Fontes frias para melhor eficiência energética agroindustrial
Pretendemos discorrer sobre dois desafios importantes que podem ser vencidos com novas práticas operacionais no setor industrial da agroindústria canavieira.
O primeiro desafio é buscar a redução do volume de vinhaça da maneira mais eficaz possível do ponto de vista do processo e do ponto de vista da eficiência energética da agroindústria. Está cada vez mais difícil para as usinas atender às exigências da Norma Técnica P4.231 da CETESB. Além disso, o problema da mosca do estábulo vai produzir cada vez mais pressão nos sistemas de distribuição de vinhaça. No longo prazo a solução será mesmo procurar classificar a vinhaça como fertilizante, não mais como resíduo.
O segundo desafio é buscar maneiras racionais de evitar as múltiplas perdas de calor que ainda ocorrem na indústria, basicamente por falta de fontes frias que poderiam recuperar pelo menos parte deste calor perdido. Quando sobra energia elétrica podemos ter a alternativa de vender para a rede, mas quando sobra energia térmica somente podemos vendê-la em casos muito particulares, quando outras plantas de processo estão instaladas vizinhas à usina.
Cada vez mais a humanidade necessita buscar a máxima eficiência energética para garantir a sustentabilidade do nosso planeta. O mesmo princípio vale para o setor agroindustrial no qual atuamos.
Mencionamos no parágrafo acima o “setor agroindustrial” de propósito. Embora estejamos falando do setor industrial, é necessário pensarmos também no setor agrícola, pois há situações nas quais os investimentos na indústria são pagos pela melhora da eficiência energética na lavoura, caso típico quando reduzimos de forma significativa os volumes de vinhaça. No limite podemos trocar, por exemplo, óleo diesel por vapor de flash.
A eficiência dos ciclos termodinâmicos que utilizamos nos processos das usinas depende fundamentalmente da máxima conversão específica do combustível em vapor e do mínimo consumo de vapor de processo por tonelada de cana processada.
Considerando que já estejam otimizados os consumos específicos em cada operação unitária (por exemplo, o consumo de vapor na destilação), existem basicamente dois truques para reduzirmos o consumo de vapor de processo. O primeiro é utilizar o máximo possível de sangria de vapor vegetal da evaporação. O segundo é maximizar a recuperação de calor, ou seja, evitar perdas de energia para a atmosfera que ocorrem através de torres de resfriamento, de flash de vapor e de efluentes aquecidos, líquidos e gasosos.
A recuperação desta energia que está sendo perdida é a operação unitária que usualmente denominamos de regeneração de calor, a qual sempre depende da existência de fontes quentes e de fontes frias.
A quantidade de energia disponível nas fontes quentes e frias e a temperatura destas fontes determinam se o processo de regeneração de calor estudado poderá ser técnica e economicamente exequível. Quanto mais alta for a temperatura da fonte quente e mais baixa for a temperatura da fonte fria, mais barata e viável poderá ser a instalação de processo de regeneração de calor.
As fontes quentes disponíveis com temperatura acima de 80oC podem ser caldo quente para a fermentação, flash de vapor vegetal, condensados de vapor vegetal, vinhaça e flegmaça.
As fontes frias disponíveis com temperatura baixa podem ser caldo misto, água tratada para caldeira e ar para combustão e para secagem de açúcar.
De uma forma geral, nas usinas de cana temos mais energia recuperável nas fontes quentes do que a energia requerida pelas fontes frias, respeitando as diferenças de temperatura para a troca de calor.
Tomando como exemplo simplificado uma destilaria autônoma processando 500 t/h de cana, para aquecer 525 t/h de caldo misto de 35oC até 75oC necessitamos de aproximadamente 80 MJ/h.
Se quisermos utilizar tubulações de plástico mais baratas para distribuir 425 t/h de vinhaça, precisamos reduzir a sua temperatura de 90oC até 50oC, necessitando assim “perder” aproximadamente 70 MJ/h, quase 90% da energia necessária para aquecer o caldo misto.
Mas ainda fica sobrando muito calor no caldo tratado a ser resfriado e nos condensados de vapor vegetal. E se a extração de caldo for por meio de difusor a situação fica ainda mais complicada, pois o caldo misto já deixa o equipamento com temperatura 75oC.
