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Cristalização com três massas STAB - Out/Nov/Dez 2020

O início da pandemia do novo Corona vírus, em março passado, literalmente virou do avesso o mix de produção açúcar/etanol definido pelas usinas de uma safra para a outra. Durante a safra de 2019 houve muito esforço para maximizar a produção de etanol e em 2020, a partir de abril, todos os esforços estiveram concentrados para se obter a máxima produção de açúcar.

O preço do açúcar nas bolsas internacionais, o qual depende muito do potencial de exportação da indústria brasileira e da taxa de câmbio do Real frente ao Dólar, cria condições específicas que tornam as nossas usinas extremamente competitivas para exportar açúcar, uma grande vantagem considerando a queda na demanda do etanol, causada pela pandemia.

Nestes tempos de picos de exportação de açúcar, é natural que todos os produtores queiram aumentar a sua capacidade de produção de açúcar para maximizar os seus ganhos em 2020 e ainda fixar preços adequados para as próximas duas safras. Nestas situações específicas de mercado, sempre surgem as questões a respeito de valer ou não a pena usar sistemas de cozimento com três massas.

Trata-se de uma questão que não tem uma única resposta que possa se adequar a todos os casos da indústria. Como todo engenheiro, sempre começamos a responder as questões com o uso da palavra “depende”. Assim a resposta vai “depender” de cada caso específico e da estratégia adotada pela empresa com respeito às expectativas futuras em relação à capacidade de variação do mix de produção açúcar/etanol.

Para produzir açúcar temos antes que produzir xarope na evaporação, de preferência com brix adequado na faixa entre 65% e 68%, pelo menos. A recuperação no sistema de cozimento, a qual pode ser estimada em função dos valores de pureza do xarope e do mel final, indica qual a percentagem da sacarose contida no xarope que pode ser vendida como açúcar.

O tacho a vácuo usado no cozimento, seja do tipo em bateladas ou contínuo, é na realidade um cristalizador de sacarose e, na prática após a centrifugação, conseguimos recuperar na forma de cristais cerca de 55% da sacarose contida no xarope na massa A, por exemplo. Não conseguimos cristalizar os 45% restantes no tacho a vácuo porque o licor mãe, em volta dos cristais, fica com uma concentração de sacarose muito baixa e então começa a ocorrer a dissolução dos cristais já formados anteriormente.

Com a massa B procuramos obter mais 55% de cristais dos 45% de sacarose restantes, ou seja, cerca de 24,5% do total da sacarose contida no xarope. Assim, a recuperação de açúcar com sistema de duas massas varia na faixa de 76% a 80%, sendo o valor mais baixo coerente com a produção de açúcar branco de baixa cor e o valor mais alto coerente com a produção de açúcar tipo VHP já que recuperação e qualidade são parâmetros conflitantes.

Com a massa C, inclusive com eventual cristalizador por resfriamento, procuramos cristalizar o máximo dos 20% restantes da sacarose originalmente contida no xarope. Em outras palavras, estamos falando em aumentar a produção de açúcar na faixa de 11% em relação à quantidade de sacarose presente no xarope. Assim, com um sistema de três massas a recuperação varia na faixa de 86% a 90%, ou seja, podemos produzir cerca de 13% a 15% mais açúcar em relação à produção com duas massas.

Portanto, quando desejamos aumentar a produção de açúcar, a decisão de se adotar ou não a terceira massa vai depender do mix de produção açúcar/etanol esperado e das capacidades existentes nos sistemas de tratamento de caldo e de evaporação da indústria.

A grosso modo, se a indústria já está produzindo de 90 a 100 kg/tc (1,8 a 2,0 sacos/tc) com uma cana de teor de sacarose médio típico de 14,5% (145 kg/tc), a única maneira de aumentarmos a produção será com a introdução da terceira massa. Isto porque neste caso todo o caldo já está sendo utilizado para a produção de açúcar.

Mas se a indústria está produzindo por exemplo de 60 a 70 kg/tc (1,2 a 1,4 sacos/tc) com duas massas, será possível aumentar a produção em até 45% mantendo-se o sistema de cozimento existente, mas a capacidade do sistema de evaporação deverá ser verificada de forma a garantir birx de xarope de 68% no mínimo, para evitar que os tachos operem parcialmente como evaporadores.

Mas, para produzir mais xarope aumentando a capacidade da evaporação, é necessário dispor de mais caldo clarificado que foi tratado para a produção de açúcar, ou seja, dispor dos aquecedores e dos clarificadores correspondentes, sendo assim preciso cuidar dos investimentos na área de tratamento de caldo.

Sabemos que um sistema com terceira massa para aumento de produção de açúcar se encaixa muito bem quando a capacidade da evaporação está otimizada no seu limite e quando o sistema de cozimento e de centrifugação de massa A e massa B tem uma folga na faixa de 15%. Neste caso muito específico podemos aumentar a produção com o menor investimento possível implantando a terceira massa.

Por outro lado, quando esta condição especial acima não existe ou quando o mix de produção açúcar/etanol não passa de 1,8 sacos/tc, sem dúvida o sistema com duas massas é o mais recomendado.

Uma variante da afirmação acima que deve ser discutida é quando a usina busca produzir açúcar de alta qualidade. Trata-se de desviar o caldo filtrado para a produção de etanol, diminuindo-se assim a possibilidade de material insolúvel no açúcar. Neste caso, uma terceira massa para produzir mais açúcar de qualidade sem uso de caldo filtrado poderia ser avaliada.

Do ponto de vista da qualidade do açúcar, o melhor esquema para se obter uma boa qualidade é com a dissolução completa do magma C para mistura com o xarope.

Do ponto de vista de mínimo consumo de vapor e de menor necessidade de equipamentos, o melhor esquema é aquele que utiliza o magma C como pé do cozimento B e o magma B como pé do cozimento A (Sistema Duplo Magma).

O cozimento C opera normalmente com baixas taxas de evaporação, em função da viscosidade da massa e para se ter o tempo adequado para um bom esgotamento do licor mãe. Assim, com tachos a vácuo contínuos, é possível utilizar vapor V3, o que favorece o balanço de energia da planta.

Analisando os balanços de massa e de energia para várias possibilidades podemos tirar algumas conclusões que se aplicam mais ou menos de uma forma geral. Na faixa de 1,3 sacos/tc o sistema com duas massas, usando caldo primário da moenda se for o caso, é imbatível. Na faixa de 1,5 sacos / tc o sistema de três massas com caldo primário é uma possibilidade que pode ser analisada no eventual caso de produção de açúcar de alta qualidade. Na faixa de 1,7 sacos / tc a maior necessidade de evaporação é indispensável porque temos que usar o caldo secundário, e assim a terceira massa perde suas vantagens. Na faixa acima de 1,8 sacos / tc a terceira massa é uma solução natural.

O caldo filtrado impõe uma carga considerável na evaporação e pode eventualmente contribuir para piorar a qualidade do açúcar, e assim a sua utilização deve ser cuidadosamente avaliada.

A qualidade do açúcar é um fator importante que deve ser levado em conta em todos os casos, já que é possível, por exemplo, adotar duas massas e recuperação baixa no cozimento visando sempre açúcar de excelente qualidade durante toda a safra.

O balanço de vapor é outro fator que deve sempre ser levado em conta na tomada de decisão, a qual em última análise vai depender de sabermos se o preço do açúcar adicional produzido vai pagar o investimento em um prazo adequado para os acionistas.

Resumindo, a introdução da terceira massa poder ser eventualmente um investimento com bom retorno econômico, mas depende das condições específicas do processo disponível na usina, as quais devem ser analisadas com critério.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br