De Atividades Predecessoras e Mulheres Grávidas
Este texto procura discutir, segundo a nossa visão, as razões pelas quais a grande maioria dos empreendimentos industriais recentes do nosso setor tem sofrido atrasos enormes no cronograma original, criando em alguns casos condições que implicaram na perda total de uma safra de cana.
Em nossa opinião poderíamos resumir as causas em duas principais: excesso de confiança e falta de planejamento.
O excesso de confiança pode ser comprovado verificando os prazos diminutos que são impostos pelos investidores para a implantação de uma indústria de grande porte, bem como pela falta de uma análise adequada dos riscos envolvidos em um empreendimento desta magnitude.
A falta de planejamento pode ser comprovada verificando a completa ausência de cronogramas detalhados na maioria dos empreendimentos. E quase sempre os cronogramas, quando existem, servem apenas para registrar atrasos (visão do passado) e não para determinar providências que pudessem evitar ou recuperar os atrasos (visão do futuro).
De todos os projetos de que participamos recentemente, apenas um partiu exatamente na data planejada. Não apenas por coincidência, também foi o único que foi planejado segundo as melhores práticas do PMI (Project Management Institute) e o único cujas atividades de engenharia tiveram início três anos antes da data prevista para a partida, com a elaboração de um projeto básico bem estruturado.
Nós temos investido muito para capacitar os nossos colaboradores nas atividades de planejamento, e em função desta iniciativa tem sido possível preparar cronogramas detalhados para todas as atividades do projeto de engenharia de uma obra de grande porte, como por exemplo, um projeto greenfield de uma planta de etanol e energia.
Recentemente um cronograma detalhado do projeto de uma central termoelétrica foi enviado ao cliente para que o mesmo fosse incorporado ao cronograma do empreendimento como um todo. Após analisar o documento, este cliente nos enviou a seguinte orientação: “Aumentem a equipe para reduzir o prazo em 40 dias e para congelar a data final do cronograma”.
A orientação acima deste cliente inspirou o título deste texto, já que demonstra uma visão equivocada do que seja o planejamento e o gerenciamento de um projeto.
A grande maioria dos clientes imagina que é possível reduzir prazos simplesmente aumentando o número de técnicos envolvidos no projeto, seja na engenharia, seja na obra. Mas esta é uma idéia errônea que inclusive deu origem a um ditado conhecido entre as equipes de projeto e de montagem: “Uma mulher grávida consegue gerar uma criança em nove meses. Mas nove mulheres grávidas não conseguem gerar uma criança em um mês”. Um canteiro de obras entupido de gente muito provavelmente vai significar baixa produtividade e custos elevados.
Por outro lado, não deve existir um cronograma “congelado”. O cronograma é por essência um documento dinâmico, que precisa de pessoal qualificado para analisá-lo diariamente, visando determinar as providências necessárias para se corrigir desvios que inevitavelmente acontecem. Infelizmente ainda não é possível prevermos os imprevistos.
Um time de projetos ou um time de montagem tem que necessariamente obedecer a um planejamento e definir criteriosamente as assim chamadas “Atividades Predecessoras”. No jargão tradicional dos técnicos especialistas em planejamento, conhecidas simplesmente como “Predecessores”. Assim, via de regra é necessário que, para desenvolvermos a atividade “B”, completar a atividade “A” seja absolutamente indispensável.
Podemos indicar vários exemplos para as diversas disciplinas da engenharia.
O projeto de fundações pode ser executado somente após a conclusão dos estudos de sondagem do terreno.
O estudo de flexibilidade de tubulações de vapor pode ser executado somente após a obtenção dos desenhos certificados das caldeiras e das turbinas a vapor com todas as informações indispensáveis.
A lista de cargas elétricas pode ser certificada somente após a compra dos equipamentos com a definição precisa da potência dos motores elétricos adquiridos.
A lista de instrumentos de campo pode ser emitida somente após a consolidação dos fluxogramas de engenharia.
