Dilemas
O título acima é o mesmo do artigo escrito há cinco anos, publicado na edição da Revista STAB de Maio / Junho de 2004.
Recordando, o dicionário Aurélio nos ensina que um dilema pode ser definido como uma situação embaraçosa, com duas saídas ou alternativas difíceis ou penosas, uma das quais devemos escolher. Às vezes temos também trilemas, quando as possibilidades são três.
No intervalo entre estes dois artigos a nossa equipe esteve envolvida nos projetos de mais de 20 plantas novas para a produção de etanol, de açúcar e de energia elétrica. Destes projetos todos, pelo menos 15 já estarão operando em 2009, alguns desde 2006.
Assim, com os ensinamentos que só conseguimos obter com as experiências vividas, vemos que alguns dilemas desapareceram e que outros surgiram. Vale a pena discutir tudo novamente, com base naquele texto de cinco anos atrás.
O estoque de cana será sempre sobre carretas, com capacidade de uma a duas horas de moagem.
Lavagem de cana para moendas não existe mais, não há dilema. Para difusor, poderia haver uma instalação reduzida para se poder operar durante períodos chuvosos sem perder capacidade e extração. Aqui temos um dilema, pois a tendência no futuro é redução de consumo de água e maiores dificuldades para obtenção de licenças ambientais. Quem fizer a escolha pelo difusor terá que decidir. A maioria dos nossos projetos com difusor têm esta instalação reduzida para lavagem de cana em períodos chuvosos.
Já para os sistemas de limpeza de cana picada a seco, temos um trilema que não existia há cinco anos. Vamos usar a sopragem em mesas ou em esteiras? Caso seja em mesas, vamos soprar para baixo da mesa ou para fora da mesa? Trata-se de alternativas que ainda não estão consolidadas no mercado.
É voz corrente entre os técnicos que a mesa é muito mais cara, inclusive em manutenção. É preciso avaliar com cuidado, pois com a mesa não existem correias transportadoras de cana. Por outro lado, vemos casos de mesas bem projetadas que separam muita impureza inorgânica sem sopragem nenhuma, o que não pode ser feito nas esteiras metálicas de descarga de cana. Isto significa que a palha separada posteriormente por sopragem na mesa terá muito menos quantidade de impureza inorgânica, que é a principal responsável pelo desgaste prematuro nas facas do triturador de palha. Não deixa de ser uma vantagem importante. Como a sopragem na mesa é feita em uma largura de 12 m em comparação com uma largura de 3 m na esteira, a mesa necessita de mais potência nos sopradores, mas deveria ter uma melhor eficiência de separação. Mas por outro lado, há sistemas com esteiras que têm dois estágios de sopragem. Há que comparar na prática. Com as informações que temos no momento, preferimos uma mesa bem projetada, com sopragem para baixo que proporciona melhor aproveitamento do espaço físico.
Com relação à preparação de cana, a tendência será o uso de apenas um desfibrador sem picadores. Um usuário que já operou esta configuração durante duas safras fez comparações com o sistema tradicional com picadores, o qual ele também opera já há muito tempo. No caso de haver uma terceira planta, a sua escolha seria pelo desfibrador único.
O dilema moenda versus difusor permanece. A grande questão surge nas plantas planejadas para processar de 5 a 6 milhões de toneladas, as quais podem ser atendidas por apenas um tandem de moendas, mas necessitam de duas linhas de difusor. É preciso avaliar prós e contras para cada situação em particular. Para plantas de grande capacidade a moenda parece ser a alternativa mais atraente.
Para o acionamento das moendas não há dilemas em nossa opinião: três motores elétricos em cada terno com redutores planetários, mais um motor elétrico para o rolo de pressão. A turbina a vapor não é a melhor solução para as plantas que vendem energia e o motor hidráulico é uma configuração com menor eficiência, além de depender de equipamentos importados.
Para os regeneradores de calor usamos trocadores de calor a placas. Não há mais dilema. Nesta safra parte uma planta onde todos os aquecedores de caldo são trocadores a placas. Dentro de cinco anos teremos informações práticas do usuário, como foi o caso do desfibrador pesado acima mencionado.
Os evaporadores continuam sendo tubulares, com uma maior utilização de multi-evaporadores associados a um único separador de arraste. Trata-se de solução que deverá ser mais bem estudada no caso da sua aplicação em efeitos operando abaixo da pressão atmosférica, pois será necessário garantir na prática que não haverá entrada de ar no sistema durante as limpezas.
