Lições da Austrália
Quem esteve lendo duas das últimas edições do International Sugar Journal (Maio/2007 e Junho/2007), provavelmente notou um fato interessante. Há artigos técnicos da Austrália que procuram descrever com base em estudos e pesquisas, bem fundamentados por sinal, novas práticas operacionais sugeridas para aquele país, mas que no Brasil já são praticadas há muito tempo.
A edição do ISJ de Maio/2007 traz um interessante trabalho sobre o aumento da velocidade periférica das camisas de moendas. Este trabalho, cujos autores são C. J. Adam e J. G. Loughran, usa a técnica de elementos finitos para prever o desempenho das moendas, em capacidade e em extração, quando aumentamos a velocidade periférica das camisas e diminuímos a espessura do colchão de cana.
O trabalho menciona logo na introdução que é senso comum a percepção de que velocidades periféricas acima de 18 m/min estariam associadas à redução da extração. Desta maneira, para se aumentar a capacidade tem sido adotados colchões de cana com espessura sempre maior. Menciona também que experiências práticas com moendas de dois rolos demonstraram que velocidades periféricas de até 24 m/min puderam ser praticadas sem perdas na performance de extração, desde que fossem providenciadas condições adequadas para uma boa drenagem do caldo.
Como a capacidade das moendas está diretamente relacionada com a sua rotação, a variação de 18 para 24 m/min representa um notável aumento de 33%. O mais notável é que, no Brasil, já estamos praticando há algum tempo velocidades periféricas na faixa de 30 m/min, e os bons resultados obtidos na extração tem demonstrado que os estudos teóricos dos australianos estão na direção correta.
Mais interessante ainda, as conclusões do trabalho mencionam que simulações teóricas com moagem constante indicam que colchões de cana menores e velocidades periféricas maiores poderiam reduzir o escorregamento da cana, a carga e o torque nos rolos e o consumo de potência, além de melhorar ligeiramente a performance de extração. É ler para conferir.
Já a edição do ISJ de Junho/2007 traz outro trabalho, também muito didático, que compara diferentes esquemas no setor de cozimento. O seu autor, R. Broadfoot, também utiliza simulações teóricas para comparar o esquema de cozimento tipicamente usado na Austrália para a produção de açúcar cru (raw sugar) com um esquema de cozimento que é tipicamente usado no Brasil para produzir o nosso açúcar VHP ou VVHP. O objetivo principal do estudo foi estimar as necessidades de vapor e de equipamentos em ambos os casos.
O esquema de cozimento australiano, que o autor chama de convencional, é um sistema de três massas onde o magma C é usado como pé de cozimento para a massa A e a massa B, sendo produzidos dois tipos de açúcar comercial, açúcar A e açúcar B. Este esquema, que já foi utilizado no Brasil há muito tempo atrás para a produção de açúcar cru, está hoje completamente abandonado por aqui.
O esquema convencional é comparado com um esquema chamado CBA, que costumamos chamar de duplo magma. Trata-se de usar o magma C com pé da massa B, o magma B como pé da massa A, e produzir apenas o açúcar A como açúcar comercial.
Uma das conclusões do trabalho menciona que para a produção de açúcar cru de baixa cor o esquema duplo magma é o mais eficiente. Como a tendência no mercado mundial é buscar cada vez mais açúcar de baixa cor, para minimizar os custos na refinaria, podemos esperar que em pouco tempo a Austrália também deva adotar integralmente a produção apenas de açúcar A como açúcar comercial. Deverá haver um pequeno aumento no consumo de vapor de processo, mas como por lá o consumo específico médio ainda é muito alto, eles tem gordura para gastar.
Outra das conclusões é a de que para as condições da Austrália o cozimento contínuo para as massas A e B é mais econômico do que o cozimento em bateladas. Embora não se possa transferir de forma integral esta conclusão para o Brasil, trata-se de uma percepção que também começa a ganhar corpo por aqui, com os primeiros tachos contínuos para a massa A entrando em operação. Novamente, é ler para conferir.
Estas leituras nos trazem algumas lições.
Com relação às moendas, os australianos estão descobrindo com estudos teóricos o que os brasileiros, notadamente o eng. Paulo Delfini, vem procurando demonstrar na prática há muito tempo. É perfeitamente possível aumentar a rotação das moendas sem risco de perdermos em extração, mas aumentando consideravelmente a capacidade das mesmas.
Esta perspectiva significa mais vantagens para a moenda quando for comparada com o difusor. Altas rotações e grandes diâmetros de camisas, como se está praticando no Brasil ultimamente, vão aumentar consideravelmente as capacidades dos conjuntos. Os maiores modelos de difusor no mercado estão com capacidade nominal na faixa de 625 t/h, e as novas moendas com alta rotação poderão facilmente chegar ao dobro desta capacidade. Para o difusor será mais difícil competir, principalmente porque os novos acionamentos com conversor de freqüência permitem uma grande faixa de variação de rotação para diferentes capacidades. Os fabricantes de difusor devem estar atentos para estas mudanças.
Com relação ao cozimento, embora no Brasil a produção de etanol nos facilite muito as coisas para produzirmos açúcar VHP ou VVHP de baixa cor, temos que estar preparados porque outros países vão também buscar a produção deste tipo de açúcar para competir conosco no mercado internacional. O mundo todo está de olho em nós, e se descuidarmos perderemos a dianteira.
Com relação aos trabalhos técnicos dos australianos, muito bons inclusive, o que causa tristeza é ver um país que não produz nem 10% da cana produzida no Brasil dispor de muitíssimos mais recursos para pesquisa e desenvolvimento. A presença de autores australianos e brasileiros em publicações como ISJ é inversamente proporcional à quantidade de cana que cada país produz.
Para nós técnicos, além de procurar sempre chamar a atenção de quem decide para este problema, resta tentar cobrir esta deficiência com criatividade e com ousadia em testar novidades. Cana para fazer experiências na prática, com responsabilidade naturalmente, é o que não vai nos faltar.