Pressão Alta
Parece que vamos falar de doença, mas na verdade queremos comentar as dificuldades que estão enfrentando os empresários do setor que precisam encomendar caldeiras de grande porte para poder partir os projetos de novas plantas para produzir etanol e energia. A discussão é acalorada e as dúvidas são muitas. Não é um caso de doença, mas dá dor de cabeça na hora de decidir.
A caldeira é o equipamento da nova planta com o maior custo individual. É um bem de capital com vida útil prevista de 30 anos no mínimo. Modificações ou adaptações posteriores podem custar muito dinheiro. Desta maneira, uma decisão inadequada pode gerar arrependimentos que não são fáceis de se corrigir. É acertar ou acertar!
Há cerca de 8 anos atrás havia muita discussão a respeito da conveniência de passarmos de 42 bar para 65 bar. Hoje em dia a pressão de 42 bar está praticamente abandonada. A grande questão agora é: vale a pena continuar a subir a pressão do vapor? Até quando? E a temperatura?
A geração de energia com turbina a vapor é um Ciclo Rankine, o qual pode ser bem observado em um diagrama T/s (temperatura/entropia). A teoria mostra que o trabalho gerado é função das variações de temperatura e de entropia. Quanto maior for a temperatura do vapor motriz (vapor vivo) e quanto menor for a temperatura do vapor de contrapressão (ou de condensação), maior será o trabalho que poderá ser produzido. No diagrama T/s a maior temperatura é a temperatura de saturação do vapor, e analisando o diagrama é fácil entender porque trabalhamos sempre com vapor superaquecido. Com o aumento da temperatura do vapor temos o aumento do diferencial das temperaturas, e há casos em que se ganha até 50% a mais de trabalho com vapor superaquecido quando comparado com o vapor saturado.
Entretanto, o ciclo indicado no diagrama T/s é teórico, e na prática temos que lidar com as eficiências dos equipamentos reais. Nem a turbina a vapor e nem a bomba de alimentação de água da caldeira são 100% eficientes, e há limitações práticas para as várias partes do ciclo teórico.
Para uma visualização mais fácil do que ocorre com os equipamentos na prática, o diagrama de Mollier é o mais indicado. Este é um diagrama H/s (entalpia/entropia), e para determinar qual seria o trabalho produzido (diferença de entalpia) por uma turbina com eficiência teórica de 100%, basta traçar uma linha vertical (condição isoentrópica) desde o ponto da pressão alta (vapor vivo) até o ponto da pressão baixa (vapor de escape ou de condensação).
Infelizmente, na realidade uma boa turbina a vapor tem eficiência na faixa de 85% a 88% e, portanto, temos que caminhar para a direita do diagrama H/s, em cima da linha da pressão do vapor de escape, até chegarmos à temperatura real do vapor, e então encontrar o valor da diferença efetiva das entalpias na entrada e na saída da turbina.
Esta pequena introdução teórica serve para embasar as recomendações que seguem.
Vimos que a diferença de temperatura é que vai definir o potencial de geração de energia. A temperatura do vapor motriz é definida pelo projeto da caldeira, mas a temperatura do vapor de escape é definida pela eficiência da turbina. Portanto, antes de subir a temperatura do vapor, é indispensável conversar com os fornecedores potenciais das turbinas, verificando os seus custos e as suas eficiências, para ter certeza de que vai haver efetivamente um aumento do diferencial de temperaturas.
No nosso processo o vapor de escape trabalha usualmente com temperatura de 125 a 127º C. Para evitarmos riscos de condensação por perdas de calor, é recomendável trabalhar com um grau de superaquecimento na faixa de 10 a 15º C, o que significa vapor de escape a 140º C mais ou menos. Se o vapor de escape tiver temperatura muito mais elevada, além de não produzirmos trabalho suficiente na turbina, vamos ter que usar energia na bomba de água do desuperaquecedor.
Assim, para subir a temperatura do vapor é preciso conversar antes com os fabricantes das turbinas, para podermos estar certos de que o mercado está pronto para fornecer turbinas de reação suficientemente eficientes. Por exemplo, se entregamos vapor a 100 bar e 535º C em uma turbina com 84% de eficiência, o vapor de escape teria uma temperatura de cerca de 140º C. A questão fundamental é: os fabricantes garantem? Em caso resposta afirmativa, quanto custa o equipamento?
Em outras palavras, a análise dos diagramas mencionados mostra que para cada pressão de vapor e para uma dada temperatura do vapor de escape, existe uma combinação ideal de grau de superaquecimento do vapor vivo para uma dada eficiência de turbina. Temperaturas abaixo da ideal vão exigir turbinas menos eficientes, ou o risco de haver condensação de vapor e conseqüente erosão de palhetas na saída. Temperaturas acima do ideal vão exigir turbinas mais eficientes (se existirem), ou o risco de termos vapor de escape com alto grau de superaquecimento.
Admitindo que o mercado disponha de turbinas eficientes e econômicas, restam as dúvidas relativas aos materiais da tubulação e ao tratamento de água.