O dilema filtro rotativo versus prensa desaguadora vai terminando aos poucos em favor da prensa. A prensa usa mais água, mas com um sistema bem projetado de aproveitamento de condensados e de água de limpeza da tela esta desvantagem pode ser superada. O importante é lembrar que, no caso de difusor, a área de filtração pode ser cerca de 1/3 da área usada no caso de moenda, pois a quantidade produzida de lodo é muito menor. Em compensação, toda a impureza que não chega ao clarificador de caldo acaba indo para o lavador de gás da caldeira, via bagaço. Assim, a estação de tratamento de água do lavador deve ser dimensionada com esta visão. Não recomendamos voltar com o lodo para o difusor, não faz sentido para quem quer produzir etanol numa fermentação com mínima contaminação.
Cozimento contínuo versus cozimento bateladas é muito mais uma questão econômica do que uma questão técnica. Para plantas que pretendem exportar o máximo de energia elétrica o cozimento contínuo sem dúvida é a melhor solução técnica. Já existe uma usina produzindo açúcar branco de baixa cor com cozimento contínuo na massa A. E na safra de 2010 parte uma planta nova para produção de açúcar com cozimento contínuo na massa A e na massa B.
Os condensadores barométricos são ainda a melhor escolha no momento, porém os condensadores evaporativos (tubulares ou a placas) tendem a ficar mais competitivos com as restrições ao consumo de água e à poluição ambiental.
Em nossa opinião, a fermentação deve definitivamente ser em bateladas. Não é mais um dilema. Fizemos uma comparação com o sistema contínuo do artigo da edição da Revista STAB de Janeiro / Fevereiro de 2009 (Processo Contínuo ou em Batelada), não sendo assim necessário repetir aqui toda a argumentação.
Uma novidade que apareceu neste intervalo de tempo foram os chillers por absorção, para produzir água gelada a 23º C a partir de fontes pobres de calor. Mantendo a fermentação com temperatura na faixa de 28 a 29º C, será possível obter vinhos com teor alcoólico acima de 15% em volume, reduzindo assim drasticamente os volumes de vinhaça e aumentando a capacidade de todos os equipamentos em função da retirada da água do processo. Embora existam apenas dois chillers por absorção em operação comercial no momento em que escrevemos, temos a certeza de que será uma tendência na indústria. Por enquanto usar ou não usar ainda é um dilema, mas muito mais do ponto de vista econômico do que técnico.
Centrífugas separadoras de levedura projetadas para bombear o vinho também começaram a ser ofertadas novamente. No passado máquinas importadas com desenho similar não obtiveram um bom desempenho, e assim a sua utilização ficou estigmatizada. Se os novos modelos desempenharem bem, os critérios de instalação serão modificados.
Nos sistemas de destilação surgiram as colunas operando sob vácuo para se economizar vapor, e novamente o dilema é mais econômico do que técnico. No Brasil a capacidade dos equipamentos é muito grande, e projetar colunas de destilação deste porte para trabalhar sob vácuo é um enorme desafio para os fabricantes.
Para os sistemas de desidratação temos o MEG, que apresenta uma boa relação custo benefício para o mercado interno, e temos a peneira molecular, que deve ser indicada para atender ao mercado externo. Porém já partiu a primeira planta comercial com desidratação de etanol por meio de membranas, tendo como principal atrativo a economia de energia em cerca de 15% quando comparada com a peneira molecular. Aqui o dilema será decidir se o custo de investimento da nova tecnologia compensa os ganhos potencias com venda de energia elétrica.
Nestes últimos anos também entrou em discussão a concentração de vinhaça, já existindo plantas comerciais em operação. Concentrar ou não a vinhaça é um dilema. Há casos nos quais os altos custos operacionais para sua distribuição na lavoura podem justificar o alto investimento nos equipamentos. Ou talvez as restrições ambientais, com relação à aplicação do potássio na lavoura ou à mínima captação de água bruta, venham a ser as justificativas para estes investimentos.
E para finalizar também estão surgindo vários estudos para a eventual produção de metano a partir de vinhaça com o uso de reatores anaeróbios de última geração. O dilema será decidir se a venda adicional de energia paga o investimento e, em caso positivo, qual tipo de tecnologia usar. Escrevemos sobre este tema na edição da Revista STAB de Maio / Junho de 2008 (Energia Elétrica a Partir da Vinhaça).
É fascinante notar como, pelo menos sob a nossa ótica, num período de apenas cinco anos algumas incertezas desapareceram e muitas novidades tecnológicas surgiram. E sem falar no assim chamado etanol de segunda geração, produzido a partir da hidrólise do bagaço. Se uma destas novas tecnologias se mostrar técnica e economicamente viável, a cara da nossa indústria vai mudar completamente.
Não vai faltar motivação para quem gosta de novidades!