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Processo Contínuo ou em Bateladas? STAB - Jan/Fev 2009

Em dezembro passado, um cliente que opera uma fermentação contínua e que está instalando uma nova planta para produzir etanol a partir de 2010, pediu nossa opinião a respeito de qual tipo de fermentação adotar no projeto novo.

Lembrei-me que no passado já fui atingido pela “síndrome do contínuo”. O cérebro de quem está com esta síndrome leva o indivíduo a pensar da seguinte maneira: “sempre há vantagens quando você transforma um processo em bateladas em um processo contínuo”. A síndrome o faz esquecer que qualquer solução de engenharia apresenta vantagens e desvantagens. Cabe a nós compará-las e procurar escolher a solução mais adequada para cada situação.

Naquela época havia nas usinas três processos em bateladas: cozimento (massas A, B e C) e centrifugação de massa A para a produção de açúcar e fermentação para a produção de etanol. E lá fomos nós em nossa cruzada procurando transformar tudo aquilo em processo contínuo.

Vamos começar falando dos dois processos usados na fabricação de açúcar. Temos antes que lembrar que o Brasil é um país bastante peculiar no mundo canavieiro. É um país onde conseguimos produzir um açúcar branco direto de alta qualidade, com cor e insolúveis muito baixos. Isto é decorrência da boa qualidade da matéria prima e da possibilidade de trabalharmos com baixa recuperação no cozimento e na centrifugação, em função da grande quantidade de etanol produzida. O mercado local tem, portanto, clientes muito exigentes no quesito qualidade quando estão comprando açúcar cristal.

O processo de cozimento contínuo já se consolidou no Brasil, a despeito do desafio de termos que produzir açúcar cristal com qualidade. Equipamentos especificamente projetados e técnicas de limpeza adequadas já permitem produzir, com cozimento contínuo na massa A, açúcar cristal com cor máxima de 100 UI.

Embora não seja correto dizer que cozimento contínuo é indispensável em novos projetos, é inegável que esta técnica facilita muito a automação e o esgotamento da massa cozida, além de contribuir significativamente para o balanço de vapor nas plantas projetadas para a venda de energia elétrica ou para produzir excedentes de bagaço. Neste caso, o consumo constante de vapor e de água de resfriamento favorece muito o balanço energético da planta.

Há no mercado quem afirme que tachos contínuos promovem maior degradação de açúcar, mas medições com auxílio de cromatografia já mostraram na prática que isto não é verdade, desde que os parâmetros tempo, temperatura e pH sejam similares para um cozimento em bateladas e para um cozimento contínuo.

Portanto, quando as condições econômicas e financeiras são favoráveis, em nossa opinião devemos adotar o cozimento contínuo.

O processo de centrifugação contínua da massa A não se consolidou no Brasil. O motivo principal é que as centrífugas contínuas para massa A disponíveis no mercado são adequadas para a produção de açúcar VHP ou VVHP e de açúcar refinado granulado, mas não são adequadas para a produção de açúcar cristal de baixa cor. E naturalmente o mercado prefere máquinas que sejam versáteis.

O tempo de residência da massa cozida nos cestos destas máquinas é pequeno, dificultando o processo de lavagem dos cristais. Desta maneira, a máquina é adequada quando a necessidade de lavagem é reduzida ou inexistente (produção de açúcar VHP) ou quando a viscosidade do mel é muito baixa (produção de açúcar refinado granulado).

Para produzirmos, com estas centrífugas, açúcar cristal de baixa cor é preciso exagerar na taxa de lavagem, produzindo muito mais mel de alta pureza e desta maneira aumentando muito a recirculaçãouito a recirculaçlavagem, produzindo muito mais mel e desta maneira s projetadas para a venda de energia el de sólidos no sistema de cozimento, o que é indesejável.

Portanto, em nossa opinião, devemos adotar centrífugas contínuas para massa A somente para as plantas projetadas para a produção exclusiva de açúcar do tipo VHP ou similar. Há vantagens significativas no investimento, na manutenção e no consumo de energia elétrica. Estas máquinas também operam com sucesso na África do Sul em refinarias para a produção de açúcar granulado com cor máxima de 45 UI.