As válvulas para pressões na faixa de 68 bar (para garantirmos 65 bar no bocal da turbina) podem ser da classe 900, desde que a temperatura não ultrapasse 480º C e os materiais de construção sejam os adequados. Já a tubulação deve usar material ASTM A-335 grau P-11. Entretanto, com os preços de energia praticados no Brasil, já está comprovado que é vantajoso chegar a 520º C na pressão de 68 bar. Neste caso, as válvulas devem já ser da classe 1200 ou 1500 e a tubulação deve usar material ASTM A-335 grau P-22.
Verificamos que o material P-22 pode ser utilizado até 550º C. Se subirmos a pressão até 100 bar e 540º C ainda poderíamos usar este material com espessuras de parede (schedule) disponíveis no mercado. Mas seriam espessuras muito elevadas, com tubulações muito pesadas e, portanto, muito caras. Para esta última pressão devemos usar o mesmo material ASTM A-335 mas com grau P-91.
Se verificarmos o diagrama de Mollier é fácil comprovar que, para uma temperatura de 540º C, a entalpia do vapor a 120 bar é menor do que a entalpia do vapor a 100 bar. Ou seja, geramos mais vapor a 120 bar com certa quantidade de bagaço do que a 100 bar. E ainda andamos para a direita do diagrama, o que pode ser muito conveniente para a turbina. Mas para pressões acima de 100 bar, mesmo o material grau P-91 exige espessuras muito elevadas. Será preciso estudar com mais detalhe, do ponto de vista econômico, os prós e os contras desta solução.
Com relação à qualidade da água de alimentação da caldeira, há poucas diferenças nas recomendações das normas para caldeiras até 70 bar e até 100 bar. O teor de ferro total passa de 0,02 ppm para 0,01 ppm, e a dureza total (expressa em CaCO3) passa de 0,05 ppm para ND (não detectável). Os demais parâmetros são os mesmos para os dois níveis de pressão. Já a água da caldeira apresenta exigências distintas, principalmente o teor de sílica, que passa de 8 ppm para 2 ppm. Na prática vai significar uma purga maior, e por conseqüência maior reposição de água tratada.
Portanto, é importante ter em mente que quanto maior for a pressão do vapor, maiores devem ser os cuidados para a recuperação dos condensados. Felizmente, na usina de açúcar é possível recuperar 95% ou mais dos condensados, desde que sejam adotadas práticas adequadas e materiais mais nobres. Tubos em aço inoxidável nos pré evaporadores, por exemplo. Sistemas de polimento de condensado para o início da safra, e assim por diante.
Para termos uma idéia dos ganhos em geração de energia com o aumento da pressão, indicamos a seguir uma tabela comparativa que foi elaborada pelo engenheiro Sérgio Luiz Ferreira. Neste estudo foram consideradas apenas turbinas de contrapressão alimentadas por uma caldeira de 300 t/h de capacidade, sendo que os investimentos referem-se exclusivamente aos equipamentos principais (caldeira e turbogeradores).
Alternativa do Sistema (bar / ºC) | |||||
66 / 480 | 68 / 520 | 92 / 520 | 100 / 540 | 120 / 540 | |
Potencial de Geração (MW) | 48,7 | 51,9 | 54,5 | 56,7 | 58,1 |
Caldeira (t/h) | 1 x 300 | 1 x 300 | 1 x 300 | 1 x 300 | 1 x 300 |
Turboredutor (MW) | 2 x 24,5 | 2 x 26,0 | 2 x 27,5 | 2 x 28,5 | 2 x 29,0 |
Gerador (MVA) | 2 x 30,5 | 2 x 32,5 | 2 x 34,0 | 2 x 35,5 | 2 x 36,5 |
Combustível (kg vapor / kg bagaço) | 2,23 | 2,16 | 2,18 | 2,15 | 2,17 |
Incremento na Geração (parcial) | - | 7% | 5% | 4% | 2% |
Incremento na Geração (total) | - | 7% | 12% | 16% | 19% |
Caldeira (R$ x 106) | 39 | 41 | 45 | 46 | 48 |
Turbogeradores (R$ x 106) | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 |
Total (R$ x 106) | 51 | 54 | 59 | 61 | 63 |
Incremento no Investimento (parcial) | - | 7% | 9% | 4% | 4% |
Incremento no Investimento (total) | - | 7% | 16% | 20% | 25% |
Analisando os valores da tabela acima vemos que chegar a 120 bar pode não ser interessante no momento (talvez no futuro, dependendo do preço da energia), mas vapor a 100 bar e 540 ºC pode ser muito rentável. Principalmente porque a diferença de investimento fica diluída quando se trata de uma planta nova.
Por outro lado, embora a termodinâmica não mude, as condições do mercado mudam sempre. É preciso sempre considerar os aspectos do preço final na negociação e do prazo de entrega necessário. São fatores importantes que podem alterar a decisão técnica.