Diário da África do Sul
Retornar à África do Sul depois de dez anos, para visitar as usinas durante uma semana, foi uma experiência muito interessante. Gostaríamos de compartilhar nossas impressões com os leitores.
A primeira impressão marcante, de ordem geral, é que o Brasil evoluiu muito. Quando estivemos lá pela primeira vez, em 1977, a diferença tecnológica entre as usinas de lá e daqui era gritante. Hoje em dia as melhores usinas daqui são comparáveis com as melhores de lá.
Para entendermos as diferenças de filosofia nos projetos das usinas da África do Sul, é preciso conhecer um pouco das condições econômicas locais. Lá a cana custa mais ou menos o dobro do que custa aqui. O mercado local é protegido, e o açúcar no supermercado custa também o dobro do que custa aqui. Não há interesse na produção de álcool de cana, pois a gasolina é produzida a partir de carvão abundante e barato.
O alto preço da cana e o alto valor do açúcar faz com que eles busquem alta recuperação de açúcar, em detrimento da capacidade dos equipamentos. Os investimentos nas instalações industriais são sempre grandes. A redução das perdas industriais é uma questão quase de religião. Vimos nos organogramas o cargo de “Gerente de Perdas”, técnico que tem por responsabilidade monitorar a representatividade de todas as amostras e a sua análise, determinando com precisão as perdas e indicando propostas para a sua redução.
A maior parte da cana é processada em difusores. Apenas duas usinas ainda têm moendas, e também planos para substituí-las. Os difusores têm extração elevada porque operam com excelente preparo de cana e com alta embebição, 350% sobre a fibra. A alta embebição não é problema porque eles têm fibra alta e porque queimam muito carvão como combustível auxiliar, o qual é barato lá.
O preparo de cana é excelente porque os desfibradores são bem projetados e pesados, mas principalmente porque a manutenção é rigorosa. Facas e martelos lá têm vida curta, não passam mais de uma semana sem ser trocados. Todas as usinas tem sistema automático para amostragem de cana desfibrada na cabeça das esteiras de borracha, permitindo uma amostragem muito mais representativa. No Brasil, a amostragem manual geralmente induz a resultados de preparo mais altos do que a realidade.
Há uma substituição intensiva dos transportadores metálicos de cana por transportadores de borracha, que consomem menos potência e dão menos manutenção. Em uma usina mais moderna todos os transportadores de borracha operam com o lençol sobre um colchão de ar, evitando todos os roletes de carga. Uma solução interessante do ponto de vista de manutenção, mas que exige uma certa potência para insuflar o ar. No Brasil é preciso fazer algumas contas para conferir se é econômico.
Todos os difusores lá recebem o lodo diretamente dos decantadores, a grande maioria dos quais é do tipo rápido. Os filtros a vácuo não operam mais, mesmo considerando que não há lavagem de cana. É uma alternativa a se pensar para as usinas brasileiras que já operam com difusores.
Encontramos uma usina onde todos os aquecedores de caldo são de placas soldadas e com passo largo de 20 mm no lado caldo, sendo a limpeza feita exclusivamente com soda. Não se abre mais os trocadores.
Aliás existe uma grande preocupação com a segurança dos operadores durante a limpeza manual. Numa usina vimos uma instalação onde a tampa do evaporador tipo Kestner é totalmente removida para a limpeza, usando um engenhoso dispositivo de fechamento tipo “panela de pressão” com cunhas. A instalação é cara, mas a segurança é garantida. Em outras usinas há sempre o esforço por otimizar a limpeza química com ácido e soda.
Para novas instalações a tendência é a instalação de cozimento contínuo, principalmente para massas B e C. Há sempre resfriamento da massa cozida para melhor esgotamento. Estão testando ultrafiltração em plantas piloto, o que já fizemos aqui com sucesso do ponto de vista técnico, mas sem retorno econômico. Lá talvez seja possível em função do alto preço do açúcar.
O consumo específico de vapor é alto, neste aspecto estamos melhores. A razão é que o carvão é barato e não há incentivo econômico para a cogeração (o preço de venda do MW é muito mais baixo do que no Brasil).
A maioria das caldeiras possui grelha rotativa, adequada para a queima de carvão como combustível auxiliar. Estas instalações indiretamente permitem a queima do bagaço proveniente dos difusores, o qual carrega mais impurezas.
As esteiras para alimentação de bagaço das caldeiras são todas com lençol de borracha, com um sistema automático que por meio de cilindros pneumáticos desvia o bagaço para os respectivos alimentadores da caldeira. Trata-se de um sistema que requer muito menos potência e manutenção.
Nos quesitos limpeza e organização acreditamos que já temos unidades no Brasil superiores às da África do Sul. É preciso agora trabalhar para sermos melhores na média geral da indústria.
No aspecto capacidade estamos bem à frente. No aspecto perdas, não precisamos nos preocupar tanto quanto eles com o açúcar no mel final, em função da nossa produção de álcool. Mas temos que nos preocupar com as perdas na extração e no processo de fabricação de açúcar, principalmente as perdas indeterminadas.
Com relação aos sistemas de automação estamos ainda bem atrás. O número de operadores lá é bem menor, embora a mão de obra não seja cara. Eles buscam é a eficiência e a segurança.
Esta viagem foi uma agradável surpresa. Pudemos verificar que no geral evoluímos muito, mas não nos enganemos, ainda há muito trabalho pela frente. Como nos ensina o nosso amigo Gonzalez: “O sucesso leva à arrogância, a arrogância leva à complacência, a complacência leva ao fracasso”.