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O que Fazer com o Caldo Filtrado? STAB - Jul/Ago 1998

Até há pouco tempo atrás a resposta para a pergunta acima seria a usual “manda prá fermentação!”.

Apesar da presença de enxofre poder eventualmente causar problemas na fermentação, normalmente o caldo filtrado apresenta características que o tornam aceitável para o processo de produção de álcool sem a necessidade de tratamentos suplementares. O caldo filtrado pode até causar algum transtorno na fermentação, mas não atrapalha na produção de açúcar!

Com a possibilidade das usinas adequarem o seu processo para uma maior produção de açúcar, dependendo da relação sacos / t cana em alguns casos é necessário enviar também o caldo filtrado para a evaporação.

Nestas ocasiões a má qualidade do caldo filtrado pode comprometer a qualidade do caldo decantado e assim comprometer a qualidade do açúcar.

Surge assim a discussão a respeito da necessidade e dos eventuais benefícios de um tratamento adicional do caldo filtrado para reintegrá-lo ao processo de produção de açúcar sem prejuízo da qualidade.

Discutimos a seguir alguns conceitos básicos e algumas possibilidades para o tratamento do caldo filtrado, quando necessário.

Em primeiro lugar lembramos que a qualidade do filtrado é primordialmente decorrente de uma boa operação dos decantadores e dos filtros a vácuo. Admitindo que a decantação está adequada, é preciso verificar a eficiência com que a estação de filtração está operando.

Normalmente nas usinas o simples acompanhamento do pol e da umidade da torta é o procedimento padrão. Mas é preciso criar o hábito de verificar regularmente a “retenção” do setor de filtros. Retenção é a percentagem de material em suspensão que ficou retido na torta em relação ao material em suspensão contido no lodo que chega aos filtros. Deve-se procurar obter uma retenção pelo menos na faixa de 75-85% e naturalmente quanto maior melhor.

Para se obter uma boa retenção alguns princípios básicos devem ser obedecidos e as informações devem ser monitoradas para se chegar às condições ideais de cada planta, a saber:

  • usar a quantidade adequada de bagacinho na mistura com o lodo, na faixa de 0,4 a 0,8 partes de bagacinho seco por parte de sólidos em suspensão no lodo;
  • usar bagacinho adequadamente peneirado que quando seco deixa passar 80-90% do material em peneira de malha 12;
  • procurar condicionar o lodo para que o mesmo tenha cerca de 6% de material em suspensão após a adição do bagacinho (por exemplo, relação 0,6 de bagacinho seco com lodo de 3,75% de sólidos insolúveis);
  • usar baixo vácuo na formação da torta para garantir boa permeabilidade da mesma, na faixa de 160 a 200 mm Hg;
  • usar alto vácuo apenas na lavagem da torta para garantir baixo pol, na faixa de 400 a 500 mm Hg;
  • usar água quente entre 80-90 C na quantidade adequada e devidamente pulverizada para evitar a destruição da camada de torta uniforme que garante uma boa retenção.

Caso se consiga um filtrado com turbidez adequada quando o filtro tem uma boa retenção, é possível retorná-lo ao tanque de caldo sulfitado (sulfitação a 70-75 C) sem maiores problemas.

Por comodismo não temos feito no Brasil a separação dos filtrados. Caso a instalação seja simples e permita o bombeamento em separado, seria interessante colher amostras do filtrado turvo e do filtrado claro e comparar. Dependendo do que se encontrar talvez apenas o filtrado turvo deva ser recirculado ou tratado. A conferir em cada caso.

A adoção de um tratamento adicional do caldo filtrado, a nosso ver, só tem sentido quando se tiver certeza de que a estação de filtração já está trabalhando perto das suas condições ideais.

Se mesmo assim a usina pretende garantir um caldo filtrado de melhor qualidade, um tratamento secundário pode ser aventado. Neste caso temos duas possibilidades básicas: flotação ou decantação.

A flotação consiste em re-aquecimento, adição de ácido fosfórico, neutralização com leite de cal, aeração, adição de polímero floculante e flotação. O processo é similar aquele adotado nas usinas para a flotação de xarope. A borra volta para o lodo ou caldo misto, dependendo da sua consistência.

A decantação consiste em re-aquecimento, adequação do pH com leite de cal, “flasheamento”, decantação e peneiramento final. O lodo obtido é misturado com o lodo dos decantadores.