Definir os “Predecessores” e os responsáveis por eles é fundamental no planejamento do projeto. E muitas vezes o próprio cliente pode ser o responsável pelos predecessores. Por exemplo, o desenho de uma bomba é o predecessor para se desenhar a sua base. Se a compra da bomba esta atrasada, todo o projeto se atrasa por conseqüência.
Se procurarmos identificar as causas principais de atrasos em projetos novos, poderíamos citar:
- Falhas no projeto das empresas de engenharia;
- Falhas no processo decisório do investidor;
- Documentação técnica inadequada dos fabricantes de equipamentos;
- Aquisição de equipamentos e contratação de serviços pelo critério do mínimo preço.
As falhas nos projetos devem ser evitadas através da constante capacitação do pessoal envolvido nas atividades de engenharia. Mas particularmente temos a convicção que, das causas listadas acima, esta é a que menor impacto tem causado nos atrasos mencionados.
O investidor deve estar consciente de que há o tempo para os estudos e decisões e há o tempo para a execução do projeto. Estes tempos são definidos pelo planejamento do projeto. Se o investidor não decide ou altera decisões já tomadas anteriormente, ele precisa ser informado a respeito da “Tríplice Restrição”, bem conhecida por quem está familiarizado com as práticas preconizadas pelo PMI.
Ela é representada por um triângulo com os vértices formados pelo “Escopo”, “Tempo” e “Custo”. É impossível alterar qualquer dos vértices sem causar influências em pelo menos um dos outros dois. E alterações nos vértices do triângulo sistematicamente afetam a “Qualidade”, que está no centro do triângulo. Decisões que afetam os predecessores não podem ser postergadas indefinidamente sem prejuízos para o projeto.
Os fabricantes de equipamentos do nosso setor devem se conscientizar de que precisam desenvolver departamentos de engenharia voltados para o cliente. A maioria dos fabricantes tem apenas departamentos de engenharia para a sua própria fábrica. Há fornecedores que vendem pacotes sem emitir documentos indicando claramente os limites do seu fornecimento. Há fornecedores que emitem desenhos certificados apenas para cumprir eventos dos contratos, sem a menor responsabilidade. Os clientes devem conscientizar os fornecedores de que revisões de documentos já certificados podem implicar em multas contratuais, para cobrir despesas de revisões de engenharia e muitas vezes das próprias obras. E há fabricantes que não tem as mínimas condições técnicas de emitir para o cliente desenhos confiáveis do equipamento que venderam.
Já os investidores devem entender que o menor preço muitas vezes não representa a solução mais econômica. Comprar preço baixo de fabricantes sem referências adequadas no mercado 100% das vezes tem acarretado atrasos que custam muito mais caro para o investidor. Exigir prazos de fabricação e montagem miraculosos também sempre provoca problemas. Lembremos da “Tríplice Restrição” acima. Em vez de apertar o fornecedor no prazo, é melhor planejar e comprar com antecedência, principalmente se há documentos técnicos que são predecessores para a engenharia. Quem compra com pressa, compra caro e compra mal.
Portanto, nos dias de hoje “Planejamento” é a palavra chave. Nas melhores práticas do PMI a “Tríplice Restrição” já está sendo substituída pelo conceito de “Restrições do Projeto”, que são as seguintes: Escopo, Qualidade, Cronograma, Orçamento, Recursos e Riscos. Qualquer alteração em um destes itens certamente provocará restrições em um ou mais dos demais itens.
Assim, se uma equipe de planejamento define um cronograma de implantação de um projeto greenfield com todos os predecessores bem estabelecidos, verifica facilmente que montar uma indústria deste porte em doze meses apenas, como muitos técnicos em nosso setor apregoam, significa incorrer em riscos e custos adicionais injustificáveis.
Para conseguirmos mulheres grávidas, as atividades predecessoras são bem agradáveis! Mas a gestação de um projeto é mais ou menos como a de uma criança. Haverá sempre um tempo mínimo indispensável.
Como técnicos, nossa obrigação é alertar os investidores que um planejamento bem detalhado no início do projeto é indispensável. E que adotar prazos realistas não é nenhum demérito. É uma questão de bom senso!