Volume de Vinhaça
Estamos trabalhando em projetos visando a implantação de plantas para a produção de etanol combustível em outros países. Via de regra um dos maiores problemas a resolver é o que se deve fazer com a vinhaça. Seja por questão de proximidade com centros urbanos, por questão de inadequação dos solos ou por questão puramente de legislação vigente nestes países, a distribuição de vinhaça in natura como se pratica no Brasil seria uma alternativa inviável.
Por outro lado, embora no Brasil a distribuição in natura ainda seja uma prática adequada na maioria das situações, em outros casos a vinhaça já é um problema sério. É o caso típico de novas plantas para a produção de etanol que, em função da implantação recente do seu canavial, possuem áreas de produção de cana muito dispersas e não interligadas entre si, impossibilitando a distribuição por canais. Resta então uma distribuição por caminhões, que é uma atividade com alto custo operacional.
Portanto, mesmo para o caso do Brasil, buscar a redução constante do volume de vinhaça será sempre uma boa política. É importante lembrar que a redução deste volume não vai implicar em menor disponibilidade para irrigação. A água retirada da vinhaça vai continuar existindo sob a forma de condensados ou de outros efluentes, mas com uma condição muito mais confortável para a sua distribuição na lavoura.
Em outros países, a tecnologia aplicada visando redução da vinhaça está baseada principalmente em técnicas que contemplam o reciclo desta vinhaça na fermentação. Desta maneira, para se permitir este reciclo, é necessário que a matéria prima açucarada seja um produto de alto brix, ou seja, xarope ou mel. Assim, a água é retirada do processo antes da fermentação, pela evaporação do caldo ou pela utilização de mel esgotado.
Um dos processos com esta técnica é conhecido como Biostil. A fermentação é conduzida com uma levedura específica que suporta uma alta pressão osmótica decorrente da alta concentração salina, fruto do reciclo de vinhaça. A fermentação é contínua, e a levedura é recuperada por meio de centrífugas separadoras, sem tratamento ácido. A diluição do mel é feita pela própria vinhaça reciclada. Embora seja uma levedura especial, o ambiente na fermentação é tão hostil para o metabolismo da mesma que após cerca de uma semana de operação temos que renovar a carga de levedura. Desta maneira, são dois fermentadores, um em operação e o outro em espera aguardando a propagação da nova carga de leveduras. Quando o rendimento da fermentação começa a declinar, troca-se a levedura usando o fermentador em espera e assim sucessivamente.
Como há um alto reciclo de vinhaça, a vinhaça produzida tem um brix na faixa de 35% e a sua taxa é de cerca de 3:1 (3 m³ de vinhaça / m³ de álcool). É possível assim produzir uma vinhaça concentrada sem uso de evaporadores de vinhaça. Entretanto, paga-se o preço em rendimento na fermentação, pois segundo informações que recebemos da Austrália, onde um sistema deste tipo está operando, este rendimento está cerca de 3 pontos percentuais abaixo do rendimento do processo Melle Boinot clássico. Além da queda de viabilidade da levedura decorrente das condições da fermentação, existe o consumo constante de açúcar usado na propagação das novas cargas de levedura.
Outro processo comumente utilizado na Europa, que também está baseado em reciclo de vinhaça, utiliza levedura comercial de panificação sem a recuperação da mesma. Não há centrífugas. A fermentação é em bateladas, com ciclos longos, com reciclo parcial da vinhaça e com alta taxa de conversão de ART para se obter vinhos com teor alcoólico mínimo de 12% em volume. Como a levedura está sujeita a um alto teor alcoólico e à ação da vinhaça, a sua viabilidade é pequena e assim não há interesse na sua recuperação. O rendimento da fermentação é superior ao do exemplo anterior, mas ainda menor do que o do processo Melle Boinot clássico, pois sempre vai haver consumo de ART para a propagação de cada carga de levedura. Existe ainda o custo operacional referente à aquisição da levedura comercial, sendo que em um país com uma capacidade de produção como a do Brasil o consumo de levedura prensada passaria a ser enorme, com tendência a aumentar o seu preço. Em contrapartida não existem centrífugas, o que significa menos mão de obra, menos energia elétrica e menos manutenção.