A decisão sobre qual processo adotar envolve vários aspectos técnicos e econômicos, a saber:

  • inversão da sacarose;
  • degradação dos açúcares redutores com conseqüente aumento da cor;
  • tipo das impurezas a serem removidas e o meio em que elas se encontram;
  • custo operacional do processo;
  • custo de instalação dos equipamentos.

Para discutirmos os aspectos acima é interessante relembrar alguns conceitos:

  • a inversão ácida da sacarose provoca perdas na produção de açúcar, e portanto para evitar as conseqüências adversas daí resultantes devemos sempre procurar manter o resultado da multiplicação dos fatores TEMPERATURA x ACIDEZ x TEMPO o menor possível;
  • a degradação alcalina dos açúcares redutores provoca aumento de cor e de viscosidade, e portanto para evitar as conseqüências adversas daí resultantes devemos sempre procurar manter o resultado da multiplicação dos fatores TEMPERATURA x ALCALINIDADE x TEMPO o menor possível;
  • em ambos os casos a temperatura vem na frente porque é o fator que tem maior influência (cada 10 C de aumento de temperatura pode dobrar a taxa da reação);
  • por conseqüência procuramos sempre manter os caldos com pH perto do neutro;
  • a inversão da sacarose evidentemente é sempre indesejável, mas é menos desastrosa no caso particular do Brasil, onde a produção de álcool sempre terá importância econômica, sendo importante procurar garantir condições que evitem a degradação microbiológica posterior;
  • o risco de degradação microbiológica aumenta muito abaixo de 75 C;
  • flocos bem formados decantam porque tem a densidade superior à do meio em que se encontram;
  • flocos bem formados flotam porque tem a densidade inferior à do meio em que se encontram;
  • ar dissolvido pode eventualmente não ajudar na flotação, mas certamente atrapalha na decantação;
  • o caldo filtrado tem ar dissolvido que é naturalmente introduzido no processo de filtração pela bomba de vácuo;
  • os processos de flotação e de decantação tem por característica principal uma boa eficiência de remoção de turbidez, sendo uma eventual remoção da cor uma conseqüência secundária muitas vezes obtida às custas de alto consumo de aditivos;
  • o processo mais eficiente para a remoção de cor ainda é a cristalização da sacarose que ocorre no cozimento, não sendo lógico usar processos caros para remover reduzir cor de caldos; o importante é reduzir turbidez, que contém substâncias precursoras da formação de cor;
  • o ácido fosfórico é um aditivo de custo relevante quando comparado com a cal;
  • os aditivos diversos (flotante, descolorante, etc) também tem custo relevante, embora muito variável;
  • os equipamentos usados em sistemas de decantação de caldo são largamente utilizados e conhecidos.

A análise das diversas variáveis acima nos induz a crer que para o caso do caldo filtrado o tratamento secundário mais indicado é a decantação.

A decantação vai exigir temperaturas mais elevadas durante certo tempo para se garantir o flasheamento adequado e a conseqüente remoção do ar, mas a inversão pode ser controlada a níveis aceitáveis pelo uso de controle automático de pH (indispensável assim como na flotação).

A remoção de bagacinho fino, que na flotação é removido com a borra, pode ser facilmente obtida por meio de peneira plana com tecido inox de 250 mesh (dispositivo simples e barato).

O caldo filtrado com brix de 9 a 11% tem densidade mais adequada para a decantação do que para a flotação, desde que seja adequadamente condicionado. Já o oposto ocorre, por exemplo, com o xarope, que tem brix na faixa de 60-65% e, portanto densidade mais elevada.

O custo operacional da decantação é mais baixo, pois utiliza químicos e aditivos menos nobres e exige menor nível de automação.

Há a possibilidade de se aproveitar aquecedores e decantadores menores existentes, situação comum nas usinas.

Acreditamos que é no tratamento de xarope onde a flotação melhor se adequa, pela natureza do meio a ser tratado e pela natureza das impurezas a serem removidas.

Um sistema de decantação bem projetado, com os mesmos cuidados no sistema de automação que são adotado em sistemas de flotação, muito provavelmente dará bons resultados a um custo menor.

Não custa lembrar uma vez mais que só faz sentido pensar em tratamento de caldo filtrado quando o sistema de decantação principal e o sistema de filtração já estiverem operando com eficiência perto do ideal.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br