Etanol de Milho X Etanol de Cana
Discutir qual das duas matérias primas é melhor para produzirmos etanol pode ser pura perda de tempo, já que como tudo na vida ambas tem vantagens e desvantagens.
Para comparar as duas matérias primas podemos usar a seguinte analogia: milho é “namoro”, cana é “casamento”. O que é melhor, namorar ou casar? Na nossa visão o melhor é a combinação adequada das duas coisas.
A cana é “casamento” por tratar-se de uma matéria prima altamente perecível que contém aproximadamente 70% de água no seu peso. Não pode ser transportada de maneira econômica em grandes distâncias e não pode ser estocada, devendo ser processada em períodos específicos do ano em função do manejo das variedades e do clima. Um investidor que decide cultivar cana de açúcar deve ter sempre em mente um plano de negócios com planejamento por um período de no mínimo oito a dez anos, o investidor casa com a cana.
O milho é “namoro” por tratar-se de uma matéria prima pouco perecível que contém aproximadamente 15% de água no seu peso. Pode ser transportada a granel de maneira mais econômica e pode ser estocada para ser processada durante todo o ano sem depender do clima. Um investidor que decide processar milho não necessita investir um centavo sequer em agricultura, deve isso sim ter um plano de negócios com planejamento para garantir suprimento de milho com preços adequados para o seu negócio. Se os preços do milho subirem muito o investidor pode decidir operar durante parte do ano apenas, o investidor namora com o milho mais barato.
A grande desvantagem do milho é a necessidade de fontes externas de energia térmica e de energia elétrica. Já a grande vantagem da cana é justamente o excedente de energia proveniente do seu processamento.
Desta maneira do ponto de vista da energia combinar as duas matérias primas é uma decisão muito lógica, e o Brasil é um país que pode produzir as duas matérias primas de forma economicamente sustentável.
Já que estamos falando de energia, não custa repetir o nosso mantra a respeito das diferenças entre cogeração de energia elétrica e geração de energia elétrica. Ciclos de cogeração com aproveitamento do calor tem eficiência da ordem de 65% ou mais. Ciclos Rankine com turbina de condensação gerando apenas energia elétrica tem eficiência da ordem de 25%, pois todo o calor é perdido. E o calor pode ter mais valor econômico do que a energia elétrica.
Portanto usar bagaço em turbina de condensação pode até fazer sentido, pois se trata de um resíduo inevitável que é fruto do processamento da cana.
Mas gerar energia elétrica em turbina de condensação queimando palha pode ser antieconômico. Trazer a palha do campo, seja em fardos, seja junto com a cana, custa dinheiro. Desenfardar ou separar a palha da cana e em seguida prepara-la para que seja misturada ao bagaço custa dinheiro e consome energia elétrica.
Para aumentar significativamente o retorno do investimento quando usamos palha é necessário dispor de consumidores do calor que está sendo perdido no ciclo termodinâmico de condensação. Duas possibilidades surgem imediatamente: etanol celulósico (2G) ou etanol de milho. Nos dois casos, se acoplarmos a uma usina de cana plantas adicionais para produção de etanol, as turbinas de condensação poderiam ser aposentadas e a eficiência do ciclo termodinâmico seria muito mais alta.
É importante notar que as duas alternativas indicadas acima não são excludentes. Como o Brasil é um país enorme haverá regiões nas quais o preço do milho será proibitivo, onde provavelmente o etanol 2G será o mais indicado. Mas estivemos pessoalmente visitando produtores de milho no estado de Mato Grosso. Lá há épocas do ano nas quais o preço do milho é tão baixo que o transporte de uma saca de milho até Paranaguá custa o valor de duas sacas de milho. Não faz sentido, é mais lógico parar com o milho no meio do caminho e produzir etanol.
Embora o milho apresente o balanço energético como uma desvantagem, por outro lado o seu processamento para produção de etanol proporciona a produção simultânea de um subproduto muito valioso que é o DDGS (Dried Distillers Grains and Solubles). O DDGS é usado para ração animal e tem um alto teor proteico, podendo ser produzido em base úmida (para uso próximo à indústria) ou em base seca (para uso em consumidor mais distante). Outro subproduto que pode ser eventualmente obtido é o óleo bruto de milho para ser refinado posteriormente em unidades industriais dedicadas.
O processo que adotamos incorpora a concentração da vinhaça e a sua reciclagem completa no processo, sendo que desta maneira não há necessidade de distribuição de vinhaça na lavoura, um aspecto muito importante quando se está processando milho em períodos de muita chuva.
Quando acoplada a uma usina de cana a planta para produzir etanol de milho apresenta um investimento inicial muito mais baixo quando comparada com uma planta de processamento de cana com a mesma capacidade de produção anual de etanol. Além de termos que lidar com uma quantidade muito menor de água a ser evaporada, o fato de ser possível operar durante todo o ano acarreta a diminuição do investimento inicial.
Já o número de técnicos envolvidos na operação da planta de milho anexa é muito pequeno.
A combinação destes fatores, matéria prima não perecível, baixo investimento inicial e pouca necessidade de pessoal operacional permite tomar a decisão de parar a produção durante os meses nos quais houver uma eventual disparada nos preços do milho, como aquela que ocorreu durante a última seca nos Estados Unidos.
Em anos nos quais o preço do milho esteja estável o investimento que proporciona o máximo retorno é o de uma planta de etanol a partir de milho, anexada a uma usina de cana e operando durante o máximo tempo possível. Adotando processos já consagrados nos Estados Unidos o risco tecnológico será irrelevante no que diz respeito à confiabilidade dos equipamentos e à eficiência da conversão do amido em etanol.
Vale ressaltar que embora os processos americanos para produção de etanol de milho estejam definitivamente consolidados, o etanol de milho americano não é considerado pelo RFS (Renewable Fuel Standards) como um biocombustível avançado, porque geralmente é produzido com uso de gás natural e com energia elétrica da rede. O etanol de cana brasileiro é considerado um biocombustível avançado porque não utiliza combustíveis de origem fóssil. Já o etanol de milho que seria produzido no Brasil com energia excedente da cana de açúcar seria também um biocombustível avançado, podendo ser exportado com as vantagens daí decorrentes.
Por outro lado o BNDES está convencido de que é vantajoso financiar este tipo de investimento, pois se trata de um aumento significativo na eficiência e na eficácia do processamento industrial da cana e do milho.
Estamos absolutamente convencidos de que a combinação do processamento de cana e de milho em uma mesma planta, durante todo o ano, sem riscos tecnológicos no processo, será um enorme passo para aumentar a eficiência energética da nossa agroindústria.