Encontros e Desencontros
Um dos versos que aprecio diz "A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida".
Na fabricação do açúcar, onde as operações unitárias são muito mais "físicas" do que "químicas", estamos sistematicamente procurando promover encontros e desencontros entre os materiais em processamento. O grau de sucesso que obtivermos nessas operações vai definir a eficiência do nosso processo.
Um lavador de gases de combustão de caldeira pode servir de exemplo. Numa primeira etapa, o equipamento deve estar projetado para promover um encontro intenso entre a água de lavagem e as partículas presentes nos gases, procurando umidificá-las e aglutiná-las até um certo ponto. Numa segunda etapa, o equipamento deve estar projetado para promover o maior desencontro possível entre as partículas, umedecidas e mais pesadas, dos gases de combustão.
Desta maneira, a filosofia de projeto de lavador de gases de combustão, que a nosso ver é a mais adequada, implica na necessidade de dois estágios no equipamento. Um primeiro estágio com alta velocidade e turbulência dos gases, visando promover uma mistura a mais completa possível entre a água e as partículas. Este primeiro estágio de preferência tem os gases com fluxo vertical para baixo. Depois um segundo estágio com baixa velocidade dos gases, visando promover uma separação a mais completa possível entre as partículas umedecidas e os gases de combustão. Este segundo estágio de preferência tem os gases com fluxo vertical para cima, pois a inversão do sentido do fluxo dos gases já separa a grande maioria das partículas, e depois a aceleração da gravidade se encarrega de completar o trabalho de separação.
São portanto dois estágios distintos e indispensáveis com condições conflitantes do ponto de vista da velocidade dos gases. Este tipo de lavador, que possibilita máxima separação de partículas com mínimo consumo de água, não é muito difundido no Brasil, embora exista em operação em algumas usinas desde há 20 anos atrás pelo menos. Naturalmente estes princípios valem para outros equipamentos similares, como por exemplo os lavadores de pó dos secadores de açúcar.
Podemos aplicar os mesmos conceitos para as outras operações do processo, por exemplo o cozimento.
Dentre vários requisitos indispensáveis para uma boa operação no cozimento, podemos citar a necessidade de se alimentar o tacho com licor (xarope, mel ou misturas de ambos) totalmente isento de cristais finos. Os cristais finos devem ser dissolvidos de forma completa e adequada (baixo consumo de energia e de equipamentos).
Vemos com freqüência, em países canavieiros, os operadores atenderem a este requisito diluindo os licores com água de forma excessiva e sem nenhum controle automático (brix de até 55% !). Esta atitude geralmente resolve o problemas dos cristais sem criar dificuldades para os operadores, porém a um custo muito elevado de energia e de capacidade dos equipamentos (toda água adicionada ao processo deverá ser evaporada e depois condensada).
O correto seria diluir os licores para valores maiores de brix, 75% pelo menos, até com água, mas de preferência com outros produtos do processo tais como caldo decantado ou xarope.
Aqui temos novamente a necessidade de promover o "encontro" entre a água de diluição (seja qual for a sua fonte) e os cristais finos que queremos dissolver. Naturalmente, quando usamos caldo ou xarope na diluição, aumentamos a viscosidade da mistura e assim dificultamos este "encontro", principalmente quando queremos trabalhar com brix final mais elevado.
Portanto os equipamentos para diluição de licores (e de magmas também) devem ser projetados com um cuidado muito maior do que aquele que normalmente se dedica a eles. A dissolução dos cristais depende assim de misturadores bem projetados, operando com temperatura de pelo menos 75 C para poder atender a brix mais elevados, e com suficiente grau de homogeneização para permitir que a dissolução se processe no menor tempo possível (embora algum tempo mínimo seja necessário).
Para se trabalhar no limite superior da faixa de brix, é indispensável o controle automático do brix e da temperatura. A temperatura deve ser controlada por meio de injeção de vapor de baixa pressão, sendo esta água condensada, proveniente do vapor, de preferência a única a ser admitida no processo.
Com licor bem condicionado sendo introduzido no tacho, é preciso agora providenciar o "encontro" da sacarose em solução no licor com os cristais presentes no pé de cozimento, garantindo assim o crescimento dos mesmos. Este "encontro" é tanto mais eficiente quanto melhores forem as condições de circulação da massa cozida no tacho. Quanto mais eficiente for esse "encontro", mais esgotado ficará o licor mãe e mais baixa será a pureza do mel final, definindo assim a sua esgotabilidade.
Durante muito tempo, a esgotabilidade teórica do mel final, embora definida de forma diferente por autores diversos, esteve sempre mais ou menos relacionada com o fator "açúcares redutores / cinzas" (AR/C). Como os açúcares redutores diminuem a solubilidade da sacarose no licor mãe e as cinzas a aumentam, a relação entre os dois dava uma indicação da esgotabilidade teórica de um certo cozimento. Dava-se uma menor atenção aos aspectos físicos relacionados com a dificuldade do licor mãe "encontrar" os cristais na massa cozida.
Neste sentido é muito interessante ler o trabalho "Molasses Exhaustion and Target Purity Formulas" publicado pela equipe da Universidade da Louisiânia no Sugar Journal de Dezembro de 1999.
O trabalho mostra que embora o fator AR/C seja importante, com o advento de indústrias maiores (maior dificuldade em ter sempre cana fresca) e da colheita mecanizada (cana com maior nível de impurezas), o fator relacionado com a consistência da massa cozida é também importante para se definir a esgotabilidade do mel final.
A consistência da massa cozida depende da viscosidade do licor mãe. Esta por sua vez depende das impurezas presentes, como dextrana e polisacarídeos. Estas impurezas serão tanto menores quanto mais fresca for a cana processada. Existem produtos paliativos para baixar a viscosidade do licor mãe (lubrificantes de massa cozida), mas o cuidado com a qualidade da matéria prima é indiscutivelmente mais eficaz.
Por outro lado, qualquer que seja a consistência da massa cozida, os tachos de cozimento devem estar projetados para facilitar o "encontro" durante o processo. Isto significa ter ótima circulação de massa cozida para obter a melhor homogeneização possível da mesma.
Embora hoje em dia circuladores mecânicos eficientes possam ajudar nesta tarefa, um tacho bem projetado deve ter condições de circulação adequadas para poder operar sem os mesmos, ficando a instalação dos circuladores mais voltada para uma otimização final da capacidade e da qualidade dos cristais, e para a utilização de vapor de aquecimento a temperaturas mais baixas.
Tem sido comum depararmos com projetos de tachos que tem fundos com volumes muito grandes sem necessidade, aumentando o volume de pé de cozimento e criando zonas frias sem circulação. Tachos com tubo central muito pequeno, ou então com diâmetro variável cuja utilidade não conseguimos entender. Tachos com superfície de troca térmica muito alta o que provoca volume de pé muito grande, dificultando o esgotamento da massa cozida.
A geometria dos tachos é portanto de fundamental importância para garantir os "encontros" durante um cozimento bem sucedido.
Em contrapartida, temos que ao mesmo tempo promover no separador de arraste o "desencontro" entre as gotículas arrastadas e o vapor vegetal. Mas isto é conversa para uma outra vez.