Quando existe produção de açúcar a comparação muda um pouco, há menos caldo a ser resfriado e mais condensado de vapor vegetal. Mas a situação costuma ser sempre a mesma, muitas fontes quentes, poucas fontes frias.
Desta maneira se queremos aumentar a eficiência energética será indispensável procurar no processo por o que chamamos de “caixas de gelo”, fontes frias que poderiam aproveitar o calor sobrante com aumento da eficiência energética global do processo agroindustrial.
A nossa procura por caixas de gelo nos leva, pelo menos, a duas possibilidades.
A primeira possibilidade busca por redução do consumo de vapor de processo, procurando operar a fermentação com temperatura efetivamente controlada e em níveis abaixo dos valores praticados atualmente. Para atingir este objetivo necessitamos instalar uma CAG (Central de Água Gelada) por meio de chillers por absorção, cuja energia primária pode ser térmica a partir de fontes pobres de calor (baixa temperatura). Com a instalação de uma CAG e de refervedores para a coluna A e operando com teor alcoólico do vinho na faixa de 12% v/v, dependendo de cada caso específico é possível reduzir o volume de vinhaça entre 30% e 40%.
Com a instalação da CAG e dos refervedores conseguimos reduzir ao mínimo o volume de vinhaça com a enorme vantagem de ganharmos eficiência fermentativa, pois é notoriamente sabido que o maior problema na fermentação é a contaminação devida à falta de efetivo controle da temperatura nos fermentadores.
Caso necessário, uma segunda fase seria a instalação de um concentrador de vinhaça, mas que seria muito mais barato e consumiria menos energia térmica, pois estaria recebendo muito menos vinhaça com menor teor de sólidos.
Esta primeira caixa de gelo deve necessariamente ser avaliada do ponto de vista agroindustrial, ou seja, os investimentos são na indústria, mas os ganhos estão na lavoura.
A segunda possibilidade busca por maior conversão específica do combustível em vapor, procurando operar com umidade mais baixa no bagaço, já que o nosso combustível tem normalmente 50% de água.
Este tipo de caixa de gelo é representada por secadores de biomassa que utilizam energia térmica residual com temperatura entre 80oC e 90oC, muito utilizados na agroindústria da Europa, onde a energia térmica costuma ser cara.
A capacidade de uma fonte quente qualquer para secar bagaço depende sempre da temperatura ambiente e da umidade relativa do ar, variando ao longo do dia e ao longo dos meses. No caso de processamento de cana no Brasil felizmente não precisamos operar justamente durante os meses de verão quando a umidade relativa é muito alta.
Tomando agora como exemplo um estudo elaborado para uma usina processando 875 t/h de cana com difusor e com uma sobra de 200 t/h de condensado vegetal a 90oC, verificamos que seria possível evaporar até 13 t/h de água do bagaço. A umidade média do bagaço deixando o difusor poderia ser reduzida de 52,5% para 49,5%, o que ocasiona uma redução 6,0% da massa de combustível. Mas como o poder calorífico do combustível aumenta em 8,6%, a mesma moagem anual de cana proporciona a produção de 2,0% a mais de vapor motriz com alta pressão e alta temperatura, sem contar os ganhos de capacidade da caldeira que provavelmente ocorrerão com a mesma queimando combustível mais seco. Neste caso em particular o aumento potencial de venda de energia elétrica foi estimado em 2,5 kWh/tc.
Ao contrário da primeira caixa de gelo mencionada acima, esta não traz vantagens para a redução de consumo de energia no setor agrícola, mas em compensação traz vantagens na geração de energia elétrica, pois o calor recuperado da fonte quente vai direto “na veia”, ou seja, melhora a primeira operação unitária fundamental que é a conversão de combustível em vapor motriz.
É importante lembrar que correntes de processo para serem aquecidas são limitadas, já baixar a umidade do bagaço para 45% a 48% é uma operação cuja fonte fria estaria garantida de antemão.
Naturalmente secar biomassa custa mais caro que aquecer correntes do processo, mas tudo é questão do retorno do investimento. Nem sempre as soluções mais baratas são as mais rentáveis.
Projetos de eficiência energética não se pagam em dois ou três anos. É preciso buscar fontes de financiamento de longo prazo, que hoje já temos disponíveis para a nossa agroindústria.