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Pressão X Temperatura STAB - Set/Out 2013

Antes de qualquer coisa, nossos sinceros parabéns para toda a equipe da Revista STAB pelo aniversário de 50 anos! Para nós é um privilégio poder colaborar com esta equipe.

Nossa intenção no presente texto é discutir alguns fundamentos relativos aos ciclos termodinâmicos utilizados em sistemas de co-geração e de geração energia elétrica a partir de biomassa.

Lembramos que co-geração de energia pode ser definida como “Produção combinada e eficiente de energia mecânica (ou de energia elétrica a partir de energia mecânica) e de energia térmica utilizável (calor ou frio) a partir de uma única fonte primária de combustível”. Os americanos usam muito adequadamente a expressão “Combined Heat & Power” (CHP), a qual define de forma objetiva as plantas que utilizam sistemas de co-geração de energia.

A decisão de escrever sobre este tema surgiu em função de um cliente que nos contratou para o projeto conceitual de um sistema de co-geração em uma usina existente. Um consultor deste cliente havia solicitado preliminarmente cotações de caldeiras gerando vapor com pressão de 65 bar abs e 540 ºC. Tratava-se de uma combinação “pressão x temperatura” de vapor motriz que nunca havíamos encontrado antes no nosso setor, o que resultou discussões acaloradas com o consultor.

A justificativa para propor o uso de tal vapor motriz, com uma temperatura muito alta em relação à pressão, era a de que o consumo específico de vapor na turbina seria mais baixo e, portanto, geraria mais energia.

Trata-se de um conceito equivocado pelas seguintes razões:

  • O menor consumo específico de vapor na turbina pode gerar mais potência, mas não necessariamente gera mais energia elétrica durante uma safra;
  • O ciclo termodinâmico dever ser avaliado pela energia elétrica gerada em função do combustível utilizado, sendo o parâmetro “kW.h / t bagaço” aquele que realmente interessa;
  • O custo dos equipamentos e das interligações sobe mais rapidamente com a temperatura do que com a pressão do vapor motriz;
  • Turbinas a vapor são máquinas do mundo real, não do mundo virtual que aceita qualquer simulação, e assim não podemos adotar eficiências isoentrópicas muito elevadas que não vamos encontrar na prática;
  • Não podemos adotar aleatoriamente qualquer combinação “pressão x temperatura” de vapor motriz sem analisar o comportamento do ciclo termodinâmico no Diagrama de Mollier.

Para este projeto em questão verificamos que não seria econômica a instalação de turbina de condensação, sendo assim este ciclo termodinâmico específico um ciclo de contrapressão pura.

Trata-se de um típico sistema de co-geração e para procurarmos aperfeiçoar o ciclo termodinâmico temos que estudá-lo de “trás para frente”. Temos que definir, antes de mais nada, quais são as características do vapor que necessitamos no nosso processo.

Em usinas de cana de açúcar condensamos vapor de escape tipicamente com temperatura de 125 ºC. É recomendável que o vapor de escape na turbina esteja com um superaquecimento na faixa de 10 ºC, para evitar condensação excessiva nas tubulações. Definimos assim 135 ºC como sendo a temperatura ideal do vapor de escape, na pressão de condensação equivalente a 125 ºC (cerca de 2,5 bar abs).

Temos agora que selecionar uma turbina a vapor que nos entregue este vapor com a máxima eficiência isoentrópica possível, sem risco de nos entregar vapor mais superaquecido do que o necessário e sem risco de nos entregar vapor com título menor do que 1,0 (o que ocorre quando há alguma condensação dentro da turbina).

No nosso setor estamos falando de turbinas com potência na faixa de 25 MW a 60 MW, o que significa máquinas com eficiência isoentrópica na faixa de 85% a 87% a plena carga. Na prática estes valores caem 2 a 3 pontos percentuais porque existe sempre operação com carga parcial. Além disso, para conhecermos a potência efetiva nos bornes do gerador, é preciso considerar a eficiência do redutor (98 a 99%) e do gerador (96 a 98%). Um equívoco comum dos clientes é a consideração de eficiências isoentrópicas excessivamente otimistas que não são obtidas na prática com as máquinas reais.

Considerando uma turbina operando com eficiência isoentrópica real de 83% e consultando o Diagrama de Mollier, constatamos que para entregar vapor de escape a 135 ºC esta turbina deveria receber vapor motriz com 85 bar abs e 515 ºC. Assim a caldeira deveria produzir vapor motriz a 87 bar abs e 520 ºC, levando em conta a perda de carga e de temperatura nas tubulações da caldeira até a turbina.

É por esta razão que em sistemas de contrapressão pura não é econômico gerar vapor motriz com condições acima de 87 bar abs e 520 ºC.

Se elevarmos a temperatura até 540 ºC precisamos de uma turbina com eficiência no mínimo de 87% para entregar vapor de escape a 135 ºC. Esta turbina, se existir, será muito cara nesta faixa de potências mais baixas que costumamos instalar.

Se elevarmos a temperatura e a pressão, usando turbina com eficiência alta, e consultarmos novamente o Diagrama de Mollier, constatamos que o vapor de escape vai ter título menor do que 1,0, ou seja, haveria condensação na turbina, o que não é coerente em um ciclo de contrapressão. Teríamos então que usar uma turbina de eficiência mais baixa. Mas não é lógico gastar mais para produzir vapor motriz com temperatura mais alta e depois usar uma turbina menos eficiente.

Em outras palavras, em termos estritamente técnicos, a sequência das decisões deveria ser:

  • Definir a temperatura ideal do vapor de escape da turbina em função das necessidades do processo;
  • Definir a eficiência isoentrópica garantida da turbina em função do seu custo;
  • Definir as condições de produção do vapor motriz.

Na prática ocorre o contrário. Definimos a turbina em função da caldeira selecionada, mas não é a maneira mais correta para aperfeiçoarmos o ciclo termodinâmico. Na teoria deveríamos comprar antes a turbina e depois a caldeira.

Por falar em ciclo termodinâmico é importante lembrar que vapor motriz com pressão e temperatura mais altas necessita de mais combustível para a sua produção. Desta maneira o parâmetro “kW.h / t bagaço” do ciclo completo é muito mais importante do que o parâmetro “kg vapor / kW.h” da turbina. Uma turbina mais econômica não garante necessariamente um ciclo mais eficiente do ponto de vista técnico.

Do ponto de vista econômico é preciso fazer contas, pois acima de 520 ºC passamos a usar materiais mais caros e precisamos saber em quanto tempo o investimento adicional retorna.

Importante ressaltar que o vapor motriz a 87/520 é o ideal para ciclos de contrapressão pura com as turbinas disponíveis no mercado. Para ciclos onde existe condensação sob vácuo, com muita palha por exemplo, as premissas mudam, pois não temos a restrição a respeito do vapor de escape com temperatura de 135 ºC. Desta maneira, em ciclos nos quais é relevante a parcela de vapor motriz usado em turbinas de condensação sob vácuo, pode eventualmente ser econômico subir a pressão e a temperatura do vapor motriz.

Para quem quiser estudar com mais detalhes a teoria dos ciclos termodinâmicos de co-geração sugerimos o excelente texto “Co-generation Thermodynamics Revisited” de Mike Inkson e Ben Misplon, Proceedings ISSCT 2007, Volume 26. Compensa conferir.

Celso Procknor
celso.procknor@procknor.com.br