O processo de fermentação contínua já teve tempos de maior prestígio no Brasil, pois a maioria das novas plantas para produção de etanol tem utilizado sistema em bateladas (em nosso caso particular, 100% bateladas).

Antes de discutirmos este processo, uma ressalva é indispensável. O processo de fermentação envolve fenômenos químicos e bioquímicos, e como brincam alguns amigos meus da faculdade, somos simples engenheiros mecânicos. Particularmente não tenho formação técnica para discutir de forma crítica conceitos tais como micronutrientes, produção endógena de etanol, cariotipagem, etc.

Entretanto, aprendemos na faculdade que em engenharia 90% as decisões dependem do uso de bom senso, e os outros 10% também! É seguindo esta ótica que pretendemos discutir o último dos três processos listados.

A fermentação contínua apresenta menor custo de investimento. É indiscutível, visto que na fermentação em bateladas há fermentadores que em dado momento do ciclo não estão produzindo e há maior capacidade instalada de trocadores de calor no sistema de resfriamento.

Quando a primeira fermentação contínua surgiu no Brasil, há mais ou menos 25 anos atrás, um argumento forte a favor era o da maior facilidade para a instalação de sistemas de automação. Verdade na época, mas hoje em dia os sistemas de automação estão suficientemente evoluídos e muito mais baratos, de maneira que qualquer dos dois sistemas pode ser devidamente automatizado.

A fermentação contínua tende a consumir menos anti-espumante, decorrência da alimentação mais estável de açúcar para o processo e também da geometria dos fermentadores, que geralmente permite encaminhar a espuma dos maiores para os menores fermentadores.

Por outro lado, a fermentação contínua apresenta maiores dificuldades quando temos que lidar com contaminantes indesejáveis no processo. Não é possível promover a assepsia de fermentadores, de bombas e de trocadores com freqüência como ocorre no sistema em bateladas. Não é possível tratar de forma diferenciada a levedura de fermentadores diversos. Desta maneira, a fermentação contínua tende a consumir mais ácido sulfúrico e mais antibiótico.

A fermentação contínua é mais adequada para situações em que não há variações significativas da matéria prima e da capacidade de produção. A fermentação em bateladas adapta-se melhor às variações normais que ocorrem no Brasil, quando muda o mix de produção ou quando muda a característica do mosto.

A este respeito, vale lembrar os sistemas de fermentação contínua que foram instalados com grande alarde na Colômbia, como sendo na época um grande avanço tecnológico em relação aos sistemas de fermentação adotados no Brasil. Em anos recentes, participamos de três projetos de plantas de etanol na América Central nos quais, para a nossa surpresa, a mesma empresa que venceu a concorrência na Colômbia agora oferecia sistemas de fermentação em bateladas. Era inevitável perguntar o porque da mudança, e a resposta dos técnicos foi muito franca e direta: haviam chegado à conclusão de que, quando há variação de capacidade e de qualidade do mosto, o melhor é usar bateladas.

Mas talvez o aspecto mais relevante da comparação esteja no volume de vinhaça produzida. Não conhecemos nenhuma fermentação contínua trabalhando com teor alcoólico elevado no vinho, muito pelo contrário. E o futuro da nossa indústria vai estar sem dúvida dependente da produção de menor volume de vinhaça. E menor volume de vinhaça exige um vinho com alto teor alcoólico, sendo que a fermentação deverá estar desenhada para atender esta necessidade sem perda de eficiência.

Levando em conta as considerações acima, o bom senso recomenda sistema em bateladas. Mas não custava nada perguntar ainda a quem opera os dois sistemas.

Entramos em contato com o diretor industrial de uma unidade que opera fermentação contínua há muitos anos, em nossa opinião com excelentes condições de operação e de controle. Eles instalaram uma nova unidade com fermentação em bateladas, que em 2008 fez a sua segunda safra.

Pergunta: “Quando você for instalar a sua terceira unidade, vai usar contínua ou bateladas?”

Resposta: “Bateladas sem dúvida, se pudesse trocaria a minha fermentação contínua”.

A recomendação para o nosso cliente, por uma questão de bom senso, foi: use fermentação em bateladas!

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br