito por alguém mais pessimista. Mas, embora ainda existam barreiras enormes para a implantação da produção do etanol de segunda geração, tanto do ponto de vista técnico como do ponto de vista econômico, a realidade é que muita pesquisa está em desenvolvimento no exterior e no Brasil. As primeiras plantas de demonstração começam a ser implantadas e em nossa opinião a grande questão sobre o etanol 2G não é se ele virá, mas sim quando ele virá. A engenhosidade do ser humano já venceu dificuldades tecnológicas muito mais complexas, como colocar um robô operando em Marte, por exemplo. É uma questão de tempo e de foco nos objetivos e nos recursos.
Faz todo o sentido implantar a produção do etanol 2G em plantas combinando o processo convencional com a nova tecnologia. Quando isto ocorrer, vários paradigmas adotados nos projetos das plantas convencionais deverão ser avaliados e provavelmente alterados completamente. Nosso objetivo hoje é discutir alguns destes paradigmas e, eventualmente, pensar em alterar alguns deles já nos próximos projetos de plantas “Greenfield”.
Nos dias de hoje os projetos convencionais típicos produzem, com cana de fibra média, 55% sobre a cana de vapor de alta pressão e usam 40% sobre a cana de vapor no processo. Desta maneira 15% sobre a cana de vapor de alta pressão é usado exclusivamente para a geração de energia elétrica excedente com turbinas de condensação, em ciclos térmicos de eficiência muito baixa (25% a 28%). Na prática 1,0 t de bagaço com 50% de umidade consegue exportar aproximadamente 0,5 MW.h de energia. Admitindo um preço da energia elétrica de R$ 130,00 podemos faturar R$ 65,00 / t bagaço excedente.
Na planta de etanol 2G o bagaço passa a ser matéria prima e 1,0 t de bagaço com 50% de umidade poderia produzir, conforme os testes conduzidos em laboratórios e em plantas piloto, de 0,07 a 0,15 m³ de etanol / t bagaço. Esta grande variação é decorrente das várias possibilidades. Fermentação apenas das hexoses ou fermentação das hexoses e das pentoses. Temos também vários níveis de eficiência adotados na hidrólise do material celulósico e também na fermentação. Admitindo um preço do etanol anidro de R$ 1.200,00 podemos faturar de R$ 80,00 a R$ 180,00 / t bagaço. Sabemos naturalmente que o custo operacional da planta de etanol 2G é maior do que uma termoelétrica, porém mesmo adotando um valor médio do rendimento do etanol 2G temos o dobro do faturamento. Sem contar que ainda poderemos continuar exportando uma menor quantidade de energia elétrica usando em turbinas de contrapressão o vapor que será produzido para o processo 2G.
O bagaço passa assim a ter um valor muito mais importante como matéria prima e deveremos adequar o projeto para gerar o máximo de bagaço excedente. Por outro lado, o parâmetro de energia elétrica excedente expresso em kW.h / t cana não precisaria necessariamente ser otimizado.
No projeto da planta convencional, quando maximizamos este parâmetro de energia elétrica excedente, praticamente não afetamos a produção de etanol. Já na planta de etanol 2G, se maximizamos a produção de energia elétrica, afetamos a capacidade de produção de etanol.
Em outras palavras, na planta de etanol 2G provavelmente não vai interessar maximizar a produção de energia elétrica. O que importa é produzir o máximo de vapor, sejam lá quais forem a sua pressão e a sua temperatura e usando o mínimo de combustível, assegurando naturalmente a produção de energia elétrica para consumo próprio e exportando os eventuais excedentes, que naturalmente serão menores do que os atuais.
Conseguimos produzir mais vapor queimando menos combustível com:
- Caldeiras mais eficientes;
- Ciclos regenerativos;
- Vapor com pressão e temperatura mais baixas.
As caldeiras de leito fluidizado e assemelhadas terão maior atratividade porque, embora consumam mais energia elétrica, operam com maior eficiência do que as caldeiras atuais. Por outro lado são mais adequadas para queimar combustíveis pouco convencionais como, por exemplo, o resíduo do processo de hidrólise do bagaço e da palha para a produção do etanol 2G.
Os ciclos regenerativos passarão a ser mais utilizados, com tomadas de vapor nas turbinas para aquecimento do condensado e eventualmente aquecimento do ar da caldeira. Passará a ser indispensável comprar caldeira e turbina ao mesmo tempo, pois a otimização do ciclo regenerativo passa pelos projetos específicos dos fabricantes destes equipamentos.
Usamos hoje vapor motriz com temperatura de 520 ou 540 C buscando maximizar a energia elétrica excedente, mas se baixarmos, por exemplo, esta temperatura para 400 C vamos produzir mais t vapor / t bagaço. Vamos produzir menos energia elétrica, é verdade, mas vamos produzir mais etanol 2G com o bagaço adicional. Será necessário fazer contas em detalhes para definir qual será a temperatura do vapor motriz que vai trazer o melhor resultado econômico para a empresa.
As turbinas a vapor com ciclo de condensação, que basicamente geram energia elétrica a partir de bagaço excedente, vão virar peças de museu. Todo o combustível disponível será usado integralmente em ciclos de cogeração utilizando somente turbinas de contrapressão, o que não ocorre atualmente. Desta maneira, ao comprar turbinas de condensação, deveremos verificar com o fabricante as possibilidades de transformar estas máquinas em turbinas de contrapressão no futuro.
O consumo de vapor de processo, hoje em dia na faixa de 35% a 40% sobre a cana, terá que ser reduzido dentro da realidade econômica do negócio para economizar bagaço. Desta maneira, todos os recursos já disponíveis, que talvez não sejam econômicos hoje, poderão passar a ser. Exemplos: regeneradores de calor diversos, máxima sangria na evaporação, destilação sob vácuo, concentração integrada de vinhaça, etc.
A moenda passará a ter alguma vantagem sobre o difusor, pois como usa menos embebição, resulta em processos mais econômicos em vapor de processo. O próprio nível de embebição na moenda poderia ser re-avaliado. Menor embebição vai resultar em menor extração, mas neste caso apenas uma parcela do açúcar contido no bagaço será queimado nas caldeiras, o restante poderá ser aproveitado no processo 2G desde que não seja degradado.
Como no processo 2G poderão ser produzidos vinhos com baixo teor alcoólico, aumentando o consumo de vapor na destilação, poderá passar a ser econômica a utilização de turbo compressores de vapor para o processo. São equipamentos que consomem grande quantidade de energia elétrica, que deveria ser gerada na própria planta, mas que promovem a economia do vapor de processo que seria o nosso principal objetivo (vide texto do Zarpelon na edição de Maio/Junho 2012).
Trazer a palha com a cana picada passará a ser muito importante, pois será uma fonte de material celulósico para a produção de etanol e de combustível para a geração de vapor. Desta maneira o projeto deverá contemplar sistemas eficientes para a separação e a preparação da palha. Não haverá sentido em passar a palha pela moenda, pendendo capacidade de moagem, extração de sacarose e poder calorífico do combustível.
O arranjo físico dos novos projetos deverá contemplar espaços e distribuição dos equipamentos que facilitem a introdução dos novos processos e equipamentos.
Desafios técnicos e econômicos interessantes vão surgir. Devemos estar preparados!