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Condensação Caipira STAB - Nov/Dez 2010

Há cerca de oito anos atrás estávamos trabalhando em um cliente, empresa tradicional do setor e com excelentes resultados operacionais, que já tinha posto em marcha um projeto de cogeração com turbina de contrapressão. Este cliente estava com uma enorme sobra de bagaço, cujo preço para venda estava baixo e não havia demanda. Nós sugerimos usar a condensação caipira para se livrar do bagaço. O cliente adotou a sugestão e ficou muito satisfeito com os resultados, sendo que até hoje adota esta prática, quando necessário.

Há cerca de três semanas atrás estávamos trabalhando com outro cliente no projeto conceitual de uma nova planta termelétrica a bagaço, sendo que para apenas uma das fases deste projeto a condensação caipira foi recomendada por nós. Já neste caso o cliente achou um absurdo a nossa proposta, pois não estaríamos usando uma turbina adequada para o ciclo de condensação. Ficou ofendido com a nossa sugestão.

Estas duas reações distintas dos clientes nos fornecem um motivo para discutirmos mais em detalhe a condensação caipira. Em primeiro lugar, é importante mencionar que o termo caipira não tem aqui uma conotação pejorativa, muito pelo contrário. Adotamos o termo caipira no sentido de ser uma solução simples, que utiliza as instalações e equipamentos disponíveis e que é uma prática para ser adotada esporadicamente em função de situações específicas.

A condensação caipira consiste em gerar energia elétrica para venda, quando houver sobras de bagaço, utilizando os evaporadores de caldo como condensadores e lançando o vapor gerado para a atmosfera pelas válvulas de alívio existentes. Trata-se de um ciclo de condensação, no qual o vapor de escape da turbina de contrapressão é condensado numa pressão na faixa de 2,0 bar abs., ao invés de uma pressão de 0,16 bar abs. como ocorre com as turbinas de condensação sob vácuo.

É evidente que se olharmos apenas para o consumo específico das turbinas, esta prática não tem nenhum fundamento. Para um vapor motriz típico de 65 bar / 515 C uma turbina de contrapressão tem um consumo específico da ordem de 5,7 kg/kW.h e uma turbina de condensação sob vácuo tem um consumo específico da ordem de 3,7 kg/kW.h. Um observador menos experimentado poderia concluir que para cada tonelada de bagaço excedente queimado seria possível auferir um resultado 54% maior na venda de energia.

Mas análise não é assim tão simples. Outros fatores importantes devem ser considerados.

Uma turbina de condensação sob vácuo trabalha exclusivamente com vapor produzido por bagaço excedente (ou palha se for o caso). Esta máquina é mais cara por MW instalado, sendo que um conjunto turbo gerador de mesma capacidade exige um investimento da ordem de 40 a 45% maior. Sendo um equipamento mais caro, não se devem instalar máquinas de baixa capacidade, pois o custo por MW instalado aumentaria ainda mais. Consideramos que um gerador de 20 MVA seria o de mínima capacidade para ser acoplado economicamente em uma turbina de condensação sob vácuo.

As turbinas de condensação operam independentemente do ritmo de moagem, devendo, portanto para uma safra de oito meses, operar durante cerca de 5.760 h. A máquina de 20 MVA a plena carga vai necessitar de 67,2 t/h de vapor (incluindo o vapor de aquecimento do condensado) e assim de aproximadamente 32 t/h de bagaço excedente, sem considerar o estoque de segurança e as perdas durante armazenamento. Desta maneira, para enchermos esta máquina estamos falando de um excesso de bagaço de 185.000 t de bagaço. Esta sobra, ainda sem considerar palha, corresponde a uma unidade processando de 2,2 a 2,4 milhões t de cana.

Verificamos assim que nas fases iniciais da implantação de um projeto, quando a quantidade de bagaço excedente ainda é pequena a condensação caipira deve sim ser considerada, pois pode ser uma solução que apresenta melhores resultados econômicos. Em nossos projetos de novas unidades, normalmente a turbina de condensação sob vácuo é implantada juntamente com a segunda caldeira, pois é quando a sobra de bagaço se torna mais representativa para justificar o investimento no grupo turbo gerador mais caro. E não podemos esquecer que, para a operação na entressafra, a vazão de vapor da turbina de condensação não pode ser menor do que 40% da capacidade da menor caldeira existente.

Falamos de passagem acima sobre vapor de aquecimento do condensado. Na condensação caipira o condensado retorna diretamente para o tanque do desaerador com 125 C, não necessitando de vapor de aquecimento. Mas na condensação sob vácuo o condensado retorna com 45 C e necessita passar pelo sistema de desaeração, requerendo assim vapor para ser aquecido até a temperatura adequada. Esta necessidade aumenta o consumo específico de vapor da turbina.

Existe no mercado a idéia de que a condensação caipira usa muito mais água de reposição no sistema. Usando o exemplo da potência acima (16 MW) o sistema caipira vai exigir cerca de 90 m³/h de água e o sistema sob vácuo vai exigir cerca de 60 m³/h. Esta máquina de condensação vai exigir torres de resfriamento com capacidade aproximada de 3.000 m³/h. Na condensação caipira a água de reposição é bombeada para a evaporação, na condensação sob vácuo é bombeada para as torres.

Por falar em torres temos que considerar a potência elétrica consumida nas bombas de água e nos ventiladores. Para o exemplo da turbina acima estimamos uma potência consumida de 465 kW nas bombas e de 175 kW nos ventiladores das torres. A bomba de água da caldeira usando condensação caipira vai usar cerca de 80 kW a mais de potência (diferença na vazão de vapor). Assim temos cerca de 3,5% da potência gerada que não pode ser vendida. É o preço que se paga em potência elétrica para se poder condensar vapor sob vácuo.

Lembramos que nos estudos econômicos, alem do maior custo do turbo gerador de condensação, devem ser incluídos os custos de implantação do sistema de torres de resfriamento e respectivas bombas.

Desta maneira, é preciso fazer uma avaliação criteriosa dos investimentos necessários em cada caso e da diferença efetiva de energia elétrica que será vendida com o bagaço excedente disponível. A taxa interna de retorno é que vai definir se a turbina de condensação já se paga com o bagaço disponível e com o preço contratado da energia.

Queremos deixar claro que não estamos absolutamente preconizando o uso de condensação caipira para projetos já consolidados e nas suas fases finais. Estamos dizendo que, durante as fases iniciais de ampliação dos projetos, a condensação caipira pode sim ser a solução com melhores resultados econômicos, quando consideramos o vapor de aquecimento, a energia parasita das torres e os maiores custos de investimento.

Como costuma dizer o caipira, o que é prático é bonito, e o que é simples funciona. Na vida das empresas eficiência é importante, mas eficácia é ainda mais.

Este texto é o de número 90. Já lá se vão quinze anos! Quero agradecer à equipe da STAB pela confiança.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br