Como há reciclo parcial da vinhaça, também temos que usar matérias primas açucaradas de alto brix, o que dificulta a utilização de caldo direto em maior escala. Em compensação, conseguimos produzir vinhaça com uma taxa na faixa de 6:1 (6 m³ de vinhaça / m³ de álcool), taxa esta decorrente em parte em função do alto teor alcoólico do vinho e em parte em função do reciclo parcial da vinhaça. Por outro lado, sem recuperação da levedura, esta vinhaça terá uma carga orgânica muito mais elevada.
No Brasil sistemas com reciclo de vinhaça foram testados no passado. Não temos notícia de nenhum que tenha sido adotado com sucesso. Não sabemos se é porque os brasileiros prezam demais a obtenção do melhor rendimento possível na fermentação, o que costuma ser incompatível com reciclo de vinhaça. Ou se é porque a possibilidade de se usar vinhaça in natura nos deixa mais preguiçosos na busca por alternativas para reduzirmos o seu volume. Mas se for este o caso, o tempo da preguiça já passou. Temos que continuar buscando o melhor ambiente para a levedura trabalhar feliz, mas ao mesmo tempo buscar a redução da taxa de produção de vinhaça, pois as quantidades de etanol que estão sendo previstas para serem produzidas no Brasil não são compatíveis com as taxas convencionais de 12:1.
A primeira regra é buscar sempre o aquecimento das colunas de destilação de forma indireta, sem a borbotagem de vapor que aumenta o volume de vinhaça. O segundo ponto é separar a flegmaça da vinhaça, além de não misturar a esta última os outros efluentes como condensados ou correntes diversas com baixa DBO.
Mas uma redução mais significativa e mais inteligente decorre da produção de vinhos com alto teor alcoólico. Há atualmente várias usinas que já operam com vinhos de teor alcoólico na faixa de 12% em volume, resolvendo os problemas de resfriamento do mosto em fermentação e selecionando tipos de leveduras que são mais adequadas para estas condições operacionais. Quando levamos o vinho de 8,5% para 12% em volume, a redução da vinhaça chega a 40%. E há muita gente buscando trabalhar com teor entre 15% e 18% em volume, com baixas temperaturas.
Esta situação muda os balanços de energia das novas plantas autônomas de etanol. O esquema tradicional, onde o caldo passava apenas por um pré evaporador para elevar o seu brix até cerca de 20%, tem agora que ser substituído por sistemas de evaporação que operam no mínimo com dois efeitos. Por outro lado, caso se pretenda concentrar a vinhaça, temos que reservar uma quantidade de vapor vegetal para esta finalidade, ou então utilizar o calor de condensação dos vapores alcoólicos para este fim.
Mudam também as condições operacionais dos aparelhos de destilação, que deverão estar projetados para operar com vinhos mais ricos na coluna A e, em conseqüência, com flegmas mais ricos na coluna B.
Os sistemas de resfriamento das dornas deverão estar adequados para as novas cargas térmicas, pois o perfil de conversão do ART deverá ser estudado para a nova situação, para verificarmos se não haverá picos mais elevados de dissipação térmica.
Enfim, há muitas mudanças para melhor à vista, o que nos faz lembrar de uma reunião recente com um investidor americano. Este senhor quer instalar quatro novas plantas de produção de etanol nos próximos seis anos e pretende utilizar exatamente o mesmo projeto industrial nas quatro. Perguntou nossa opinião. Dissemos que seria possível, mas pouco provável, em função do dinamismo com que as mudanças estão ocorrendo em nosso setor. Ele não gostou muito da resposta, mas é a nossa realidade. Entretanto, esta é uma conversa para uma próxima vez.